LITERATURA
Ditadura em tom de humor: baiano lança romance sobre o golpe de 64
Fernando Vita transforma golpe militar em tragicomédia em seu novo romance

Por Júlio Cesar Borges*

Na década de 1960, um capitão do Exército Brasileiro, desembarca em Todavia, no Recôncavo Baiano, para criar o primeiro Tiro de Guerra da região. Seu nome cai na boca do povo e antes de impor sua autoridade, a cidade de pouco mais de 10 mil habitantes já sabe dos detalhes mais cômicos de sua vida.
É esse o enredo de 1964, O Golpe, o Capitão e o Pum do Maestro, romance satírico do jornalista e escritor baiano Fernando Vita, com lançamento pela editora Geração Editorial, marcado para esta quinta-feira, 11, às 18h, na livraria Escariz - Shopping Barra.
Embora situados no século passado, os assuntos tratados na ficção continuam presentes na atualidade. A obra convida o leitor a revisitar o golpe de 1964 em uma crítica política e bem humorada aos anos que antecedem a ditadura militar.
Há, também, uma alusão ao período que o Brasil viveu de 2018 a 2022. A razão para trabalhar esse tema, segundo o autor, encontra-se nas recordações de sua juventude.
“O grude na minha memória das lembranças do menino, do que ele viu, ouviu ou leu sobre o golpe militar que subtraiu dos brasileiros 21 anos de democracia, em troca de uma rude, parva, cruel e sanguinária ditadura”, esclarece Vita.
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A narrativa, escrita de forma satírica, não tem a ver com uma tentativa de suavizar os horrores de uma ditadura. Pelo contrário: a graça presente em 1964, o Golpe, o Capitão e o Pum do Maestro diz respeito, segundo o autor, à própria comicidade dos golpes militares que aconteceram na América Latina.
“Confesso que tratar isso de uma forma hilária não foi difícil. Se observar todos os golpes perpetrados contra o Estado abaixo da linha do equador, tem um lado hilariante, as cagadas achadas são em si muito farsescas. Costumo dizer que esses golpes são trágicos e são comédias. ‘Tragicomédias’, portanto”, explica o autor.

Fantasia do comunismo
Contada em 312 páginas, a história gira em torno de Ludovico César, oficial militar, que vê, em todo canto e em cada esquina da cidade, comunistas e inimigos da pátria.
Para Fernando, a figura do capitão, se confunde com a de milhares de brasileiros que ainda vivem, em seus respectivos imaginários, a fantasia de ter a nação tomada pelo partido comunista. “O pavor de comunistas que, em tese, comiam criancinhas - por via oral -, permanece. Por isso que meu personagem também tem essa obsessão”.
Todavia, município baiano imaginário criado pelo próprio autor, é o local que ambienta toda a trama. Prosaica, como define o próprio Vita, não representa uma cidade em específico.
“Todavia é toda e qualquer cidadezinha encastelada em seu próprio universo que existe no Recôncavo da Bahia e em qualquer parte do Brasil”, afirma. No mesmo universo, já foram sediadas outras histórias de Fernando Vita. Cinco de seis obras publicadas acontecem neste território fabuloso.
O autor, que também é jornalista, faz uso de um vocabulário rico em expressões satíricas para que o leitor sinta-se envolvido no que ele apelida de romance de entretenimento.
A linguagem, que lembra os escritos de João Ubaldo Ribeiro, tem a intenção de arrancar boas gargalhadas do público. Vita sente-se lisonjeado quando comparado ao célebre escritor.
Inclusive, o destino dos dois já se cruzara durante sua trajetória profissional: nos anos 1960, Fernando foi colega de trabalho de Ubaldo no antigo Jornal da Bahia, em seguida trabalhou como redator em uma agência de propaganda liderada pelo autor de Viva o povo brasileiro.
Formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Fernando atribui sua escrita e olhar atento à profissão que exerceu por mais de 40 anos. “Gosto de observar os fatos e em cima deles ficcionar as minhas histórias. Isso tem muito a ver com a literatura que faço”, conta.
Sua intenção, com a obra, é fazer com que as pessoas consigam refletir o presente, através de um olhar sensível e político do passado. “Eu acho que tudo que passamos e todos os golpes acontecidos desde a proclamação da República já são suficientes para que não haja mais espaço na nossa vida política para aqueles que tentam pôr abaixo a democracia”, conclui o autor.
Minibio
Fernando Vita nasceu em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, em 22 de dezembro de 1948. Lá, iniciou os estudos. Mudou-se em 1965 para Salvador, e em 1973 formou-se em jornalismo pela Ufba. Iniciou sua vida profissional no extinto Jornal da Bahia, onde foi repórter, editor e crítico musical.
Foi repórter da sucursal baiana do Correio da Manhã e freelance do Jornal do Brasil e das revistas Veja e Isto é/Senhor. Nos anos 1980, escreveu crônicas semanais para o jornal A TARDE e para o semanário Pasquim.
Em 2006, com o romance Tirem a doidinha da sala que vai começar a novela, Vita recebeu o Prêmio Braskem Cultura e Arte e teve o seu primeiro livro publicado pelo selo Casa de Palavras, da Fundação Casa de Jorge Amado.
Pela Geração Editorial, lançou, em 2011, Cartas Anônimas, uma hilariante história de intrigas, paixão e morte; em 2016, O Avião de Noé, uma ficção sobre inventores, impostores, escritores e outros malucos de modo geral; em 2019, República dos mentecaptos, romance sobre mandriões, cortesãs, espertalhões e certos valdevinos de modo geral, e em 2021, Desirée, a sexóloga que não sabia amar, uma história de rufiões, garanhões, putanheiros, sacanas e mentirosos que circulam por aí.
*Sob supervisão do editor Eugênio Afonso
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