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A Tarde Memória

Por Cleidiana Ramos*

ACERVO DA COLUNA
Publicado sábado, 26 de agosto de 2023 às 6:00 h | Autor:

Ação do Olodum sobre Revolta dos Búzios teve parceria com A TARDE

Em 2009, o grupo cultural lançou uma cartilha sobre o movimento que acaba de completar 225 anos

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Michael Jackson esteve em Salvador para gravar clipe com o Olodum
Michael Jackson esteve em Salvador para gravar clipe com o Olodum -

Em 12 de agosto de 1798, um manifesto foi afixado em locais públicos de Salvador. Era o aviso da Revolta dos Búzios, um movimento que, além dos lemas da Revolução Francesa- Igualdade, Fraternidade e Liberdade- pregava a abolição da escravidão e a criação de uma República Bahiense. Também conhecido como Revolta dos Alfaiates e Conjuração Baiana, o levante, que completou 225 anos no último dia 12, foi suprimido pelo poder colonial e quatro homens negros apontados como líderes- João de Deus do Nascimento, Lucas Dantas, Luiz Gonzaga das Virgens e Manoel Faustino dos Santos - foram presos e depois enforcados. Tornar a memória dessa revolta mais conhecida foi o objetivo central de uma ação do Grupo Cultural Olodum, que contou com a parceria de A TARDE para distribuição da cartilha intitulada Revolta dos Búzios- Uma história de igualdade no Brasil. Além da produção da publicação, o Olodum teve um papel central na campanha para inscrição dos líderes da Revolta dos Búzios no livro de Heróis e Heroínas da Pátria, onde ficam registrados os nomes de personagens importantes na saga da construção do Brasil como nação.

O anúncio da parceria entre A TARDE e o Olodum foi publicado na edição de 8 de janeiro de 2009. Além do encarte das cartilhas, o Grupo A TARDE assumiu o apoio técnico para a organização da documentação e outras peças de memória do Grupo Olodum, a inclusão da escola mantida pela instituição no projeto A TARDE Educação, dentre outras medidas.

“O Grupo A TARDE e o bloco afro Olodum celebraram um acordo de colaboração de cunho educativo ontem. O diretor-executivo do Grupo, Sylvio Simões, e o presidente do Olodum, João Jorge, reuniram-se na sede do grupo para oficializar a parceria de ações a serem desenvolvidas ao longo deste ano, quando o bloco completa três décadas de existência”. (A TARDE, 8/1/2009, p.A7).

O texto destaca a característica educacional da iniciativa.

“Segundo João Jorge, o foco da parceria é a educação. Ele acredita, ainda, que a parceria entre o bloco afro e o Grupo A TARDE fortifica o avanço da comunicação e do trabalho social em Salvador. “Estamos muito satisfeitos. O jornal, enquanto empresa de grande expressividade no Norte e no Nordeste, faz uma parceria cidadã, cujo eixo é a cultura aliada à memória. Dessa maneira, dá um importante passo ao participar de alternativas concretas contra o racismo e de incentivo à propagação da cultura baiana e à conservação do patrimônio imaterial do nosso Estado”, destacou Jorge”. (A TARDE, 8/1/2009, p.A7).

A circulação da cartilha foi um sucesso. Assinada por Maurício Pestana, a publicação integrou a série Griô do Olodum. Foi necessária uma ação complementar do Grupo A TARDE para disponibilização de mais exemplares na loja mantida para distribuição do jornal A TARDE em um shopping da cidade. Não assinantes também buscaram o serviço de atendimento para obter informações de como conseguir o exemplar.

“Para nós do Olodum, é uma emoção muito grande ver essa história ganhar repercussão, via A TARDE. A gente vem divulgando esse episódio, com a parceria do historiador Luiz Henrique Dias Tavares, sempre nos assessorando com os dados corretos. Queremos tornar estes heróis conhecidos em todo o Brasil”, completa João Jorge”. (A TARDE, 25/08/2009, p.A5).

Outra informação veiculada no texto foi o projeto de lei 5819/2009, de autoria do então deputado Luiz Alberto (PT-BA) para a inclusão dos líderes da Revolta de Búzios no Livro dos Heróis da Pátria. Naquele período, o único negro inscrito no livro era Zumbi dos Palmares. Dois anos depois, em 4 de março, a então presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, sancionou a Lei 12.391 que incluiu João de Deus, Lucas Dantas, Luiz Gonzaga e Manoel Faustino no livro. Em 2014, Dilma Rousseff foi homenageada em Salvador, na sede do Olodum, conforme registro feito em reportagem de A TARDE.

“Numa solenidade ocorrida na sede do Grupo Olodum, ela foi homenageada por segmentos ligados à cultura afro por ter sancionado a lei 12.391, que determinou a inscrição dos nomes dos principais líderes da Revolta dos Búzios no “Livro de Aço dos Heróis Nacionais” “. (A TARDE, 23/8/2014, p.B2).

Continuidade

Em 2017, A TARDE registrou mais uma ação do Olodum na área de memória: a celebração para a viabilização do centro de documentação digital. Por meio de um convênio com o governo federal, viabilizado por emenda da deputada Lídice da Mata (PSB-BA) no valor de 225 mil reais, foi possível iniciar o processo de digitalização dos documentos que contam a história do Olodum e por extensão de parte da luta antirracista no Brasil.

O Olodum foi criado em 1979 como um bloco que reunia os moradores do chamado Maciel-Pelourinho. Conhecido pelo ritmo chamado “samba reggae” considerado uma criação do maestro Neguinho do Samba, rapidamente o Olodum tornou-se um exemplo do que se chamou de world music alargando suas fronteiras. Não à toa, a banda fez parcerias com músicos como Paul Simon e o célebre acompanhamento de They don´t care about us, música de Michael Jackson (1958-2009). Uma das maiores estrelas da música pop, Michael Jackson, gravou o clipe no Rio de Janeiro e em Salvador. Ele veio à capital baiana especialmente para a parceria com o Olodum.

Com um nome de origem iorubá, que equivale ao deus supremo, o grupo uniu sua arte ao discurso político do panafricanismo- cujas cores exibe em seus tambores- do rastáfari e do reggae. Com um repertório inovador do ponto de vista do ritmo, o Olodum também inclui em suas músicas a denúncia de problemas sociais como em Protesto Olodum e as histórias das heranças africanas que é a base do seu mais conhecido sucesso: Faraó – Divindade do Egito. A partir de 1983, o Olodum intensificou suas ações para além do Carnaval que inclui projetos como a Escola Criativa, dentre outras iniciativas. O presidente e um dos fundadores do grupo, João Jorge Rodrigues, é atualmente o presidente da Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura.

República da Bahia

“Animai-vos, povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o tempo em que seremos todos irmãos, o tempo em que seremos todos iguais.” Com esse texto, um manifesto que circulou em locais públicos conclamava para um levante inspirado nos ideais iluministas e com uma novidade que não estava contemplada na Inconfidência Mineira: a abolição. Além disso, os líderes e participantes foram membros dos segmentos negros da população de Salvador.

O levante acabou sufocado pelo poder colonial. Quase 50 pessoas foram processadas e punidas, inclusive mulheres como Luiza Francisca D´Araújo, Lucrécia Maria Quent, Ana Romana Lopes, Domingas Maria do Nascimento e a que foi identificada apenas como Vicência.

Mas foram os quatro apontados como líderes- João de Deus do Nascimento, um alfaiate; Manoel Faustino Santos Lira, aprendiz do mesmo ofício; e os soldados Lucas Dantas de Amorim Torres e Luiz Gonzaga das Virgens e Veiga, que foram condenados à morte. Os quatro foram enforcados na Praça da Piedade em 8 de novembro de 1799. As cabeças foram expostas como forma de intimidação.

Em 2015, em uma ação articulada pelas secretarias de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Comunicação (Secom) e Cultura (Secult), com a participação do Olodum, foi realizada uma ação para visibilizar a memória do movimento. A bandeira que foi desenvolvida para simbolizar Búzios foi instalada na Praça da Piedade, onde ficam os bustos em homenagem aos seus mártires. Ela tem duas faixas em branco e uma azul, além de uma estrela vermelha. O símbolo tem a inscrição em latim “Surge nec mergitur” que pode ser traduzida livremente como “Apareça e não se esconda”.

*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia

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