LEGALIZAÇÃO
Formalização de autônomos na Bahia alcança o maior patamar em 10 anos
Após a pandemia, no ano passado, foram registrados 292 mil CNPJ no estado
Por Mariana Bamberg
Que a pandemia da Covid-19 deixou muitas alterações nas empresas já não é novidade. Mas ela trouxe mudanças também para aqueles que, por necessidade ou sonho, trabalham por conta própria. Esses profissionais passaram a se preocupar mais com a formalização de seu trabalho. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que, no último ano, o número de autônomos que resolveram se formalizar com a abertura de um CNPJ teve um crescimento recorde na Bahia e atingiu o maior patamar dos últimos dez anos. Foram 292 mil autônomos com o registro, o que representa um avanço de 49% quando comparado a 2019.
Para a supervisora de disseminação de informações do IBGE, Mariana Viveiros, as dificuldades impostas a esses profissionais durante a pandemia certamente influenciaram nesse crescimento, já que, de acordo com ela, os autônomos estiveram entre os profissionais que mais sofreram impactos negativos neste período.
“Muitas tiveram seus trabalhos inviabilizados pela necessidade de isolamento social ou perderam renda de forma significativa. Isso pode ter contribuído para um aumento maior da formalização, que de alguma forma teve e tem sempre o potencial de minimizar os impactos negativos causados pela conjuntura negativa, inclusive por meio de direitos como seguro-desemprego, auxílio do INSS etc”, explica.
Apesar dos números recordes, o índice de formalização entre profissionais que trabalham por conta própria ainda é considerado baixo na Bahia: apenas 16,1% de 1,8 milhão de autônomos baianos têm registro no CNPJ. Esse cenário, segundo a supervisora do IBGE, tem a ver com uma “tradição de informalidade” no mercado de trabalho no estado.
“É uma característica estrutural que não é fácil de mudar. Isso está relacionado a uma série de fatores mais objetivos, como a oferta de trabalho formal insuficiente, o perfil das atividades que mais empregam, que são serviços e agropecuária, além de desafios significativos na área da educação, que já foram maiores num passado não tão recente, mas ainda se mostram mais importantes na Bahia do que em muitos estados inclusive no Norte-Nordeste”, avalia.
Ainda assim, esse crescimento, segundo Mariana, é motivo de comemoração, porque tem se sustentado durante os últimos anos. “O fato é que nenhum estado tem nem perto de metade dos trabalhadores por conta própria formalizados, o que revela que esse também é um desafio generalizado, nacional mesmo”, pondera.
Dona da Betha Decora (@bethadecora), uma empresa de decoração de festas, Roberta Gonçalves abriu seu CNPJ agora, no segundo semestre deste ano. Ela começou a trabalhar na área em março, após ser desligada durante a pandemia da empresa onde trabalhava como contadora. Desde então, Roberta atuava no segmento de eventos de maneira informal, sem CNPJ. O motivo que a levou a postergar essa decisão estava relacionado à confiança no negócio.
“Queria ter certeza que iria dar certo, que iria prosperar. Agora não tinha mais desculpa. Antes queria testar para depois formalizar. E acho que esse é motivo que faz muitos profissionais também deixarem para depois. Sei que temos uma carga tributária imensa no país, mas não acredito que tenha a ver com os tributos a serem pagos, porque eu, por exemplo, sou MEI e sei que é um valor que dá para manter”, conta.
Roberta tem razão quando fala dos tributos arcados por uma pessoa física. Um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Sebrae constatou que a alíquota efetiva média paga por uma empresa na Bahia é a segunda maior do país (8,1%), atrás apenas do Mato Grosso do Sul (8,62%). Mas a popularização do Microempreendedor individual (MEI) tem diminuído a barreira imposta aos profissionais por essa carga tributária e se consagrado, inclusive, com um dos fatores que contribuem para o crescimento de autônomos com CNPJ. Quem faz essa avaliação é Isabel Ribeiro, gerente adjunta da unidade de gestão do Sebrae e vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-BA).
Desburocratização
Para ela, a desburocratização que esse tipo de regime possibilita, tanto no cadastro quanto na emissão das notas e do documento de contribuição mensal, vem atraindo profissionais por conta própria que querem se formalizar. Hoje, os valores da guia de impostos mensal do MEI variam entre R$ 66 e R$ 164.
“Costumo dizer que imposto bom é imposto que todo mundo pode pagar. É o caso do MEI. Uma manicure, por exemplo, consegue em um dia tirar o valor que precisa arrecadar. Trouxe uma facilidade para todo mundo, daquele que trabalha com uma atividade mais intelectual àquele de uma atividade menos intelectual. Além de garantir previdência, licença maternidade, licença por acidente e aposentadoria se você contribuir por 15 anos”, explica.
Roberta considera a abertura do CNPJ uma virada de chave para seu negócio. Agora ela já pensa, por exemplo, em contratar um funcionário para ajudar nas demandas com as festas. “Sei que quando eu ainda não tinha não conseguiria fazer isso, agora com o MEI posso contratar até uma pessoa”, afirma.
A dona da Betha Decora não é a única que pensa assim. As mulheres estão mais preocupadas com a formalização. Uma a cada cinco (19,2%) autônomas na Bahia tem registro no CNPJ, frente a 14,5% dos homens. Julia Justino se prepara para fazer parte delas. Com uma loja de roupas femininas nas redes sociais (@bellajuconceito), ela já sente a necessidade dessa formalização. A empreendedora conta que precisou, por exemplo, postergar trabalhar com determinadas marcas porque elas exigiam um CNPJ para faturar a compra.
“Acho que o brasileiro trabalha muito na lei do menor esforço, enquanto estiver funcionando, vai continuar assim, mas isso por conta da correria do dia a dia mesmo. Você recebe mercadoria, divulga, atende clientes, então acaba fazendo tudo no automático mesmo”, afirma a empreendedora.
Julia reconhece que ainda tem pouco conhecimento sobre os impostos pagos e os benefícios que um CNPJ pode trazer. A especialista do Sebrae estima que pelo menos metade dos empreendedores baianos não têm o que ela chama de “educação tributária”, isso influencia diretamente no índice de formalização dos profissionais autônomos.
“Muitos empreendedores costumam, por exemplo, pegar cartão de crédito emprestado com amigos e familiares porque não sabem que, com uma conta de pessoa jurídica, podem pedir empréstimo no banco com juros menores do que no cartão de crédito”, cita.
De acordo com Isabel, a dificuldade de entender a importância de um CNPJ é ainda maior entre empreendedores que têm como clientes diretos pessoas físicas, já que dificilmente elas vão exigir a emissão de nota. Mas a especialista do Sebrae chama atenção também para a necessidade de se manter regularizado. “Não basta ter o CNPJ, é preciso declarar e arrecadar, porque corre o risco de ir para a dívida ativa da União”, alerta.
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