Quem pariu Mateus que balance

Dia desses no supermercado, meu filho de dez anos trouxe um envelope de suco em pó e perguntou:
- Mãe, posso experimentar esse suco que eu vi ontem no Cartoon?
E eu, me bulindo toda por dentro de ódio daquela marca que começa com T, chamei pelos meus guias e com a carinha mais plácida que me foi possível, respondi:
- Pode sim, amor, mas com uma condição: antes você vai ler a composição do produto, que está escrita aqui atrás com essas letras miudinhas, combinado?
Ele topou e começou a ler silenciosamente ao meu lado, pegando a visão para distinguir aquelas palavras ininteligíveis. Não precisou ler até o final, me olhou nos olhos dizendo "entendi, mãe!", e voltou para colocar o envelope onde o encontrou.
A gente é ou não é o que come? E decidi naquele momento qual seria o tema do meu próximo artigo, que ora os apresento.
Aceita que dói menos
Reclama que a criança não come fruta, mas só tem pão e biscoito na mesa do café da manhã; reclama que a criança nunca tem apetite na hora do almoço, mas deixa ele comer biscoito recheado na volta de escola; reclama que a criança está obesa mas não falta refrigerante do capeta na geladeira; surpreende-se com o resultado do exame de colesterol, mas só leva a criança para lanchar na rede do mesmo proprietário (o capeta), e pega elevador para o primeiro andar; e mais ainda, não se conforma com as cáries prematuras, mas libera o chiclete de bolas, até porque senão a criança dá chilique no meio da praça de alimentação do shopping.
Já pensou?
Isso porque a opinião alheia é mais importante do que as carências do seu filho, porque não se conecta com ele, é com a babá, sem a qual fica impossível considerar o piquenique de aniversário do priminho. Até porque piquenique é no parque, tem que sentar no chão, anda muito do estacionamento até o local, e o pior de tudo, tem formiga!
É muito fácil transferir a nossa (ir)responsabilidade para a criança, para a televisão, para a avó, para o coleguinha, mas a culpa é toda e absolutamente nossa, com nossas caras de pau tinindo de óleo de peroba. Os nossos filhos replicam o que somos e somos o que comemos. Isso dói, eu sei, mas aceita que dói menos.
A criança machuca o mamilo? Tá com medinho do peito cair? Cansadinha da mamada noturna? Não parisse.
A desculpa é que não sabe ou não tem tempo para fazer uma sopa de legumes e carne para o seu filho, e compra papinha industrializada. Da melhor marca, claro, aquela confiável que começa com N. Confiável é a natureza, gente? Já pararam para ler a composição dos produtos alimentícios que vocês estão enfiando goela abaixo do seu filho? Não, né? Pra quê, se Fátima Bernardes falou que é super saudável e ela só usa aquela marca na casa dela, com aqueles gêmeos lindos?
Criando monstrinhos
Dia muito quente para dar exemplo para o seu filho na mesa do restaurante, eu entendo. E tamanho é o deleite quando aquele refrigerante do capeta chega à mesa geladérrimo, que vocês nem percebem o encantamento da criança com aquela lata vermelha, entornando aquele líquido preto borbulhante, levado à boca de seus pais, que chegam a fechar os olhos de satisfação ao bebê-lo. Como não desejar aquilo?
E que fabuloso parque de diversões é o passeio ao supermercado, naquela cadeirinha acoplada ao carrinho, em meio a tantos produtos coloridos, e recheados, e ilustrados com encantadores cachorrinhos, abelhinhas, princesinhas e monstrinhos? Hein? E como são deliciosos! Tão doces ou tão salgadinhos!
Logo essa criança poderá ela mesma comprar os seus lanchinhos do capeta na escola do padre, que são as melhores porque são organizadas, porque têm farda e porque as crianças rezam o Pai Nosso todo dia antes de começar a aula.
"Imagine que Fulana colocou a filha numa escola que não precisa de farda, é tudo solto, só tem artista; a criança quer tomar uma coca e não pode; a criança quer comer um salgadinho, e não pode. Coisa de hippie, até horta tem lá dentro. Os livros são as crianças que fazem, veja se pode! É o que eles chamam de construção do conhecimento. Celular lá dentro, nem pensar! E se eu precisar falar com meu filho? Depois nós é que somos radicais."
Pensar pra quê? Criar seres pensantes, pra quê? Tá tão gostosinho aqui na frente da tevê!
Pais, mães... melhorem.