O (esquecido) enigma baiano

Publicado sexta-feira, 13 de maio de 2022 às 06:03 h | Atualizado em 12/05/2022, 23:10 | Autor: Rodrigo Oliveira* | rodrigooliveira@grupoatarde.com.br
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Bahia historicamente está dentre os piores do Brasil em termos de números de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza
Bahia historicamente está dentre os piores do Brasil em termos de números de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza -

Em 1958, o intelectual e político Manoel Pinto de Aguiar escreveu um pequeno livro chamado “Notas sobre o enigma baiano”. O autor buscava entender o motivo da estagnação econômica do estado na primeira metade do século XX, que vinha perdendo participação na economia nordestina e brasileira. Esse termo ganhou fama entre políticos e acadêmicos locais, sendo diversas vezes replicado, mas com diferentes conotações.

Com o passar dos anos, e a influência do pensamento desenvolvimentista sobre as políticas econômicas, bastante ênfase foi dada ao processo de industrialização. De 1950 a 1980 o estado da Bahia observou uma profunda transformação em sua matriz produtiva com a chegada da Petrobras, RLAM, Centro Industrial de Aratu e Polo Petroquímico de Camaçari. A primeira fase da industrialização baiana passa a gerar uma excessiva concentração das atividades produtivas nas proximidades da região metropolitana de Salvador, criando uma forte desigualdade de oportunidades de trabalho, renda, e acesso a serviços com as demais regiões do estado.

Nas décadas seguintes novas atividades produtivas se instalaram no estado. Papel e celulose, fruticultura, soja, mineração e a agora extinta produção de veículos. Com isso, um novo enigma se configura. O estado da Bahia passa a contar com regiões especializadas em atividades extrativas e da indústria de transformação, que não se conectam e não geram sinergias e interdependências. Alguns produtos saem do país via portos de outros estados por falta de infraestrutura, como parte da soja e da fruticultura, outros não geram retornos nem para a população diretamente afetada, com o clássico exemplo da cidade de São Francisco do Conde, muitas vezes apontadas como o maior PIB per capita do Brasil.

Outro enigma, entretanto, sempre recebeu pouca atenção dos políticos e acadêmicos locais. Não importa o período, ou qual indústria se instalou, o estado da Bahia historicamente está dentre os piores do Brasil em termos de números de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza (menos 1,90 dólares por dia), alto nível de desigualdade e baixos indicadores educacionais. Antes da pandemia, em 2019, 19% da população baiana estava desempregada, contra uma média nacional de 11%.

Este último problema é explícito, todos conhecem, mas é difícil de resolver. Houve uma breve melhora com políticas públicas educacionais do século XXI. Embora solucionar a pobreza não seja uma tarefa fácil, já temos evidência suficiente para entender algumas formas de combatê-la, uma das mais comuns é através de políticas educacionais. Enquanto estados vizinhos como Ceará e Pernambuco são sempre lembrados como casos de sucesso na área, o estado da Bahia não recebe nenhuma menção. Não há nenhuma política pública na área educacional no estado que seja destaque.

Porém não faltam políticas. Ao longo dos anos, diversas medidas foram implementadas, tanto no governo do PT, quanto no governo do PFL. A questão é sobre o impacto e a eficiência das mesmas. Não sabemos os resultados. Segundo relatório da OCDE em 2021, o estado da Bahia possuía o terceiro pior indicador de leitura e matemática do Pisa em 2015, e o segundo pior indicador em ciências. O relatório também mostra que o estado gasta pouco em educação. 

Entre tantos estímulos fiscais, a Ford chegou, mas foi embora. Na chegada, importou trabalhadores qualificados do Sul e Sudeste. Na saída, deixou o desemprego. Décadas se passam e não é criada uma estratégia de desenvolvimento da educação, a qual é parte do capital humano dos indivíduos. Chegarão e sairão “Fords”, o capital humano continua. Mas primeiro ele precisa ser criado. E para isso, uma política de estado, e não de governo, é necessária. Esse é o enigma.

*Rodrigo Oliveira é doutor em Economia, professor, pesquisador na UNU-WIDER - United Nations University World Institute for Development Economics

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