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LITERATURA

Livro "1984" ganha versão feminista: “Divertido para fãs de Orwell"

Batizada de “Julia”, a obra acompanha a personagem título, amante de Winston Smith, sob a vigilância do Big Brother

Por Bianca Carneiro

01/07/2024 - 7:00 h
Autora do livro, Sandra Newman é professora de redação e literatura em duas universidades nos EUA
Autora do livro, Sandra Newman é professora de redação e literatura em duas universidades nos EUA -

Escrito em 1949, por George Orwell, “1984” é famoso por sua crítica feroz e atemporal ao totalitarismo. Não à toa, segue como um dos livros mais vendidos de todos os tempos, sendo frequentemente citado e servindo de inspiração para diversos produtos culturais.

Um dos mais recentes foi lançado no Brasil neste ano: trata-se de uma releitura declaradamente feminista do clássico. Batizada de “Julia”, a obra autorizada pelo espólio de Orwell, acompanha a personagem título, amante de Winston Smith, sob a vigilância do Big Brother.

Assim como em 1984, a história se passa na cidade principal da Pista de Pouso Um, na Oceania. Os neologismos e as citações aos ministérios, aos Dois Minutos de Ódio e a guerra sem fim com a Eurásia (ou Lestásia?) também seguem, mas dessa vez, sob uma ótica diferente.

Em entrevista ao Portal A TARDE, a autora de Julia, Sandra Newman, contou que foi o próprio espólio de Orwell que a abordou para escrever o livro. Ela disse que teve total liberdade para fazer a sua versão. “Escrevi um primeiro capítulo e um esboço, que eles aprovaram, e depois anunciaram o projeto publicamente e me deixaram fazer o que quisesse. Tivemos muita sorte por eles terem ficado felizes com o resultado”.

Julia, por Sandra

Em 1984, o leitor pouco sabe sobre Julia. Em meio a uma passagem rápida e por vezes, reduzida ao sexo, a impressão é de que ela não é importante na jornada de Winston. A pouca profundidade é associada às acusações de que George Orwell era misógino e homofófico, as quais Sandra Newman, que é professora de redação e literatura em duas universidades nos EUA, concorda.

“É um fato que Orwell era homofóbico, e ele certamente teve momentos misóginos, mesmo que não seja particularmente incomum nesse aspecto para um homem do seu tempo. Não creio que isso seja o mais importante nele, mas também não é desinteressante lembrar que alguém pode ter uma mente brilhante e ainda assim ter pontos cegos importantes. Você não deve considerar qualquer pessoa como uma autoridade infalível cuja opinião sobre todos os assuntos é correta”, pondera a norte-americana.

Assim como em 1984, a história se passa na cidade principal da Pista de Pouso Um, na Oceania
Assim como em 1984, a história se passa na cidade principal da Pista de Pouso Um, na Oceania | Foto: Divulgação

Saindo da invisibilidade, uma Julia Worthing diferente é mostrada no enredo de Newman. Além de trazer outras perspectivas das atitudes de Winston, o romance imagina uma heroína perspicaz e oras engraçada, que tenta sobreviver a um mundo caótico.

“Julia é uma pessoa muito terrena e também, por necessidade, um pouco malandra. Aconteça o que acontecer, ela terá uma vida feliz, fará sexo com vários homens, rirá dos absurdos do mundo ao seu redor e estará um passo à frente das autoridades. Ela é profundamente apolítica, como nativa do mundo de 1984, ela nem consegue levar a política a sério o suficiente para ter medo do regime. No decorrer do romance, seu descuido faz com que ela se torne vítima do regime, mas ainda não é capaz de ser quebrada por ele”, descreve Sandra Newman, que se diz “mais do tipo Winston”: “dado a pensar demais nas coisas e a ficar preso ao fato de o governo não estar dizendo a verdade, como se isto fosse uma grande surpresa”.

Repercussão

Se em 1984, a liberdade de pensamento é algo inexistente, fora do livro, a recepção de Julia tem sido positiva. Para Newman, a boa repercussão reflete o respeito que ela teve com a obra original.

“Não houve tanta atitude defensiva em relação a Orwell quanto eu esperava, talvez porque seja óbvio no livro que sou um grande fã dele. Há lugares no livro em que discuto um pouco com ele, mas de uma forma amigável, não de forma raivosa ou desdenhosa. Então eu sinto que é um livro divertido para pessoas que amam Orwell – é realmente uma obra de fan fiction literária – e as pessoas que poderiam ter ficado irritadas geralmente acabaram ficando do meu lado”, analisa ela, que diz ainda não esperar repetir o sucesso comercial e histórico de 1984.

Ela, no entanto, diz que não pretende expandir o universo orwelliano ou de outro autor. Citando a atemporalidade de Julia e 1984, a escritora diz que é impossível ignorar certas correspondências entre regimes mundiais, incluindo acontecimentos no Brasil, e o que se vê nos livros.

“Cada vez mais áreas do mundo são governadas por ditadores ou aspirantes a ditadores, que se reconhecem e se reforçam, independentemente da sua suposta ideologia. É horrível que, depois da amarga experiência do século XX, estes números sejam novamente tão populares. Mas muitas pessoas ficam facilmente intoxicadas pela ideia de limpar o mundo através da violência, e seguirão um líder brutal e matarão e morrerão por ele, só porque ele lhes diz que é ‘forte’. Eles continuarão a fazer isso mesmo depois de saberem muito bem que estão mentindo. É por isso que Orwell achou necessário escrever 1984, como um aviso sobre onde isto leva. E certamente era algo que estava em minha mente todos os dias enquanto escrevia para Julia”.

E como não poderia ser diferente, apesar de definir a si mesma como uma “Winston”, é “Julia” que ela celebra para tentar mudar o mundo. “Nós, Winstons, escrevemos mais livros, mas as Julias do mundo fazem muito mais”.

Leia mais: Feiras literárias ganham incentivo e destaque em edital milionário

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Tags:

1984 Crítica Literária feminismo George Orwell Julia literatura

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