Como superar o luto?
Em um início de ano com tantas tragédias como o rompimento da barragem de Brumadinho, a enchente no Rio de Janeiro, o incêndio no centro de treinamento do Flamengo, a morte de Ricardo Boechat, um dos maiores jornalistas da atualidade,e da atriz Bibi Ferreira, é muito importante falar sobre o luto.
O luto é convencionalmente definido como uma emoção que paira sobre uma pessoa quando ela perde alguém, ou seja, assim que uma ruptura o distancia do ser querido, o qual parte através da morte. Um profundo sentimento de tristeza ou compaixão nasce desta carência, a qual se revela mínima ou de grande intensidade, de natureza positiva ou negativa.
Existem inúmeras outras situações que geram sentimento semelhante, e que, fugindo da definição clássica de luto, acabam sendo menosprezados pela própria pessoa ou pela sociedade.
Quem nunca perdeu um animal de estimação e ficou enlutado? Quem nunca sentiu uma tristeza profunda ao finalizar um ciclo escolar como ensino médio ou faculdade, onde deixamos aquele meio de convívio com tantos amigos com um convívio diário? Que mãe e pai nunca chorou pela mudança de um filho que viajou para morar em uma outra cidade, estado ou país para trabalhar ou fazer uma faculdade? Quem nunca chorou a perda de um grande amor após o término de uma relação? Essas e outras situações podem sim, ser encaradas como luto!
O entendimento do que é o luto e compreensão acerca de seus estágios pode auxiliar na superação deste momento duro, porém, necessário para que possamos lidar com a perda. Em nenhum momento estamos fazendo julgamento de grau de importância de cada uma das situações. Nosso objetivo aqui, é ampliar a gama de pessoas que podemos auxiliar de algum modo, ok?
O luto possui 5 fases que nem sempre ocorrerão nesta ordem e que também não possuem um prazo pré-definido para acontecerem. Elas dependem do tipo de perda e de como cada pessoa reage à ela. No entanto, em geral, uma pessoa sempre apresentará ao menos duas delas:
1. Negação e choque
A primeira reação à perda de alguém querido ou o término de um relacionamento é o choque e a negação. É difícil entender e aceitar o que aconteceu. Pensamos que é um pesadelo e que uma hora vamos acordar e ver que aquilo não aconteceu. Não cai a ficha sabe? Ficamos mentalmente anestesiados (já ouvi muitos pacientes relatarem desta forma). “Nossa, será que é fakenews?”. No caso do fim de um relacionamento é quando fantasiamos retorno ou que as coisas irão funcionar apesar de todos os indicativos concretos de que a relação terminou. Esse período pode nos proteger de emoções que se viessem de uma só vez, seriam avassaladoras.
2. Raiva
Neste estágio o indivíduo sente raiva ou revolta, sente-se injustiçado por estar passando por isso e, por vezes, busca encontrar um culpado. Dirigimos a raiva a todos a nossa volta: o médico não pôde diagnosticar a doença a tempo, raiva de si mesmo por não ter feito as coisas de modo diferente, até mesmo de Deus por ter levado aquela pessoa que fez bem a tantas pessoas em detrimento de outras que estão vivas. “Porquê ele? Fazia bem à tanta gente... Enquanto aqueles que roubam, matam e fazem mal ainda estão aí...
No caso de fim de relacionamentos, raiva do(a) ex e de elementos associados a separação como outra mulher ou homem, ao trabalho ou aos amigos porque foi aí que a pessoa “começou a mudar”.
A raiva e irritação neste momento podem ser tamanhas que se dirigem aos que não compactuam com nossa raiva. Para outros, a raiva pode se dirigir a si mesmo e se transformar em culpa. Nestes momentos, pode ser um alívio poder admitir a raiva.
3. Negociação ou barganha
Nessa fase, o indivíduo começa a negociar. Começando por si mesmo, ele acaba querendo dizer que será uma pessoa melhor se sair daquela situação, faz promessas a Deus. É como o discurso “vou ser uma pessoa melhor, serei mais gentil e simpático com as pessoas, não vou deixar ela dirigir só, não vou deixar mais ela andar na rua sem me dar a mão, não vou ter mais ciúmes...”
É quase uma tentativa de fazer a vida voltar ao que era antes. No caso da morte de um ente querido, pensamos que poderíamos ter agido antes, não ter deixado a pessoa sair de casa naquele dia ou ter prestado mais atenção. Fazendo isso, criamos magicamente um cenário em que essa pessoa tão amada ainda estaria conosco. Pode começar inclusive, antes mesmo da morte, como por exemplo, no caso de doenças graves, quando prometemos algo para que Deus poupe quem amamos.
É esta negociação que nos ajuda a se acalmar com a perspectiva de que um dia nos encontraremos de novo com a pessoa que faleceu.
4. “Depressão”
Quando a ansiedade diminui, a pessoa enlutada procura ficar sozinha e em silêncio. É o momento de sentir a tristeza da falta, da angústia, da perda de controle, e o sofrimento pode aparecer abruptamente. Nessa fase, respeito, compreensão e conforto são essenciais. Muitas pessoas passam a chorar mais neste momento, se retirar para seu mundo interno, se isolando e sentindo-se impotente diante da situação.
Ficamos mais silenciosos e podemos ter alterações no apetite ou no sono. É uma fase mais profunda do luto, na qual experimentamos muita tristeza ou caso não estivermos abertos para nossos sentimentos, uma certa dormência emocional. É quando realmente caiu a ficha de que a situação é real.
Essa “depressão” não é um transtorno depressivo de um diagnóstico clínico, é uma reação natural a perda, é o sentido da palavra deprimir, ficar para baixo. Nesta fase, um acalento físico pode ser muito importante, como um abraço, um carinho, uma música, uma meditação ou uma massagem. Esse cuidado pode ajudar a viver as emoções difíceis e deixar o processo do luto se desenrolar com mais suavidade.
5. Aceitação
Passada e assimilada a sensação de impotência que pode surgir diante da perda, passamos a um estado de ânimo menos intenso e mais neutro. Claro que ainda existem recaídas, mas, na maior parte do tempo, na fase da aceitação, a pessoa será capaz de assimilar o que aconteceu, levantar a cabeça e olhar para o futuro, além de reinterpretar de maneira positiva o significado da perda sem culpar nada ou ninguém.
Pode não ser necessariamente alegria, e sim um instante de ausência da depressão em que conseguimos sentir uma gama maior de sentimentos e emoções, passando a nos abrir pro novo. O momento ficou suficientemente sólido quando passamos a comemorar o aniversário de um parente querido que morreu fazendo algo que nos faz bem. É quando a lembrança de quem não está mais conosco dá mais alegria do que vontade de chorar. É na época em que ficamos realmente em paz e entendemos de coração porque aquela relação não deu certo. Aproveite este momento para tirar lições e colocar em prática tudo de bom que o convívio com aquela pessoa nos deixou.
Após uma situação de luto, a pessoa deve buscar um auxilio de um médico e psicólogo quando sentir necessidade. Pode ser logo após a perda ou tempos depois. Muitas pessoas só vêem necessidade de procurar um profissional ao sentirem que o seu processo de luto está muito prolongado ou vem se desenvolvendo de forma “atípica” ou “patológica”, porém, trabalhar a sua dor pode auxiliar na elaboração da mesma em qualquer que seja o tempo, mas claro que o quanto antes, melhor. Se quiser saber mais, acompanhe as dicas em meu instagram: @dreduardoreis.
Dr. Carlos Eduardo Reis de Sousa é Médico e cirurgião-dentista, possui pós-graduação em educação, psiquiatria e medicina do trabalho, mestrado na área de saúde coletiva. É docente de cursos de graduação e pós-graduação na área médica, escritor e palestrante.
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