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"A Bahia de meu pai ainda está viva", diz Dori Caymmi

Dorival Caymmi completaria 110 anos nesta terça-feira, 30

Publicado terça-feira, 30 de abril de 2024 às 08:00 h | Autor: Bianca Carneiro
Bahia foi a musa inspiradora de Caymmi, sendo decisiva até para a sua escolha pela arte
Bahia foi a musa inspiradora de Caymmi, sendo decisiva até para a sua escolha pela arte -

Se a Bahia fosse um quadro, certamente, o pintor seria Dorival Caymmi. Multifacetado, o artista, que completaria 110 anos nesta terça-feira, 30, foi um dos grandes responsáveis por “inventar” o estado no imaginário popular. Do cancioneiro que enaltece o mar, ao perfil “manso” do baiano, a Bahia foi a musa inspiradora de Caymmi, sendo decisiva até para a sua escolha pela arte.

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"Eu, Dorival Caymmi, e meu canto nascemos nesta cidade da Bahia, da música de suas ruas e de seu mar, melodia livre da pessoa humana”, afirmou ele em 1984, ao receber o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

E falar da Bahia, isso ele podia fazer com propriedade. Nascido em 30 de abril de 1914, em Salvador, Caymmi desfrutou de liberdade e intimidade únicas para expressar uma conexão com sua terra natal. Originário da Capelinha de São Caetano, mudou-se ainda criança com sua família para o bairro da Saúde, e posteriormente, para a Ladeira do Carmo, antes de partir em direção ao Rio de Janeiro.

Ao retornar à Bahia no final dos anos 60, influenciado por Jorge Amado, fixou residência na Pedra da Sereia, no Rio Vermelho, e em Itapuã, antes de retornar ao Rio de Janeiro, onde permaneceu até 2008, ano de seu falecimento.

Ribeira, Itapuã, Olhos D'Água, Alagoinhas, Maracangalha. Sua música ecoou pelos quatro campos da Bahia. Mesmo após a sua partida, o universo do artista segue vivo, especialmente para a família. Do legado do pai, Dori Caymmi leva, além do nome, a inspiração para a sua própria arte. Recentemente, ele lançou “Prosa e Papo”, álbum que começou influenciado pela cabeça de Caymmi, segundo o artista.

“Este disco começou influenciado pela cabeça do meu pai, pelas coisas que ele dizia pra gente e que ficaram na minha cabeça. Então, eu liguei pro Paulinho [César] e disse que a gente precisava fazer uma música com a frase ‘entre por onde saiu e faça de conta que nunca me viu’: ele fez ‘Chato’. Outra que nasceu de uma expressão de papai - ‘carrapixo é mato, carrapato é bicho’ -, é ‘Prosa e Papo' ", pontua Dori.

O que é que Caymmi tem?

A primeira composição de Dorival Caymmi foi “O que que a baiana tem?”, canção responsável por imortalizar não só Carmen Miranda no célebre “Banana da Terra” (1939), como também, a própria Bahia. Em entrevista ao Caderno 2 de A TARDE em 1982, o compositor se gabou ao reconhecer a fama da música. “Só uma única música pode igualar-se a ‘O que é que a baiana tem’; ‘Aquarela do Brasil', de Ary Barroso”, disse na ocasião. “A Bahia é conhecida no mundo inteiro devido a força da música. "O que é que a baiana tem" promoveu mais a Bahia do que a diplomacia oficial”, completou.

Ao Portal A TARDE, Dori contou que o pai e Carmen eram amigos, e foi ele quem escolheu o icônico figurino da performance da cantora. “Papai conta a história que quando ele fez a música, que ela disse: ‘eu posso me vestir de baiana’, e ele falou: ‘não, mas escuta aí primeiro’. Ele disse que foi o costureiro da Carmen, sabe? Ele começou a falar do torso, da pulseira de ouro, da sandália, aquela coisa toda que tem na música. Eles foram muito amigos durante um tempo e ele ficou muito chocado quando ela faleceu”.

Para além da Bahia, Carmen ajudou a eternizar Caymmi na “gringa”. “Carmen divulgou a música do meu pai nos Estados Unidos e no mundo, tanto que quando eu fiz show nos Estados Unidos, onde eu morei com a minha mulher por 27 anos, às vezes apareciam pessoas que tinham o nome Caymmi e achavam que era ele”, diz Dori.

Mas afinal, o que é que Caymmi tem? Para o cantor e multi-instrumentista Adriano Grineberg é a capacidade de despertar a arte. Movido por essa inspiração, o também compositor navegou pelo mar de Dorival para lançar Eufótico, álbum composto por canções e sambas de temática praieira.

"Me impressiona a forma como Caymmi faz você olhar para dentro e dialogar com todas as suas partes como artista e ser humano. Ele é um alicerce não só da música brasileira mas também mundial por estar muito à frente de seu tempo e conectar infinitas linguagens em sua obra nas suas diversas fases", afirmou.

Bahia utópica?

Em 1976, Dorival Caymmi escreveu para o amigo Jorge Amado, na época em que o escritor morava na Inglaterra, para dar notícias do estado. "A Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu".

Mas e hoje? Como anda a Bahia de Caymmi? Para Dori, ela ainda existe, mas com ressalvas. “Apesar dos negacionistas que querem uma Bahia moderna, uma Bahia atual, mas, infelizmente, eu acho que o que mais cresce no Brasil e na Bahia, em todos os estados, é a pobreza. E além da pobreza, a pobreza de espírito. E eu acho que essa Bahia que Caymmi escreveu, as pessoas não pensam mais dessa maneira. A gente tem que engolir esse sapo porque papai, Jorge Amado, Carybé, esses homens que pintaram a Bahia para o mundo já não têm a mesma importância”, lamenta.

No entanto, Dori aposta que se estivesse vivo, o pai continuaria a amar a Bahia como a sua eterna musa inspiradora.

“Eu acho que o meu pai era um homem meio de paz, um homem tranquilo, que aceitava as coisas da maneira dele. Antes de falecer, ele foi a Salvador com a família toda. E ele já não enxergava e não ouvia bem, e Guto [Burgos, produtor musical] foi narrando para ele, sabe: ‘aqui é o Corredor da Vitória’, ‘aqui é a Igreja do Bonfim’ [...] A importância que as pessoas dão à mudança de geração, essa coisa toda, eu acho que eu dou mais importância do que ele. Eu acho que ele encararia numa boa essa juventude de hoje, as pessoas de repente olharem para ele sem saber quem ele é, eu acho que ele compreenderia muito bem. E ele estaria na terra dele da maneira que ele conheceu, então eu acho que nada importaria”.

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