Libertas

Oi. Essa é para você que não cozinha quase nada, mas gosta. Se esforça, acompanha os programas televisivos, blogs e ídolos no Instagram, e até compra livros. Você, que sente coisas ao se imaginar reproduzindo aquela receita que tocou seu coração para os amigos. Que sente um frio na barriga só de pensar.
E movido por esse estímulo, esse desafio, essa vontade de realizar uma comida, de surpreender ao outro e a si mesmo, lista os ingredientes e parte para os mercados chei@ de dúvidas. E esclarecê-las é de tamanha importância para esse seu pequeno grande projeto pessoal, que toma coragem e manda uma mensagem para aquela blogueira inspiradora para perguntar, com toda a urgência do seu ser, se para aquela receita o peixe pode ser congelado.
Com sorte, a blogueira estará on line e, mesmo enlouquecida em meio a diversas tarefas, ao invés de pensar "essa pessoa acha que eu não tenho o que fazer, né?", vai sentir que alguém busca o seu apoio para um desafio pessoal da maior importância e vai responder: "NÃO! Congelado nem pensar! Onde? Saia já daí, que esse lugar é uma forca e eu vou te dar o canal de um pescador incrível".
E essa resposta chegará ao consulente como a mais terna e verdadeira prova de amor, como o incentivo que precisava para tocar o seu projeto adiante, renovando-lhe a fé e a esperança em si mesmo, digo, na receita.
Cozinha livre
Não resta dúvida de que os livros e programas de tevê são grandes amigos dos aspirantes a cozinheiros, e quem há de negar? Tanto é que o peixe d@ coleguinh@ ficou apenas divino, e noss@ heroína/herói quer mais, muito mais! Agora quer fazer um javali (veja bem, um javali! Inteiro!) no seu aniversário, vai vendo.
E eu vou esperar pacientemente até que el@ se sinta bem segur@ na cozinha, até que já prepare vários pratos sem consulta, que entenda o tempo de cocção de cada alimento e que, sobretudo, tenha aprendido a respeitá-lo, para fazer-lhe a seguinte proposta: agora liberte-se! Hora de alçar vôo sozinh@. Segundo nível do jogo, segura a peruca e pula.
Novo frio na barriga, frio de soltar guidão de bicicleta. "E esse barato é bom, hein? Será que eu consigo?". Consegue, mas agora esqueça os livros. Ninguém mais haverá de dizer-lhe o que fazer, mas a sua própria intuição e poder criativo.
Mas não te abandono ainda, deixo pistas de pedrinhas brilhantes nas trilhas para as suas descobertas.
Processos criativos
Aos invés de partir dos ingredientes determinados por uma lista, esteja atent@ às ofertas dos vendedores ambulantes pelas ruas, circule livremente pela feira, nada em mente.
É certo que encontrará uma abóbora absolutamente incrível e, macaco velho, o vendedor vai perceber o seu encantamento e fará questão de furar-lhe a casca a fim de mostrar o quanto é ainda mais absolutamente incrível em sua textura e cor por dentro. Não haverá dúvida, a vedete será mesmo a abóbora. Camarão na moranga, escondidinho com jabá, sopa, risoto com queijo azul... decida.
Outro riquíssimo processo criativo é aproveitar o que se tem em casa, até porque você pagou caríssimo pelo garam masala (quando surtou naquela receita indiana), pelo molho de romã (por ocasião das incursões árabes), sem falar naquele monte de frutas secas e oleaginosas quando entrou numas de fazer crumble e barrinha de cereal.
Portanto, sinta-se na obrigação de abrir os armários, dispor tudo sobre a mesa, abrir a geladeira e entregar-se ao delicioso exercício da criatividade. Que tem nível 3, aliás!
Quando você já usou tudo, mas se a vida só te deu dois ovos, ervas nas últimas, e um restinho de azeite aromatizado, faça-te uma omelete, que é no mínimo onde geralmente se esconde o máximo. E como será gratificante essa descoberta depois de tantos tostões gastos com ingredientes importados! Libertas, e será também.