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Kátia Najara

Por Kátia Najara | Empresária, cozinheira e blogueira | [email protected]

ACERVO DA COLUNA
Publicado quinta-feira, 27 de agosto de 2015 às 9:02 h | Autor: Kátia Najara | Empresária, cozinheira e blogueira | [email protected]

O caso do bigato do jiló

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Katia Najara
Katia Najara -

Era uma vez uma moça que adorava jilós; era o seu vegetal preferido. Comia-os sempre inteiros e os mastigava com aquele prazer que faz cerrar os olhos. O jiló era a grande vedete do cozido, e as quintas-feiras era o dia mais aguardado da semana, quando aquele restaurantezinho de comida caseira, próximo à repartição, servia a tal iguaria.

Um dia, porém, toda a verdade sobre os jilós veio à tona, quando um amigo, da sua maior confiança, vendo-lhe salivar enquanto esperava o seu rico cozido, comentou assim como quem não quer nada, que todo e qualquer jiló possui, no seu íntimo, um bigato. Vivo.

Ainda distraída, a moça perguntou:

- Mas… o que é bigato?

- Como, o que é bigato? Você não sabe? Logo você que gosta tanto de jiló!

- Não, não sei - retrucou a moça, ajeitando-se melhor na cadeira e assumindo um ar agora mais interessado.

- Xi! O pior é que agora eu nem sei se devia dizer…

O interesse começou a virar preocupação, e agora, com voz grave, entoou mais uma vez a fatídica pergunta, naquele tom ameaçador de quem quer a verdade, e a quer agora:

- Eduardo, o que é um bigato? - já engolindo em seco.

- Rachélzinha, bigato é o bicho do jiló - respondeu com a sua habitual tranquilidade e naturalidade, irritantes àquela altura.

- Co-mo as-sim bi-cho do ji-ló, Eduardo? - transtornada.

- É, Chél, bicho do jiló… não tem o bicho da goiaba? Só que esse é bem maior, bem branquinho e fica no meio do jiló.

- Ah, sei… bem maior! Eduardo, eu sempre comi jiló e nunca vi bigato nenhum - tentando provar para Eduardo (e principalmente para si mesma) que aquilo tudo só podia ser um grande, enorme equívoco.

Claro que era!

- É? Então tá… quando chegar o cozido, você checa.

A essa altura Rachèl, apavorada, perscrutava a fisionomia plácida de Eduardo procurando algum traço que apontasse para uma pegadinha de péssimo gosto, que era tudo o que ela mais queria, apesar de odiar pegadinhas de péssimo gosto; ao mesmo tempo em que circulava os olhos pelas mesas ao redor perguntando a si mesma se todas aquelas pessoas sabiam que estavam ingerindo abomináveis bigatos.

Mal cogitou a possibilidade de sair correndo dali até o hot dog mais próximo, o cozido chegou fumegante, trazido pelo garçon de sempre, tão orgulhoso por trazer-lhe o seu quitute favorito.

Rachél jamais havia olhado para o jiló com aqueles olhos. Olhos de quem fora traída a vida inteira. Num rompante, atacou o primeiro jiló que viu e abriu-lhe ao meio com um golpe de faca. E lá estava ele: um goguento bigato, também partido ao meio.

- Isso só pode ser uma coincidência! Não é possível que haja bigatos em todos os jilós! - e apanhou o segundo. Desta vez foi mais cuidadosa, e parecia orar para que não… mas lá estava ele: o segundo bigato goguento.

Por fim, sendo três o seu número de sorte, resolveu partir furiosamente o último jiló, que seria a prova incontestável do relato do amigo (da onça, no caso), se houvesse ali mais um insuportável bigato goguento… e lá estava ele. Deixou cair os ombros e com os olhos fitos nos bigatos:

- Com que direito, Eduardo? Com que direito?! - perguntou-lhe, desolada para todo o sempre.

O caso do bigato do jiló foi escrito em 2004 para o Banho-Maria, meu primeiro blog. A ilustração é de Lila Cruz para o meu atual blog, o Pitéu_Cozinhafetiva.

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