É panc

Nada a ver com Sex Pistols, Clash, contracultura, cabelo moicano. Isso aí é punk, se ligue.
Panc é Planta Alimentícia Não Convencional. Comida que a gente pisa, arranca como erva-daninha em nossa inocente ignorância, se encanta com o tapete colorido que faz no chão na primavera e nem sonha que aquilo é comida, e que pode ser bem gostoso. E digo, mais! Comidas orgânicas, zero trans, riquíssimas em nutrientes, e que dão mais do que chuchu na cerca, minha gente! Nativas de cada região, do Oiapoque ao Chuí, elas são superresistentes, e crescem livres, leves e soltas em toda parte. É bebê, falamos de um espetáculo de biodiversidade que podia estar no seu prato! E de grátis!
Não é louco que ainda morramos de fome no meio dessa selva de comida?
Queima de arquivo
Mas o seguinte é esse: da mesma forma que a Inquisição queimou livros para não dar asas à imaginação do rebanho, perdendo assim o seu controle, a agroindústria queimou o arquivo PANCS.
Estes arquivos continham, inclusive, costumes dos nossos avós e gerações anteriores, de comer muitas e muitas pancs. Para se ter uma ideia, esses caras são tão miseráveis que, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o número de plantas consumidas pelas pessoas caiu de 10 mil para 170 em apenas 100 anos.
Sabe porquê? Porque é a agroindústria que manda no que a gente come, e se sustenta disso. A agroindústria não quer biodiversidade no nosso prato porque dá muito trabalho! O grande lance é encher nossos buchos com o esquemão trigo e arroz, que tá óóótimo! Mas ela não está sozinha, tem comparsas: a indústria alimentícia e seus subprodutos, com o amparo da mídia, que ganha para produzir as mais espetaculares e sedutoras campanhas que chegam pelas tevês de todos os sobocós de Judas, e claro, ao apoio luxuoso dos políticos corruptos, que vetam projetos verdes e facilitam as coisas para essa corja, garantindo assim a sua ponta.
"Não! Abafa! Já pensou se esse povo todo fica sabendo que pode colher comida nutritiva na rua? Vai que essa onda pega! Já pensou se as escolas, por exemplo, inventam de desenvolver projetos de educação alimentar junto às crianças incentivando-as a identificarem essas malditas pancs e começarem a produzir hortas coletivas e seu próprio alimento? Será o nosso fim! Não, ligue agora para o nosso pessoal em Brasília. E também vou querer uma reunião urgente com o pessoal da DP (Desenvolvimento de Produto, gente) - precisamos lançar algo extraordinário - e já quero a agência pronta para fazer barulho".
É, bebê! É por aí!
Não passarão
Mas esse povo está todo se bulindo, porque o mundo está mudando; uma grande e irreversível mudança. E, com fé no Divino, se eu estive viva para ver casais homoafetivos passeando de mãos dadas no Campo Grande, empregadas domésticas enquadrando madames, gordas sensualizando, negros ocupando os seus espaços só na elegância que lhes é peculiar, a Igreja baixando a bola, um papa pop, a linda modernização do Judiciário, e tantos gritos de preservação cultural e ambiental que já despertaram o povo do sonambulismo manipulado por essa corja, hei de ver esse império cair para que toda a nossa biodiversidade, mesmo ao alcance das nossas mãos, possa chegar aos nossos pratos, sem envenenar o planeta, sem maltratar bicho, sem imbecilizar o povo, roubando-lhe seu bem maior: sua saúde.
Para tanto, convido todos os chefs e cozinheiros a contribuírem com a disseminação de valiosas e libertadoras informações como essas. É nosso papel. Alguns de alta grandeza já o fizeram, mas num âmbito Mani e D.O.M, para poucos.
Mais do que a identificação das Pancs, a consciência da necessidade de libertação dessa gente precisa chegar a todos. Não basta inventar pratos bapho com vinagreira, bertalha e taioba, decorados com as mais delicadas flores comestíveis, a informação tem que circular.
E por favor, parem de decorar bolos com flor ornamental, uma vez que a regra é clara: está no prato é para comer. Vou logo avisando: se vier uma flor no meu prato eu vou comer, hein? E se ela for venenosa, eu vou morrer, hein?
Portanto, mundo da gastronomia, tratem de ler Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc) no Brasil - Guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas, de Valdely Kinupp e Harri Lorenzi, porque todas as pessoas realmente comprometidas com a boa gastronomia têm obrigação de difundir essas possibilidades todas.
E a você, cara (o) leitora (or), convido a abrir a bocarra para a biodiversidade. Menos supermercado, mais feira.
Para uma relação mais íntima, prática e simples com o tema, visitem o Come-se, blog da Neide Rigo, uma nutricionista e cozinheira veterana no assunto, que corre o Brasil identificando Pancs, colhendo culturas, e cozinhando para muito além da caixinha.
Em Salvador, saiba que existe um grupo de alunos do curso de Gastronomia da Ufba fazendo um belíssimo trabalho com pancs. E tem também a Fernanda Cabrini do Slow Food Bahia, estudando o assunto com seriedade e pronta para bater uma bola.
Como eu disse, é panc. Depois não diz que eu não avisei!