FÉ E HISTÓRIA
O Santo Antônio africano que veio parar nas areias de Itapuã
Nesta sexta-feira, 13 de junho, é celebrado o dia de Santo Antônio, o mais popular santo do Brasil
Por Bianca Carneiro

1595, Itapuã, Salvador, Bahia. Uma imagem de Santo Antônio surge milagrosamente em cima de um monte de areia na praia - e sem nenhum sinal de pegada aparente. A história, claro, impressionou. Não apenas os moradores do local, como também, o próprio Garcia d'Ávila, um dos homens mais ricos do Brasil na época. E o assombro não para por aí: o ícone religioso teria desafiado quilômetros no mar, uma tempestade, a guerra e os seus captores - um grupo de protestantes franceses.
Muito antes de ser celebrado com simpatias e trezenas, Santo Antônio teria sido protagonista deste episódio sobrenatural na capital baiana. A história começa em Arguim, uma antiga ilha colonizada por portugueses na costa da atual Mauritânia, na África. Lá, um forte lusitano abrigava uma imagem do santo, trazida por colonizadores da Ilha da Madeira, quando uma esquadra francesa protestante, provavelmente calvinista, passou pela região em rota para conquistar a Bahia e saqueou o forte.
Na conquista do forte, teria sobrado até para o santo. Segundo o frei Lorrane Clementino, vigário da Igreja e Convento de São Francisco, em Salvador, conforme registros do período guardados no local, os franceses profanaram a imagem para afrontar a fé católica e desafiaram Santo Antônio a trazê-los para a Bahia:
Nessa passagem, eles acabaram saqueando o forte e mataram a tropa que cuidava de lá. Também pegaram a imagem para profanar. Batiam e insultavam a imagem para insultar o catolicismo. Isso era comum na época dos protestantes [...] Eles diziam: ‘Santo Antônio, se você é poderoso, leva a gente para a Bahia’, para saber se o santo de fato era poderoso
E no auge do furacão...
E no auge do furacão, cede o mar embravecido.
O desafio foi aceito, ao que tudo indica. Na travessia rumo ao Brasil, próximo ao Morro de São Paulo, uma tempestade forçou a tripulação a lançar peso ao mar, incluindo a imagem de Santo Antônio. As embarcações acabaram naufragando, e parte dos franceses foi capturada ao desembarcar em Sergipe. Trazidos a pé para Salvador, ao passarem por Itapuã, avistaram a imagem, a mesma que haviam jogado no mar, repousando sobre um monte de areia, sem qualquer pegada em volta.
Ou seja, como se canta no responsório, o mar embravecido cedeu ao santo, cuja imagem teria viajado por conta própria de Morro de São Paulo a Itapuã. "Quando eles (os franceses) chegam na região de Itapuã, encontram essa mesma imagem em cima de um monte de areia, e sem nenhum sinal de pegada. E aí, eles pegam essa imagem, olham e lembram que, de fato, era a mesma que haviam blasfemado", afirma o frei Lorrane.
Leia Também:
Santo Antônio foi o primeiro padroeiro de Salvador

Segundo os relatos históricos preservados no convento, a imagem foi reconhecida pelos próprios franceses, que se assustaram com o reencontro. Garcia d’Ávila, figura poderosa da época e devoto franciscano, levou a imagem para sua capela particular na Torre, na Praia do Forte. Posteriormente, ele a doou aos franciscanos, que a acolheram com solenidade no Convento de São Francisco, onde a devoção ao santo se espalhou com força.
A partir daquele “achado milagroso”, como descrevem os religiosos, a figura de Santo Antônio passou a ser associada à proteção da cidade. A devoção cresceu a ponto de o Senado da Câmara da época decretar o santo como o primeiro padroeiro de Salvador. Em reconhecimento por seus supostos feitos defensivos, inclusive na resistência a invasões, Santo Antônio foi condecorado com o título de capitão-mor da Marinha, com direito a salário (o chamado “soldo”), que era destinado ao convento até o início do século XX.
“Aqui no convento de São Francisco essa história se expande, com a aparição do próprio Santo Antônio, e aí a devoção ao santo se expande aqui em Salvador, começa a atrair devotos e tudo mais a partir desse milagre [...] Quando tiveram outras tentativas de invasão na cidade, as pessoas atribuíam os fracassos à proteção de Santo Antônio. Por isso que o Forte da Barra é atribuído a Santo Antônio por essa defesa, e também começaram a surgir outras igrejas dedicadas a ele”, conta o frei.
Para o religioso, Santo Antônio tem tudo a ver com a cidade de Salvador e o povo baiano, sobretudo, pelas suas lutas. “Não é à toa também que ele é venerado no sincretismo religioso e religião de matriz africana pela sua defesa”.
E onde está a imagem de Itapuã?
A história do Santo Antônio de Arguim, como ficou conhecida essa imagem de Itapuã, é repleta de simbolismos e sobrevive nos registros históricos dos franciscanos. Até hoje, o paradeiro exato da imagem permanece um mistério. De acordo com o frei Lorrane, durante reformas no convento e na igreja, ela pode ter sido realocada ou restaurada, mas não há certeza de qual das imagens atuais corresponde àquela que teria cruzado o oceano por obra divina.
Provavelmente ela deve estar aqui no convento, não sabemos exatamente, porque quando houve a reforma, algumas imagens foram realocadas e por ser uma imagem muito antiga, histórica, e também estava muito depredada por conta do acontecimento, não sabemos exatamente se essa imagem foi retirada para ser restaurada, se ela foi colocada em outro lugar, não sabemos onde de fato está essa imagem de Santo Antônio. Aqui tem muitas imagens antigas dele, então pode ser que seja uma dessas

Se milagres desejais…
O responsório de Santo Antônio também canta que quem precisa de um milagre precisa recorrer ao santo, e esse é um dos principais pilares para fiéis como Evanise Carvalho, que viveu uma intensa tradição familiar de trezenas em casa por mais de 15 anos. Segundo ela, Santo Antônio é um verdadeiro "advogado da família", a quem recorre em orações diárias e com quem mantém uma relação íntima de fé.
A comunicóloga relata diversas graças atribuídas ao santo: desde a realização de seu casamento, com festa completa mesmo em meio a dificuldades financeiras, até a conquista do carro dos sonhos e livramentos em momentos de aflição, como na hora do parto ou na perda repentina de emprego.
“Santo Antônio era um doutor, um mestre em oratória e um grande conciliador, alguém que sabia lidar com as palavras e entendia de gestão de pessoas e situações sociais, então, eu sempre me identifiquei e consultei com ele, inclusive, noivei no dia de Santo Antônio. Todos os dias eu rezo a ladainha ‘Santo Antônio Amado’ e ‘Santo Antônio rogai por nós que recorremos a vós"
“Um milagre que coloco muito na conta de Santo Antônio foi meu casamento. Quando descobri que estava grávida com três meses, eu literalmente, não tinha o dinheiro para fazer o casamento e acabou que foi um festão com tudo que eu tinha direito, inclusive, lua de mel. Ganhei vestido de casamento feito por estilista só para mim, ganhei flores de floriculturas, DJ, enfim, muita coisa. Meu casamento foi um milagre”, completou.

A devoção também transformou a vida de Aline Brito, que há 14 anos pediu com lágrimas uma casa própria. O pedido foi feito na véspera do dia 13 de junho e, para sua surpresa, no dia seguinte recebeu a proposta de compra justamente do imóvel que sempre sonhou, sem que ninguém soubesse de sua ligação afetiva com aquele lugar. Para ela, a intercessão de Santo Antônio foi clara e direta, e por isso faz questão de agradecer todos os anos nas celebrações da Igreja da Piedade, onde a trezena acontece com força renovada.
“Hoje eu moro com o meu filho, não estou mais casada, porém, estou feliz e agradecida por ter um lar muito confortável, que, com lágrimas nos olhos, há 14 anos atrás, eu pedi a Deus, pela intercessão de Santo Antônio e consegui”.

Nas histórias de Evanise e Aline, bem como na lenda do santo que chegou pelas águas de Itapuã, é possível ver como a fé em Santo Antônio transcende o campo simbólico e se materializa em acontecimentos que marcam a vida dos devotos. Ele é invocado como conciliador, provedor e guia, e segue sendo celebrado não apenas como o santo casamenteiro, mas como aquele que “vale” mesmo nos momentos mais difíceis.
Veja onde comemorar o dia de Santo Antônio em Salvador
Convento São Francisco
Programação conta com missas, procissão e o tradicional bolo com medalhas:
08h – Missa | Gesto solidário: Pão
10h – Missa Solene + Procissão | Gesto: Leite em pó
16h – Ofício de Santo Antônio
17h – Missa de encerramento | Gesto: Biscoito
Santuário Santa Dulce
Santo Antônio, santo querido de Irmã Dulce, ganhará homenagem especial. A programação do dia festivo contará com cinco missas – às 7h, 8h30, 10h, 12h e 16h - sendo esta última a Missa Solene, presidida pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de Salvador, Dom Marco Eugênio. Na agenda dedicada a Santo Antônio terá também o Momento Devocional (15h) e a Procissão Luminosa pelo Caminho da Fé (17h), trajeto que vai do Santuário Santa Dulce até a Igreja do Bonfim.
Ao longo do dia haverá também a quermesse (8h às 18h), no estacionamento do Santuário de Santa Dulce, com apresentação musical e barracas de comidas típicas juninas e artesanato, com toda a renda obtida com as vendas direcionada para a manutenção das ações sociais da igreja.
Santo Antônio Além do Carmo
Na paróquia do Santo Antônio Além do Carmo, primeira igreja consagrada ao santo em todo o Brasil, a festa começa cedo:
Paróquia Santo Antônio de Portão
Pelourinho
A realização do Tríduo de Santo Antônio integra a programação especial de pré-São João no Pelourinho, promovida pela SecultBA, que já começa a aquecer os festejos juninos. Nesta quinta-feira, 13, a programação será:
19h – Tríduo de Santo Antônio (CCPI)
19h – Santo Antônio é no Pelô (Largo Pedro Archanjo)
19h – Grupo Samba de Verdade, Forrozeiro Wellington Pacheco e convidados (Largo Pedro Archanjo)
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes