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COLUNA

Vilson Caetano

Por Antropólogo e professor da Escola de Nutrição da Ufba [email protected]

ACERVO DA COLUNA
Publicado quinta-feira, 26 de janeiro de 2017 às 8:34 h | Autor: Antropólogo e professor da Escola de Nutrição da Ufba [email protected]

O ovo e as gulodices preparadas com ele

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Hoje vamos falar sobre o “carro do ovo”, uma espécie de fenômeno surgido no segundo semestre do ano passado em todo o Brasil, segundo alguns, explicado pela crise econômica.

O carro do ovo adentra as nossas casas com som exagerado e em horários não convencionais como domingo às 8 da manhã com o jingle do plantão da Rede Globo, música gospel, pagode e também arrocha.

Neste caso, também, os bairros chamados “nobres” lideram o ranking das reclamações – não quanto ao preço de 30 ovos por dez reais, mas quanto ao espaço, afinal, os carros que oferecem ovos de qualidade, ovos extras, brancos, vermelhos, selecionados, ovos jumbos, do tamanho de um coco, fresquinhos vindos direto da granja, vêm ganhando notoriedade e ocupando lugares onde não se pode parar, não se pode vender, não se pode mercar. O que é modificado a partir de um aceno com a mão.

Não obstante estas questões, o carro do ovo tem também servido para avivar algumas preparações feitas com ele, o que não tem passado por despercebido por alguns carros que no pregão introduzem: ovos para a maionese, para a omelete, para o bolo e para a salada.

Inicialmente, os ovos não faziam parte do cardápio no Brasil Colônia. Isso vale também para a galinha, considerada em alguns momentos como item de luxo e prestígio. Reservava-se sempre galinha aos doentes e esta não podia faltar em ocasiões em que a nobreza se reunia ao lado de outras aves como o peru e o faisão.

Era comum criarem-se galinhas para vender os ovos para estrangeiros de passagem pelo Brasil, chama a atenção Câmara Cascudo na História da Alimentação. No entanto, os ovos produziram espantoso rendimento culinário, lembra este autor.

E coube sem dúvida, à mão portuguesa, através de sua confeitaria, inaugurar dentre nós, algumas preparações. Desta maneira, camadas de ovos batidos que cobriam os bolos foram seduzindo aos poucos o paladar brasileiro.

Embora a doçaria portuguesa não possa ser explicada apenas a partir dos conventos, estes com as suas clausuras e regras tiveram participação especial na produção de alguns doces. À Santa Clara, por exemplo, atribuiu-se o poder de fazer estiar, colocando um ovo fora de casa num lugar alto, ou sobre um garfo, suplicando: “Vai chuva, vem sol, enxugar o meu lençol”.

Esta crença garantia também diariamente centenas de ovos às irmãs Clarissa, ordem religiosa fundada pela santa, responsável em manter impecáveis as vestes dos sacerdotes, utilizando para isso, a clara do ovo.

Doces como a baba de moça, o quindim, fios de ovos, ambrosia e o pão de ló são exemplos de preparações realizadas a partir das gemas separadas das claras.

Cascudo traz a receita de um pão de ló, ou pandeló feito com 10 claras, 10 gemas, acrescida de mais 23 gemas e outra com 32 gemas e 5 claras. Este tipo de preparação é uma das mais antigas na história dos bolos.

Ainda estamos longe de alcançar os mexicanos, considerados os maiores comedores de ovos do mundo, até porque dentre nós paira um mal-estar ao falar-se sobre o ovo, afinal, ele continua associado às classes menos abastadas. Porém, temos as nossas preparações à base desta comida que só perde para o leite em valor nutricional.

Na cozinha, o ovo serve como base de molhos, também é utilizado para dar uma cor mais atrativa a pães e biscoitos, está na base de massas e dentre os ingredientes utilizados para “empanar” algumas preparações a fim de serem fritas. Dentre as nossas comidas mais conhecidas estão a frigideira e a moqueca de ovos ao lado do ovo frito, chamado de ovo estralado, na verdade, seria estrelado (mole ou duro), do ovo mexido, do ovo cozido, ou simplesmente do ovo ponche que é o ovo cozido fora da casca. Sem esquecer-se do nosso omelete, muito diferente do omelet francês.

E o suspiro? Outro exemplo de iguaria preparada com o ovo, mais precisamente com a clara. Não podemos deixar de mencionar o elegante doce português chamado papos de anjo, feito com uma massa de ovos e farinha cozido em calda de açúcar e também o ovo empanado, chamado de ovo mollet ou ovo quente, onde o ovo é cozido e ainda com a gema mole, empanado e frito, o que lhe garante uma casquinha crocante.

Na internet, sobram receitas de preparações de ovos. Ela nos coloca diante do sem-fim de gulodices preparadas com eles. Enquanto isso crianças continuam engolindo contra vontade ovos que lhe são empurrados “guela abaixo” nas primeiras horas da manhã, ou gemadas a fim de aumentar a imunidade ou combater certas doenças porque, como bem lembra o jingle, “ovo fortalece”.

Isso lhe coloca numa posição privilegiada que nem os aranha-céus conseguem fazer oposição a ele. Melhor mesmo é aproveitar, pois logo a “loucura das galinhas” passará e o carro do ovo será substituído por outros carros . Que tal descer do seu prédio e garantir a sua placa?

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