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Vilson Caetano

Por [email protected]

ACERVO DA COLUNA
Publicado quinta-feira, 28 de janeiro de 2016 às 7:32 h | Autor: [email protected]

O gordo cardápio das festas populares

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gastronomia, vilson caetano
gastronomia, vilson caetano -

Vamos falar sobre comidas gordas, ou aquelas que fazem engordar, e como bem diz o ditado popular, "tudo que é gostoso engorda", mas é verdade também que dá prazer. Comemos também por prazer, e romper com esta relação tem sido, ao longo da história, um desafio para os especialistas em reeducação alimentar.

Em outras palavras, "fechar a boca" não é coisa fácil porque comer é bom, e a comida nos proporciona viagens para além da gastronomia.

Vamos tomar como exemplo o que vou chamar aqui de cardápio das festas populares da Cidade de Salvador. Na verdade, trata-se do que se come ou o que os barraqueiros ou barraqueiras oferecem aos fregueses como "tira gosto" para acompanhar as bebidas. São preparações que resistem ao longo do tempo aos intempestivos discursos contra os prazeres da boca.

Estas barracas, mais do que espaços gastronômicos, são "lugares do comer" que lutam contra o processso de normatização e higienização da cidade - não obstante algumas modificações que foram obrigadas a se submeter. Elas insistem na forma tradicional de ordenar o espaço e na sua maneira peculiar de estar na festa.

Foi-se o tempo do badofe - partes do boi, aferventadas, para retirada do sal - colocado para conservar a carne, cozidas e temperadas com azeite de dendê, cebola, cominho, hortelã, alho e outras coisas mais, vendidas na gamela no meio da rua. Estas partes, sagradas para a maioria das religiões, continuam presente em outras preparações.

Fato é que cada barraca dispõe, à sua maneira, suas comidas, na maioria das vezes, riscadas num quadro que fica dentro do estabelecimento. Num diálogo constante, os próprios fregueses vão elegendo aquela que oferece a melhor comida.

O mercado de comidas funciona da mesma maneira que qualquer outro, tem altos e baixos e também seus mistérios, o segredo, a chave para o sucesso, para se fazer boas vendas.

Abrir a barraca vendendo fiado, nem pensar. Abre-se mesmo o estabelecimento salpicando água com açúcar, porque o doce instaura nas pessoas muitas coisas sobre as quais já nos ocupamos em outros textos. Depois, canela, cravo, alecrim, e outras especiarias, verdadeiros presentes dos deuses para a humanidade, ajudam a purificar o ambiente e atrair bons clientes.

Sabendo que os deuses de todos os tempos são verdadeiros e apressados glutões, costuma-se oferecer a eles comidas servidas em pratos de barro sobre a folha de alface, enfeitadas com cebolas e tomates em rodelas, acompanhadas de bebidas, geralmente uma cerveja, colocadas em lugares de bastante movimento. Isto feito, lá estão listadas, podendo ser apagadas do velho quadro a qualquer momento, as comidas.

Das preparações com o frango, o frango à passarinho é o campeão dos desejos, mas tem também o ensopado de moela; das coisas de dentro do boi, destacam-se a isca de fígado, a dobradinha, a passarinha e o xinxim de bofe, não esquecendo também das extremidades, a rabada e o mocotó, carro-chefe das preparações.

Mocotó no final da festa, de preferência, na madrugada, garante todo o dia seguinte. Verdade é que não se trata apenas do mocotó, mas de todas as vísceras, chamadas de fato, expressão que caiu em desuso com o passar do tempo. O certo é dizer: "comer uma fatada". É como se apropriar de tudo que o boi, esse animal mítico, que nunca morre, tem dentro de si, através da boca, trazendo para nós, a sua força.

Dos peixes, o peixe frito é a preparação que mais encontramos, ao lado da moqueca de arraia. O porco é menos apreciado neste cardápio, o que não significa total ausência, talvez seja representado no sarapatel e através de algumas partes que compõem a feijoada.

Das preparações com marisco, nenhuma ganha para o caldo de sururu. Embora não esteja entre as que estamos falando, a carne espetada e assada, que tempos atrás era batizada como espetinho, vem caindo em desuso, justamente por causa do espeto. Situação no mínimo hilária. É uma comida que estamos assistindo o desaparecimento lento e silencioso.

Quando não se falava em calorias, ou melhor, quando a expressão não era algo comum entre as classes menos abastadas, estas comidas eram consumidas com menos culpa, porque a gordura nos causava menos aversão.

Que o diga uma das festas populares da cidade de Salvador, chamada de Segunda-feira Gorda da Ribeira, inventada quando se pensou que o ciclo de festas do final de ano havia se encerrado no final de semana dedicado ao Senhor do Bonfim.

Ao contrário, os trabalhadores da festa rumaram para o bairro vizinho, e para quem pensava que a folia havia acabado, surgiu a Segunda-Feira Gorda, no sentido de farta, gostosa, prazerosa. Sabiamente foram buscar na gastronomia o nome para batizar mais um momento de prazer da cidade.

E já que estamos falando sobre comidas gostosas, vamos mesmo comer sem culpa, porque, como diz a combatente sabedoria daqueles que vivem para comer, não comer o que se gosta ou o que sente vontade já é um motivo para engordar.

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