Bruxaria tradicional ganhou espaço no conteúdo produzido em A TARDE
Histórias e celebrações do Templo Casa Telucama foram registrados em peças que formam o acervo do Cedoc
Um templo de bruxaria tradicional localizado em Ipitanga, Lauro de Freitas, foi tema de uma reportagem publicada na edição de A TARDE de 8 de abril de 2001. Naquele período pouca ênfase se dava a essa prática como uma religião com suas celebrações, características de formação, dentre outros detalhes. Dois anos depois, outro texto contou detalhes do Templo Casa Telucama, que tem como liderança religiosa a suma sacerdotisa, Graça Azevedo. A TARDE fez vários outras registros como a celebração do equinócio da primavera, o Festival de Ostara, que a comunidade do templo vai celebrar neste mês; um casamento, dentre outros assuntos que integram as coleções do acervo de reportagens e fotografias do Cedoc A TARDE.
“O estereótipo que criaram para as bruxas inverteu toda a nossa filosofia e proposta maior como religião. Fomos execrados durante dois mil anos, mas nossa força permitiu que os templos se mantivessem e as tradições fossem passadas de geração a geração”, salientou Graça Lúcia Azevedo, a Senhora Telucama, sacerdotisa do Templo”. (A TARDE, 8/4/2001, p.4).
Os textos publicados em A TARDE são importantes para ajudar no movimento de desconstrução negativa da palavra bruxaria no imaginário da cultura ocidental. “Bruxaria significa sabedoria. Bruxas e bruxos são pessoas que buscam a sabedoria. Nós entendemos que o conhecimento passa por uma universidade de saberes e cada um vai se conectando com a natureza que é Gaia. Nós somos absolutamente regidos pelas leis do universo. Nosso dormir e acordar é em relação à natureza”, explica Graça Azevedo.
A Senhora Telucama participou do projeto REC A TARDE. A edição foi veiculada na última sexta-feira. A sacerdotisa foi a convidada das seções Senta que Temos História e Mídia & Memória para comentar os registros do Cedoc A TARDE sobre a comunidade que lidera. (Para acessar o REC use o QR Code indicado nessa página).
Renascimento
A Casa Telucama está em atividade há 47 anos. Graça Azevedo recuperou uma tradição que chegou à Bahia, em 1917, com sua avó Francisca Cruz. Em 1979 ela foi refazendo o caminho de descoberta com formação na tradição carmina-telucama. As raízes são ibéricas e celtas.
No templo as celebrações seguem um calendário lunar, mas que são adaptados ao hemisfério sul para celebrar os equinócios, ou seja, a passagem de estações. Agora, em setembro, por exemplo, será realizado o Festival de Oster ou Ostara, a deusa do renascimento, da primavera e que marca uma grande celebração à vida. Elementos do culto de Ostara foram absorvidos na Páscoa Católica, com a introdução do ovo e do coelho, no âmbito do complexo encontro de culturas.
Na tradição da bruxaria encontram-se muitas histórias sobre como Ostara, uma deusa cultuada pelos povos germânicos e nórdicos transformou um coelho em ave. Diante da tristeza do animal ela esperou até o início da primavera para reverter a magia. Tanto o coelho como o ovo são símbolos de renascimento. Na região que hoje é a Alemanha e os países nórdicos tinha-se o costume de celebrar Ostara com ovos coloridos. A festa era em abril, período em que a Páscoa católica costuma acontecer ainda hoje mais frequentemente. O catolicismo anglo-saxão, que dialoga com a cultura celta, foi fundamental na inserção dos elementos do culto a Ostara nas celebrações de base cristã.
Em 2004, A TARDE anunciou, em uma reportagem, os preparativos para a celebração do Festival de Ostara no Templo Casa Telucama.
“As noites e os dias se tornam iguais em duração. As flores começam a brotar, o vento ganha um perfume mais adocicado, os animais saem dos seus habitats e passam a circular livremente, enfim, é a época de regenerar o velho e receber a nova vida”, explica Graça Azevedo, a suma sacerdotisa do templo de bruxaria tradicional celta Casa Telucama, que funciona em Ipitanga, Lauro de Freitas, a 22 km de Salvador”. (A TARDE, 22/9/2004, p.4).
Na edição de 27 de setembro de 2004, uma reportagem contou os detalhes da celebração:
“Último sábado, por volta das 22 horas, império da lua crescente na área sagrada do Templo Casa Telucama, localizado em Lauro de Freitas. Com a suma sacerdotisa Graça Azevedo à frente, quatro sacerdotisas avançam ao som de uma música suave. Entre elas, uma jovem iniciada no estudo da bruxaria celta, tradição seguida pela Casa, representa a deusa Oster. Assim está dada a largada para o Festival do Ostara, uma das mais importantes celebrações da roda do ano, o calendário seguido pelas bruxas”. (A TARDE, 27/9/2004, p.5).
O texto prossegue contando como as sacerdotisas usam coroas feitas com flores do campo. Já os homens usam o mesmo adereço, mas eles são feitos com cravos e murtas, que são para marcar a diferença de gênero. Os grupos se aproximam do espaço da celebração por meio de uma dança, sempre em círculo para lembrar o movimento do planeta.
“Chega o momento de levar a oferenda para Oster: uma barca repleta de ovos pintados. “O ovo é sinal de renascimento. Nas imagens, Oster sempre traz um ovo nas mãos e tem a seus pés uma lebre, que é o símbolo da fertilidade. Essa simbologia, inclusive, foi absorvida pela Páscoa cristã”, ensina a suma sacerdotisa. (A TARDE 27/9/2004, p.5).
Outro belo rito registrado na reportagem foi o momento em que o cortejo se dirigiu a uma lagoa que fica nas dependências do templo levando velas em formato da flor de lótus. Acesas elas foram colocadas nas águas, como um símbolo para a renovação das esperanças. Após esse rito a dança sagrada foi iniciada. Divindades cultuadas em terras brasileiras por indígenas, descendentes de africanos, mas também a Nossa Senhora dos católicos, foram saudadas e. por fim, a tríade de deusas a quem a Casa Telucama é consagrada: Hécate, a representação da sabedoria que vem com a maturidade; Deméter, a mãe; e Ártemis, a jovem.
“Depois da apresentação da dança, é chegado um outro momento forte da festa: a consagração dos alimentos. O pão é lembrado como fruto da terra mãe e a oração suplica que ele nunca falte. O vinho é definido como sinônimo de alegria e oferecido aos deuses. Por fim todos são convidados a participar do banquete com a comunidade do templo. Pronto! Os bruxos da Casa Telucama cumpriram o seu ritual, abrindo as portas para a chegada de mais uma primavera. A lua que reverenciam está unida ao sol dando passagem para o reinado de Oster, numa mistura de cores e alegria”. (A TARDE, 27/9/2004, p.5).
Outro rito celebrado na Casa Telucama registrado em uma reportagem de A TARDE foi um casamento. A cerimônia foi tema de uma reportagem publicada na edição de 1º de novembro de 2010.
“A celebração, denominada handfasting, promove a união entre um homem e uma mulher pelos laços do amor pleno e pelos símbolos sagrados dos quatro elementos: terra, fogo, água e ar. “Para os celtas, homem e mulher são absolutamente iguais e possuem a liberdade como fonte vital para a felicidade. Assim, a união de compromisso de almas só acontece por escolha livre de ambos”, explica Graça Azevedo, a suma sacerdotisa”. (A TARDE, 1º/11/ 2010, p.B6).
Esse conjunto de informações teve o papel de mostrar para muita gente o quanto uma prática religiosa, que foi uma vítima histórica de equívocos e intolerância, tem de belo e de proximidade com outras formas de reverenciar o sagrado. Esse é um dos papéis da comunicação social: ajudar da forma que lhe é possível o combate à ignorância que é raiz do ódio, da violência, dos preconceitos e de tantos outros males.
*Cleidiana Ramos é jornalista e doutora em antropologia
*A reprodução de trechos das edições de A TARDE mantém a grafia ortográfica do período.