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COLUNA

Vilson Caetano

Por Antropólogo [email protected]

ACERVO DA COLUNA
Publicado quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016 às 8:11 h | Autor: Antropólogo [email protected]

"Garrafa cheia, eu não quero ver sobrar. Deixa as águas..."

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gastronomia, vilson caetano
gastronomia, vilson caetano -

As bebidas estão em todas as civilizações como um verdadeiro presente de deuses que deste os tempos mais antigos fizeram brotar vida das águas. Algumas bebidas cumpriram, deste cedo, o papel de estreitar laços entre os grupos humanos e o sagrado e a água muito antes, esteve na base do preparo das infusões, fermentações e destilações.

Alguns autores, amantes da boa bebida, para a qual se ergueram cantigas de exaltação com a marchinha de Carnaval lembrada acima, se ocuparam de algumas bebidas, chamando a atenção do seu aspecto histórico e cultural.

Dentre eles, gostaria de lembrar do professor José Calasans, autor do livro intitulado Cachaça Moça Branca, reeditado pela Edufba, que faz um curioso passeio pelo folclore da nossa brasileirissima bebida, aromatizada pelos anos que fica adormecida em barris de carvalho, uma de nossas invenções, originada da garapa da cana, escorrida dos grandes tachos onde era apurado o açúcar.

Garapa também era o nome dado ao suco feito de limão, preparado com o chamado limão rosa, água e açúcar. Era calmante para chiliques mas também fazia a alegria de crianças de classes menos abastadas que a utilizava como refresco, outra preparação que, independente de sua origem, assim que caiu no nosso gosto, ganhou logo os sabores tropicais.

Os refrescos foram aos poucos substituídos pelas chamadas águas saborizadas exibidas em rebuscados recipientes que atraem pelas cores das frutas e o gosto das especiariais com as quais são preparadas.

No quilombo Salamina Putumuju, localizado no município de Maragojipe, ainda hoje se guarda lembranças da cajuína, bebida feita à base de caju. Outra bebida é a jacuba: farinha, água, vinagre ou limão e açúcar. E a meladinha? Seu preparo ainda é um segredo. Ainda é bebida servida às visitas que serve para fechar o corpo da parida e proteger o recém nascido.

Bebida encantada é a jurema, preparada com a entrecasca da árvore sagrada do mesmo nome. Das fermentadas, cujas primeiras notícias nos chegaram da Mesopotâmia e do continente africano, a cerveja ganhou fama pelo mundo.

Africanos, além do vinho extraído do dendezeiro que poucos adeptos fez dentre nós, nos legaram o aluá ou aruá, bebida feita a base de milho, arroz, gengibre ou abacaxi, temperada com rapadura, servida hoje em poucos candomblés. Outra bebida feita a base de gengibre é a gengibirra encontrada nas festas de algumas comunidades negras rurais. Sem esquecermos também do quentão, presente nas festas juninas em alguns estados.

Goza ainda de enorme prestígio entre nós as chamadas bebidas de infusão. As bebidas de infusão constituem verdadeiras curiosidades. A infusão certamente é um dos métodos mais antigos utilizados para despertar e apropriar-se do poder de plantas, animais e alguns minerais.

O milome, bebida de gosto amargo preparada com a raiz da planta de mesmo nome, é uma das que figuram em alguns botecos do interior, que em nada se parecem com os sofisticados botecos que conhecemos, ao lado de bebidas que na sua preparação entram animais como cobras, escorpiões, aranhas mas também entrecascos de árvores como a arueira, cipós e sementes como a amburana de cheiro.

Ou simplesmente ao lado das chamadas "bebidas de folhas; as que se prestam para tudo: saram doenças, fecham o corpo e são afrodisíacas. Licores e batidas são exemplos também de bebidas preparadas à base da infusão, mas que certamente têm preparo menos polêmico do que as citadas anteriormente.

Todavia, a lista das chamadas bebidas artesanais, termo empregado de forma pejorativa, ao menos quando se refere a estas que estamos falando, é extensa e está longe de ser esgotada. Nos anos 80, no Terreiro de Jesus, com o objetivo de estimular e recuperar as bebidas de infusão surgiu o Cravinho.

Hoje, a bebida que dá nome a um dos pontos turísticos mais importantes do Centro Histórico da cidade de Salvador, pode ser encontrada por todos os cantos da cidade, dividindo opiniões, sobre o mais saboroso. Bebida "nascida nas ruas" é o capeta, que possui guaraná em pó, como um dos seus ingredientes. Há o capeta batizado e o capeta sem batizar. Expressões que o "povo da rua" conhece muito bem. Na dúvida, é melhor optar pelo capeta pagão mesmo.

Outra bebida popular perseguida na festa momesca é o príncipe maluco. Príncipe maluco é bebida misteriosa de sabor amargo, dissimulado pela roda de limão taiti, untada com leite condensado que tem ritual próprio para se tomar, preparada por verdadeiros bruxos. Em resumo, é mistura de bebidas alcoólicas e estimulantes cujo nome sintetiza, o que se espera após a sua injestão.

Ainda no mundo das bebidas, transitam os chás e mingaus que merecem reflexão a parte. Sobre a preferência de uma ou outra, o gosto, este artefato da cultura é influenciado por vários fatores, daí entendermos a rejeição dos foliões ao monopólio de uma cervejaria imposta no carnaval de Salvador.

A princípio, a cultura vem reagindo a tudo que é estranho e imposto de fora dela. Assim, sem dúvida alguma, o bloco mais bonito que se assistiu no Carnaval de 2016 foi a reação dos ambulantes, que chamei de "revolta do isopor", reivindicando à prefeitura, diante das sobras, garrafa cheia e que deixassem as águas rolarem.

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