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EDUCAÇÃO PÚBLICA

Alunos e docentes se unem contra cobrança nas universidades

Instituições de ensino, deputados e militantes se posicionam sobre a PEC 206, ainda na CCJ

Por Lucas Franco

28/05/2022 - 16:29 h | Atualizada em 28/05/2022 , 16:46
PEC 206/2019 seria discutida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, mas o relator, Kim Kataguiri (União Brasil-SP), se ausentou
PEC 206/2019 seria discutida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, mas o relator, Kim Kataguiri (União Brasil-SP), se ausentou -

Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe a cobrança de mensalidade em universidades públicas do Brasil, do ano de 2019, passou a ser pautada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta semana. Assim que surgiu a notícia sobre a primeira etapa de tramitação da PEC 206/2019, instituições de ensino superior público, representantes de classe dos professores e dos estudantes, além de deputados e militantes, se posicionaram sobre o tema.

“Por meio da gratuidade é que conseguimos alcançar um maior acesso ao ensino superior. Ainda que digam que apenas estudantes de maior renda pagariam as mensalidades, como vamos ter certeza de que não perderíamos vagas? E ainda, a cobrança é uma abertura de precedentes ao caráter público das instituições de ensino federais”, disse a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Brelaz.

Também crítico do argumento de que as mensalidades seriam cobradas apenas para os alunos com maior poder aquisitivo, o pró-reitor de Ensino de Graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Penildon Silva, fez alusão entre educação e outras áreas que recebem recursos públicos pela sua manutenção, como saúde. “O Estado vai diminuir o recurso destinado a esses direitos sociais. Justamente com o argumento de que quem tem mais pode pagar mais, vai se desresponsabilizando o Estado. Enquanto isso, o Estado continua regiamente pagando juros da dívida pública, que são estratosféricos, e se desobrigando a garantir os direitos sociais básicos”.

Posicionamento favorável à PEC 206

De autoria do deputado federal General Peternelli (União Brasil-SP), a PEC 206 não foi debatida esta semana por conta da ausência do relator, o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP). A reportagem tentou falar com a representação do União Brasil na Bahia e com alguns dos correligionários de Kataguiri no estado, mas não obteve retorno.

Coordenador do MBL Bahia (Movimento Brasil Livre), grupo do qual o parlamentar paulista faz parte, David Pirajá enxerga que seja natural que as mobilizações contra a PEC 206 aconteçam, mas alega que o modelo atual deve ser repensado e dá como exemplo a escassez de recursos em universidades federais.

“Invertemos a pirâmide: ao invés do pobre pagar para o aluno de classe média alta, os alunos de classe média que adentrarem os critérios criados vão capitalizar a faculdade, gerando uma estrutura melhor aos estudantes mais pobres”. Pirajá alega que o MBL não tem tanta proximidade com o União Brasil da Bahia, mas disse confiar na capacidade de relatoria de Kataguiri.

Evitado por parlamentares baianos de partidos de centro, o assunto PEC 206 é consenso no Partido Novo, disse o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG). “É possível fazer isso por meio da cobrança de mensalidade dos estudantes de alta renda ou através de outros modelos, como uma cobrança posterior à formatura, proporcional à renda que o estudante obtém após sua formação. A PEC 206 nos oferece a possibilidade de debatermos o assunto e avançarmos em busca do melhor modelo para o Brasil”, argumentou.

Mitraud alega que a cobrança da mensalidade seria feita aos alunos com melhor poder aquisitivo e disse enxergar que as universidades públicas, por serem financiadas por impostos, onerariam proporcionalmente os mais pobres.

Sem representação baiana na Câmara dos Deputados, o Novo, segundo o presidente nacional do partido, Eduardo Ribeiro, defende o que ele chamou de planejamento sustentável para o financiamento das universidades para além dos recursos públicos. “Como por exemplo, a cobrança de mensalidade apenas daqueles que podem pagar, doações, fundos patrimoniais e parcerias com a iniciativa privada. O Estado brasileiro ainda deixa de investir na educação de quem mais precisa para custear o ensino de quem pode pagar pelo próprio estudo”, argumentou.

Oposição baiana na Câmara

Contrários à cobrança de mensalidade em universidades públicas, deputados federais baianos, alguns deles titulares ou suplentes em comissões pelas quais o tema passa ou pode vir a passar, acreditam que as mobilizações foram responsáveis por fazer Kataguiri se ausentar da CCJ, o que interrompeu a discussão da pauta.

“Essa é uma ameaça que sempre aparece no Brasil de tempos em tempos. É um discurso fácil de que há pessoas que estão na universidade pública e que têm recursos, e que por isso poderiam pagar. Mas ela faz uma cortina de fumaça, pois hoje as universidades públicas todas mantêm uma política de cotas que é extremamente inclusiva, e que você passará, portanto, por uma seleção”, opina a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), suplente na CCJ.

Também suplente, Zé Neto (PT-BA) diz enxergar correlação entre a possibilidade de cobrança de mensalidade em universidades públicas com o que ele chamou de processo de diminuição do Estado brasileiro. “Como fazem na economia, com a Petrobras, com os Correios, como fazem no dia-a-dia essa política absurda de diminuição da nossa soberania”, alegou. O parlamentar petista defendeu a política de cotas e chamou os que se posicionam contra de ultraconservadores. “Vamos ter que estar lutando mais, porque eles não vão parar por aí”, concluiu Zé Neto.

Já a titular da Comissão de Educação, Alice Portugal (PCdoB-BA), disse ter ficado surpresa ao saber, através do Diário Legislativo, que a PEC 206 seria pautada na CCJ. “Porque uma matéria tão extemporânea, ultrapassada, sem qualquer fundamento da realidade, se esperava que dormitasse nas gavetas”, diz. A paarlamentar enxerga que o tema foi pautado por interesse do Governo Federal, mas que a movimentação contrária não demorou para acontecer. “Como membro da Comissão de Educação, imediatamente ingressei com um pedido de audiência pública para ouvir toda a comunidade universitária, os senhores reitores, o próprio MEC [Ministério da Educação] sobre o assunto”.

Mobilizações contra a pauta

Representantes de instituições de educação pública, dos estudantes e da área de Educação como um todo, embora tenham em comum o rechaço à PEC 206, dividem opiniões quando o assunto é a efetividade das mobilizações até o momento. Militantes do Movimento por uma Universidade Popular (MUP) que também integram a UNE enxergam que a pressão contra a proposta na CCJ da Câmara deveria ser maior.

“Muitas entidades estão só se manifestando nas redes [sociais] e isso não é o suficiente. Precisamos, assim como em 2019, mostrar a força do movimento estudantil nas ruas. A série de atos que fizemos em 2019 fez o governo recuar no Future-se e em outros ataques que iriam promover”, opinou a secretária-geral da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Raquel Luxemburgo. “O sucateamento das universidades faz parte de um projeto de desmonte da educação para justificar sua privatização e uma maior inserção do setor privado dentro das universidades públicas”, concluiu Raquel.

A UNE, segundo a diretora executiva de Relações Internacionais da entidade, Victoria Pinheiro, tem datas marcadas para mobilizações contra a PEC 206 e alega que o esforço inicial da militância fez a proposta sair da pauta da CCJ e não ser apreciada.

“Ela [a PEC 206] é um aceno aos tubarões da educação e a projetos de caráter privatista como o Future-se, proposta de política educacional formulada no governo Bolsonaro ainda na gestão do ex-ministro da educação Abraham Weintraub, que se encontra parada na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, podendo ser colocado em pauta a qualquer momento”, comentou Victoria Pinheiro, que enxerga a falta de recursos nas universidades públicas como consequência da emenda constitucional n⁰ 95, mais conhecida como teto de gastos.

“Se queremos melhorar as condições das universidades no país, precisamos assegurar mais investimentos em educação, pesquisa e assistência estudantil para que esses jovens possam permanecer em seus cursos até o final”, argumentou.

Até o momento, na opinião do reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), João Carlos Salles, as mobilizações têm surtido efeito, embora a insistência da defesa da gratuidade no ensino superior público deva continuar através de esforços institucionais. “Não tenho dúvida de que eles [os que defendem a PEC 206] não desistirão, e a própria proposta pode assumir novas formas também preocupantes, todas elas com o mesmo vício que é de retirar o compromisso do estado com o financiamento público da educação superior”.

A Constituição de 1988 prevê, no artigo 206, a “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”. Os defensores da PEC que foi pautada na CCJ pretendem implementar uma emenda com a ressalva de que “as instituições públicas de ensino superior devem cobrar mensalidades, cujos recursos devem ser geridos para o próprio custeio, garantindo-se a gratuidade àqueles que não tiverem recursos suficientes, mediante comissão de avaliação da própria instituição e respeitados os valores mínimo e máximo definidos pelo órgão ministerial do Poder Executivo”, que seria o parágrafo 3º do artigo 207.

Coordenadora estadual do Fórum Estadual de Educação da Bahia, Alessandra Assis acredita que o momento seja de atenção e vigilância. “A situação é grave, porque eles agem em flagrante desrespeito à Constituição Federal, com total descompromisso com os interesses da maioria da população, causando prejuízos incalculáveis para a soberania, cidadania e para a dignidade dos brasileiros e brasileiras de hoje e das próximas gerações”.

Se a PEC 206 for aprovada pela CCJ, uma comissão especial será criada para debater o mérito da proposta e fazer eventuais alterações no texto. Os passos seguintes seriam a votação no plenário da Câmara dos Deputados em dois turnos, votação no Senado e promulgação em forma de emenda constitucional em sessão do Congresso Nacional. Se o texto for modificado substancialmente no Senado, deverá voltar para a Câmara para em seguida, retornar ao Senado.

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