LITERATURA
Conceição Evaristo fala de influências e projetos na Bahia: “Inspiração”
Mineira veio à capital baiana em evento do Julho das Pretas na manhã de sexta-feira, 12
Por Bianca Carneiro
Se tem uma coisa que Conceição Evaristo entende é de pioneirismo. Primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Academia Mineira de Letras, a escritora é também a responsável por criar o conceito de “Escrevivência”, junção entre “escrever” e “viver”, ou seja, uma forma de “escrever vivências”.
Hoje, a marca registrada de suas principais obras "Ponciá Vicêncio (2003)", "Becos da Memória" (2006) e "Olhos d'Água" (2014) está nas páginas de obras de outros escritores ou sendo estudada na academia ao redor do Brasil, incluindo a Bahia. E para fomentá-la, Conceição inaugurou, há um ano, a Casa Escrevivência.
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Localizado no Rio de Janeiro, o espaço reúne biblioteca e trabalhos da escritora, e tem como público prioritário escolas públicas, professores, pesquisadores e artistas, entre outros. Questionada pelo Portal A TARDE se pretende expandir a iniciativa e trazê-la para a Bahia, a autora não descartou a possibilidade.
“O meu grande desejo, eu sempre fico brincando, que se eu pudesse, faria um ‘puxadinho’. Mas no momento, a gente ainda está lutando com a implantação física da Casa, inclusive porque o espaço que nós temos, nós chamamos de casa, mas na verdade é uma loja bem pequena. Então, a gente está buscando, inclusive, meios para comprar uma casa", contou.
"Acho que as mulheres negras, elas merecem ter esse patrimônio em vários lugares, então o que a gente pretende ter, sem sombra de dúvida, é um projeto. A gente pretende expandir, mas primeiro, a gente quer ter certeza de uma matriz”, completou ela, durante o evento de Julho das Pretas da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Estado (SPM), na sexta-feira, 12.
E por falar no estado, a escritora diz que diversas mulheres pretas baianas tiveram papel crucial na sua vida.
Luiza Bairros [ex-ministra da Igualdade Racial do Brasil], que embora não fosse baiana, morou muito tempo aqui. Na minha juventude, eu cresci ouvindo falar da Mãe Menininha do Gantois, de Mãe Olga do Alaqueto…Eu acho que a luta da mulher baiana é uma marca, nos inspira e muito
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Academia da vida
Com ampla trajetória acadêmica, Conceição, no entanto, considera como sua verdadeira escola a vida nas periferias e o contato com as histórias e experiências de sua comunidade. Histórias essas, que geraram o próprio conceito de escrevivência.
“Tem um imaginário que o escritor, escritora, nasce nas classes sociais e com todos os seus aparatos e livros [...] Nem todos os doutores são donos de sabedoria. Na maioria das vezes, eu até me arrisco a dizer, eles são donos de uma burrice muito grande, acham que estão com tudo. E isso eu não estou desprezando a academia não, porque seria incoerência da minha parte”, afirmou.
Para ela, a comunicação das mulheres negras através da escrevivência “perturba o sono da Casa-grande” e o machismo. “Nós mulheres, mesmo que a gente não tenha um discurso construído, não tenha uma teoria formalizada, eu acho que cada mulher que busca o seu espaço, que se impõe, está contribuindo para a luta contra a desigualdade de gênero, mesmo sem teorizar sobre isso”, destaca.
Quando nós pensamos em escrevivência, nós pensamos em um trabalho a partir da perspectiva negra. E acho que pensar também a comunicação a partir de uma perspectiva negra, a partir de uma perspectiva de mulheres em um mundo onde a comunicação também é comandada por homens, eu acredito que a escrevivência pode ser também um ponto de partida
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Para ela, há uma diferença entre o homem e a mulher no modo de se noticiar um fato. “Eu acredito que em um mundo marcado por uma imponência tão grande dos homens, nós, mulheres, temos outros pontos de vista no noticiar. Eu acho que a gente se posiciona diferente dos homens”.
A escritora diz que as comunicadoras negras precisam se impor para garantir o seu espaço na mídia brasileira. “Mais do que nunca, nós, mulheres negras, temos de ser ativas aí nessa luta por nosso lugar, por nossos espaços”, opina.
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