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ENTREVISTAS

‘Chacina não reduz crime; um mês depois nada mudou no Rio’, diz Freixo

Confira entrevista com Marcelo Freixo, presidente da Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo)

Divo Araújo

Por Divo Araújo

01/12/2025 - 5:01 h

Para o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, nada justifica transformar segurança pública em estratégia para ampliar popularidade. “Segurança pública é coisa séria. Não pode ser o que vou fazer aqui para melhorar a minha imagem”, diz ele, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE, ao refletir sobre a operação policial no Rio que deixou 121 mortos.

Durante a conversa, Freixo disse acreditar também que o Brasil vive um ponto de virada histórico. Segundo ele, a prisão de Jair Bolsonaro e de generais de quatro estrelas por tentativa de golpe revela a maturidade das instituições no país. “É fato que a democracia brasileira hoje é muito mais forte do que foi em qualquer época.”

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Ao mesmo tempo, ele comemora o melhor ano do turismo internacional no Brasil, que deve fechar 2025 com 9 milhões de visitantes. Freixo associa o avanço à reconstrução da imagem do país no exterior e a um planejamento mais técnico da Embratur: “Hoje sabemos o que cada mercado busca no Brasil.”

Confira a entrevista completa

O Brasil acaba de atingir a marca histórica de mais de 8 milhões de turistas estrangeiros nos primeiros 11 meses de 2025. Quais fatores, tanto no cenário internacional quanto aqui no país, contribuíram para alcançar esse resultado?

Essa é a melhor marca de todos os tempos. O Brasil começou a marcar a entrada de turistas internacionais em 1974, e nunca tinha chegado a 7 milhões de turistas. A gente chegou a 7 milhões em setembro, 8 milhões agora no final de novembro, e as nossas contas apontam que chegaremos a 9 milhões até o final do ano.

É de fato um recorde histórico, gerando muito emprego, muita renda. Essa é a parte mais importante do turismo, que impacta a vida das pessoas. São muitos os fatores. O primeiro deles, eu acho que é um presidente da República que de fato se preocupa com a imagem do Brasil. O presidente Lula pegou o primeiro ano do seu governo e visitou o mundo. E chamou o mundo para conhecer o Brasil, dizendo que o Brasil estava de volta.

A frase “o Brasil voltou” foi muito usada em 2023, e restabeleceu relações diplomáticas muito importantes que tiveram efeito direto no turismo.

Vou te dar um exemplo, que a Bahia vai me entender perfeitamente, que é o (Emmanuel) Macron, presidente da França. Aquele beijo que o Macron ganhou no Pelourinho é consequência de uma política de aproximação fundamental com o país que é o maior emissor de turistas da Europa para o Brasil, que é a França.

A França é o país que mais cresceu em número de turistas, teve 199% de crescimento, e é o quarto maior emissor de turistas da Europa para o Brasil. Desde o (Nicolas) Sarkozy, que é um presidente francês não visitava o Brasil. Quando você restabelece uma relação diplomática, faz a Torre Eiffel ficar verde e amarela, cria um ano Brasil-França, o francês volta para o Brasil. E isso gera emprego e gera.

O turismo não está solto da política internacional, faz parte da política internacional. É a mesma coisa em relação ao mundo todo. O primeiro fator é um presidente da república que reconstruiu a imagem do Brasil no mundo.

O segundo, acho que a gente fez um dever de casa na Embratur. A gente criou uma equipe técnica e um centro de inteligência de dados. Isso foi muito importante. Hoje, nós sabemos o que cada mercado pensa, o que ele quer, como a gente promove. A gente fez um plano de marketing internacional, que é o que a gente vem lançar aqui na Bahia - o Plano Brasis. Eu sei quando que o francês vem para cá, onde que o francês vem, o que ele gosta. Tenho todas essas informações em forma de política pública e eu trabalho com cada município.

Isso é fundamental para tomada de decisão?

Sim, eu sei onde eu posso buscar um voo novo, porque vai ter mercado, o voo vai se sustentar. Eu investi no Chile. O Chile hoje é o segundo país que mais manda turista para cá e não era nem o quinto. A partir da inteligência de dados que me indicou o Chile como mercado potente, eu fui às companhias aéreas do Chile. A gente está trazendo a Copa Airline para voar para Salvador a partir de janeiro.

O mercado norte-americano passa a ser um mercado que vai chegar aqui. Hoje não é, mas vai ser. No ano que vem você pode ter um voo direto dos Estados Unidos. Isso é a inteligência de dados me fornece. Acho que a profissionalização da Embratur, a qualidade na promoção, a postura do Brasil em relação à política internacional. Tudo isso fez o Brasil voltar a ser respeitado e foi decisivo.

Entrevista com Marcelo Freixo, presidente da Embratur, durante visita ao Jornal A TARDE
Entrevista com Marcelo Freixo, presidente da Embratur, durante visita ao Jornal A TARDE | Foto: Shirley Stolze / Ag. A TARDE

A Bahia cresceu até um pouco acima da média nacional — enquanto o Brasil avançou 43%, a Bahia chegou a 56%, puxando a média do Nordeste e se consolidando como o principal destino da região. Falando especificamente da Bahia, o que podemos imaginar que tenha impulsionado esse resultado além dos fatores gerais que o senhor já citou?

Eu acho que a Bahia tem um potencial evidente. A Bahia tem a diversidade brasileira. A Bahia tem sol e praia e tem o tripé que chamo de tripé da diversidade brasileira. O diferencial brasileiro é a gastronomia, cultura e natureza. Esse tripé é muito decisivo e a Bahia soube trabalhar ele.

O Brasil hoje é o principal destino de ecoturismo do mundo. E a Bahia tem um ecoturismo muito forte para além de Salvador. Você tem o sol e praia extraordinário, que também não é só em Salvador. Você tem uma gastronomia que é uma das mais fortes do mundo. Esse Brasil com “s” do saber e do sabor e você tem uma cultura muito expressiva.

A Bahia consegue ter esse tripé para além do sol e praia muito presente nos seus materiais. A Bahia investiu na malha aérea. Eu acho que o crescimento da malha aérea para a Bahia foi muito decisivo para esse crescimento do turismo internacional. O desafio agora é trabalhar a sazonalidade.

A Bahia ainda é uma no Verão e outra fora da alta estação. Eu sei da preocupação do (secretário de Turismo) Maurício Bacelar com isso. É um grande parceiro, muito competente. E a gente tem que trabalhar exatamente a possibilidade desse tripé, porque cultura, natureza e gastronomia não dependem do Verão. Esse tripé tem que ser permanente para que a gente possa enfrentar a sazonalidade.

Dentro disso, você está aqui em Salvador para lançar o plano de marketing turístico internacional da Embratur, o Plano Brasis. O que esse plano prevê e de que forma ele pode ampliar ainda mais a chegada de turistas estrangeiros?

A ideia do Plano Brasis é que o Brasil é um país único, mas não é um só. O Brasil não tinha um plano de marketing há 20 anos, o último foi o plano Aquarela em 2004. Agora a gente lança esse plano Brasis adaptado a cada unidade da federação. Ele tem uma ideia geral do Brasil.

A gente tem o Brasil todo falando de turismo. Isso já é uma grande conquista da gente. O Brasil percebe o turismo hoje, até porque o número de turistas internacionais é visível nas ruas, atinge a economia. Esse número de turistas internacionais vai gerar no Brasil 8 bilhões de dólares.

Qual é a atividade econômica que gerou 8 bilhões de dólares de forma sustentável gerando emprego e renda? Não foi a mineração, não foi o petróleo, não foi o agro. Foi o turismo.

O turismo é bem democrático nesse sentido...

É isso. Ele impacta o motorista do Uber, o motorista do táxi, o guia, a cozinheira, a baiana. Qual é a atividade econômica brasileira que gerou 8 bilhões de dólares sustentável gerando emprego e renda e com inclusão? Eu olho para o turismo e entendo que ele é uma grande solução para o século XXI e o Brasil tem essa potência. Ou continuo apostando em coisas que deveriam ter ficado mais no século XX do que no XXI.

Enfim, através do Plano Brasis, a gente está entregando a cada unidade da federação uma ação específica. Porque eu não posso achar que o Acre tem que fazer a mesma coisa que Minas, que não tem a Amazônia, que é diferente da Bahia. Eu tenho um plano de marketing internacional para cada uma das unidades e a gente está circulando em todos os estados. Eu já circulei metade desse país. Nós fomos a 15 unidades da federação. São 27, então eu passei um pouquinho da metade. E a gente está entregando hoje o da Bahia. Qual é a ferramenta, qual é o mercado, o que tem que fazer, qual é a linguagem e a gente com isso cria uma política pública para o turismo.

Entrevista com Marcelo Freixo, presidente da Embratur, durante visita ao Jornal A TARDE
Entrevista com Marcelo Freixo, presidente da Embratur, durante visita ao Jornal A TARDE | Foto: Shirley Stolze / Ag. A TARDE

Você falou das características de cada estado, e a Bahia tem no afroturismo um grande potencial para atrair visitantes. O plano para a Bahia leva isso em consideração?

Isso é decisivo. Vou dar um exemplo. A gente tem o voo da Copa Airline, que eu já falei aqui, que vai inaugurar em janeiro. O mercado norte-americano não está entre os cinco principais emissores de turistas para a Bahia hoje. Com o voo direto, você terá um mercado norte-americano disponível para vir para cá. Mas esse mercado norte-americano vem para cá se eu tiver um plano de marketing que entenda o que ele pode buscar aqui.

Porque o que faz o chileno, o argentino, o norte-americano, o francês não é a mesma coisa. O que faz essas pessoas viajarem não é a mesma coisa. Há um mercado de afroturismo muito forte nos Estados Unidos, muito intenso. Eles viajam muito para a África por conta do produto afroturístico. Eu preciso fazer com que esse mercado norte-americano saiba que existe o afroturismo tão potente quanto tem em Salvador e na Bahia.

Eu tenho que ter um plano de marketing de afroturismo no mercado norte-americano a partir da Copa Airlines. E aí eu tenho o aeroporto como parceiro, eu tenho a Copa Airlines como parceiro, eu tenho a rede hoteleira.

Um ponto que sempre acabou prejudicando muito a vinda de turistas estrangeiros é a sensação de insegurança que o Brasil transmite. Como é que está hoje essa imagem do país? De que forma vocês têm trabalhado essa questão?

A gente trabalha muito isso porque esse é um desafio mundial. A gente teve a Olimpíada na França e toda a preocupação era com a segurança durante o evento. Os “pickpockets” (batedores de carteira) do metrô em vários lugares da Europa é uma preocupação permanente da relação com o turismo e com segurança. Não é só a gente.

Agora, eu prefiro pensar o quanto o turismo pode ser uma grande ferramenta para melhorar a segurança e não o contrário. Porque eu posso olhar para o turismo e pensar: o turismo sofre com a segurança. O mundo inteiro tem esse desafio. Mas eu posso ter outro olhar e posso pensar assim: será que o turismo me ajuda a superar os problemas da segurança? Se eu torno esse lugar mais turístico, tenho mais emprego e movimento, eu gero inclusão e mais segurança. É cada um retroalimentando o outro.

É, eu vou dar um exemplo. Qual o nome daquela comunidade que tem aqui em Salvador, na Baía de Todos-os-Santos, a Gamboa. Eu fui lá. Aquela comunidade vive, fundamentalmente, do sol, da praia e do turismo. O turismo fez com que ela tivesse renda, tivesse circulação de gente. Hoje a Gamboa é notícia por causa da violência ou pelo turismo? Hoje, a Gamboa é notícia por causa do turismo.

Acredito que o turismo pode disputar essa agenda em qualquer lugar. Vale para o Rio de Janeiro. Eu acabei de lançar o “turistômetro”, que é o número de turistas que entra a cada instante na praia de Copacabana. No evento que eu fiz, tinham vários guias de turismo das favelas do Rio de Janeiro. O que eles estão dizendo é o seguinte: olha, a gente muda a realidade da favela. Entrar e matar não muda. Entrar para conhecer a cultura, para comer no restaurante, para comprar um artesanato, disputar o jovem da favela, gerar emprego e renda, muda aquela realidade. Oferece uma opção. E eu disputo uma realidade.

O turismo deve ser colocado num debate como solução para violência. Só o turismo soluciona a violência? Não. Tem que enfrentar o crime organizado, tem que fazer todo o dever de casa. Agora, o turismo é uma ferramenta que auxilia os lugares a ficarem mais seguros.

Tem outro programa da Embratur, o Novas Rotas, cujo como objetivo é valorizar destinos além dos tradicionais cartões-postais. Quais são as características dos destinos que integram esse programa?

A ideia do Novas Rotas é essa: pensar um turismo que não é natural para o turista internacional chegar porque ele não é um cartão-postal. Estou indo, por exemplo, para o Recôncavo baiano, com uma equipe técnica da Embratur. Vamos nos reunir com equipes técnicas de vários gestores baianos.

Vamos nos reunir também com a sociedade civil e com a iniciativa privada do turismo. A equipe técnica da Embratur vai fazer uma capacitação em três áreas: sustentabilidade, inteligência de dados e inovação. Como os gestores municipais, sejam privados ou públicos, podem pensar como esses três setores podem trazer o turista internacional para aqui.

Esse é o trabalho de capacitação que nós fazemos nessas três áreas. E nós vamos para lugares não postais, mas que tem potencial turístico. Imagina: o Recôncavo baiano tem um potencial turístico gigantesco. Você conhece a Rota da Liberdade dos Quilombos, tem uma gastronomia fantástica.

Sobre política, queria começar pelo mais factual, que foi a decisão do ministro Alexandre de Moraes determinando que o ex-presidente Jair Bolsonaro cumpra a pena definitiva, a princípio, na Superintendência da Polícia Federal. Boa parte dos apoiadiores de Bolsonaro apostava que houvesse uma comoção, e isso não aconteceu. Esse desfecho era esperado?

Eu sou professor de história. Essa é a minha formação. A República brasileira é marcada por muitas tentativas de golpe. A própria Proclamação da República inclusive. Nós temos golpes bem-sucedidos, golpes mal-sucedidos, mas é a primeira vez na história do Brasil que uma tentativa de golpe gera punição. Eu não celebro essa decisão por vingança política, por ser adversário político. Eu não comemoro a prisão de ninguém. Não é isso.

Mas é fato que a democracia brasileira hoje é muito mais forte do que foi em qualquer época.Se você pegar quantos presidentes da República foram eleitos por voto direto, secreto, e que concluíram o seu mandato, são muito poucos. Você tem (Eurico Gaspar) Dutra, que é o primeiro. Você tem, em 1946, Juscelino Kubitschek. Aí depois você pula para Fernando Henrique Cardoso. Esses foram presidentes eleitos por voto direto, secreto, e que concluíram o mandato. É muito pouco. A democracia foi muito fragilizada por essas tentativas de golpe, por esses golpes.

Quando você enxerga no momento que um presidente da República e generais quatro estrelas são presos porque tentaram romper com a democracia, é porque a democracia se colocou mais forte que eles. É uma democracia que se consolidou e isso tem que ser celebrado. Não a prisão em si, mas o significado histórico dela.

De fato, o Brasil hoje tem uma democracia que nunca teve e é a democracia mais forte da América hoje. E provou isso. Isso é muito relevante. Não pela prisão de A, B ou C, não porque ele representa uma coisa ou outra, é pelo que representa para o país, para as instituições.

Com essa decisão, o PL, partido do ex-presidente, voltou a concentrar forças no projeto de anistia. Acredita que há clima para essa proposta prosperar no Congresso?

Não há nenhuma possibilidade. Isso é uma coisa, acho, muito mais reativa do que estratégica da parte deles. Os aliados de Bolsonaro não têm como dizer outra coisa nesse momento. Mas tenho minhas dúvidas se é o que, de fato, pensam boa parte dos que estão ali dizendo isso. Porque essa pauta da anistia não vai funcionar. Não existe a possibilidade de você fragilizar a democracia pelo Legislativo. E, cá entre nós, não tem amparo sequer popular sobre isso.

Estamos vendo agora o Senado, com a indicação do AGU Jorge Messias para o STF, pressionar o governo Lula — ontem mesmo aprovou uma pauta-bomba, a da aposentadoria especial dos agentes de saúde. Como é que você avalia o clima atual entre o governo e o Congresso?

Eu fui deputado federal, líder da oposição no governo passado. A relação entre Congresso e Executivo é necessariamente uma relação de tensões, de conversas, porque política é isso. E às vezes isso é sinal de democracia também. Quando existe um alinhamento completo do Legislativo com o Executivo, você tem até uma democracia mais fragilizada. Porque você tem a tendência de um enfraquecimento do Legislativo, de não cumprir o seu papel.

Eu acho que o presidente Lula é extremamente habilidoso. É um político de muita capacidade, de muita habilidade. Ele conseguiu fazer com que o governo, mesmo tendo um número de deputados minoritários, conseguisse muita coisa. As reformas, as aprovações dos projetos. O que esse governo conquistou de aprovações sem ter maioria é inédito.

Aprovou a Reforma tributária, por exemplo. Como é que você tem 120 deputados e aprova uma Reforma Tributária? E tantas outras medidas como aprovou? Há momentos de maior tensão, como acho que a gente está vivendo hoje. E há momentos de menos.

O orçamento secreto não acabou empoderando demais o Congresso?

Acho que essa é uma questão específica. Essa é uma questão delicada. A gente está falando aqui de fortalecimento da democracia. Se tem algo que fragilizou a democracia nos últimos tempos – é o que vem de (Michel) Temer para cá, do golpe para cá. Você imagina que um deputado hoje pode funcionar como um prefeito de várias cidades, porque é mais ou menos isso que se transformou. Dependendo do valor dessa verba, o deputado hoje é prefeito de 10, 15, 20 cidades ao mesmo tempo. Porque o que ele tem de verba é o somatório do orçamento de não sei quantas cidades.

O cara não tem nenhuma responsabilidade administrativa. Mas ele inaugura todos os investimentos, todas as obras feitas. Isso é um desvirtuamento completo do papel do Parlamento. Como se conserta isso? É muito difícil porque seria o próprio Parlamento que teria que consertar e teria que abrir mão de algo que se consolidou no momento de fragilidade democrática. Olha, como o fortalecimento da democracia é importante.

No momento do golpe, no momento de fragilidade democrática, o que o Congresso faz? Se dá um presente que é completamente inconstitucional, que é uma loucura, que é o valor dessas emendas parlamentares. E viram donos de uma parte do orçamento, quando na verdade deveriam ser fiscais do orçamento. Desvirtua e dá um caráter executivo ao Legislativo. Isso cria uma tensão que a gente está vivendo o auge dessa tensão hoje. Antigamente as composições eram feitas a partir de ministérios. Você compõe aqui a equipe de governo. Hoje as composições passam pelos interesses de liberação de verba, de emenda.

Falando de outra questão muito atual, que é a aprovação do projeto Antifacção: sei que o senhor avalia que o texto enfraquece os órgãos federais responsáveis pelo combate ao crime organizado. O que motivou, na sua avaliação, as mudanças feitas pelo relator, o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP)?

Primeiro, que o governo apresenta um projeto de combate ao crime organizado. O governo apresentou, através do Ministério da Justiça, o projeto Antifacção, que é um projeto de combate ao crime organizado. E como bem manda a democracia, esse projeto vai para o Congresso Nacional para ser melhorado, em tese. O que a extrema direita faz? Chamou o Derrite, que foi deputado comigo, que eu conheço, que sai da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, assume como deputado e em 24 horas apresenta um projeto sobre um tema desses, desvirtuando completamente o enfrentamento às facções.

Enfrentar o crime organizado é uma coisa muito séria. O crime organizado não está nos lugares mais pobres. O crime organizado disputa poder e riqueza em qualquer lugar do mundo. Eu enfrentei o crime organizado e paguei um peso muito alto na minha vida. Eu fui o presidente da CPI das Milícias. E a gente levou à prisão todos os líderes de milícia na época.

A gente fez aquela CPI das Milícias, em 2008, no Rio de Janeiro, com a Polícia Federal, com a Polícia Civil, com a Polícia Militar, com a Inteligência. A gente chamou todo mundo para trabalhar junto. Esse deveria ter sido o espírito do Derrite, na hora de pensar um projeto de combate ao crime organizado. Deveria se chamar todo mundo e falar assim: existe direita, existe esquerda, mas existe uma coisa maior, que é o Brasil, que é a vida das pessoas, e vamos enfrentar o crime organizado.

O governo deu esse pontapé inicial. E perguntou: como é que pode melhorar? Esse seria um gesto republicano importante no combate ao crime organizado. Não vamos colocar coisas menores acima do que a maior. Mas não foi isso o que aconteceu? Aí pega um projeto, enfraquece, tenta fazer disso uma guerra contra o governo, para pautar a segurança pública e enfraquecer a Polícia Federal. Quer dizer, desvirtuou completamente. Apresentou um projeto tão ruim que nem a direita conseguiu votar.

Isso só foi motivado pela tentativa de enfraquecer o governo?

É uma tentativa exclusivamente eleitoral. Ele jogou uma questão eleitoral sobre o tema da segurança. E não deveria fazer isso jamais, para tentar enfraquecer um instrumento desse tipo. Não há nenhuma possibilidade de a gente enfrentar o crime organizado hoje, no Brasil, se não for com o fortalecimento da Polícia Federal. Se não for com a ampliação da capacidade da Polícia Federal. Por razões óbvias. O crime não é de um Estado. O crime organizado é transnacional.

É óbvio que você tem que fortalecer a Polícia Federal para ela trabalhar junto com as polícias estaduais. O que eles fizeram? Fizeram o caminho contrário. Você imagina criar, na versão original do projeto do relator, a ideia de que a Polícia Federal tem que pedir autorização para os governos estaduais para agir? Quando, na verdade, diversos governos estão envolvidos em um crime organizado e a gente está vendo as notícias aí.

Enfim, foi um retrocesso o que apresentaram. Lamentavelmente, porque eu acho que alguns temas, a gente deveria ter a grandeza de superar as diferenças políticas. Quando a gente presidiu a CPI das Milícias, nós tivemos essa grandeza. Nós chamamos todo mundo que interessava a bandeira política para trabalhar de enfrentar o crime organizado, que é só no Rio de Janeiro. Eles não tiveram essa grandeza agora.

Estamos falando de combate ao crime organizado, e vimos recentemente aquela megaoperação no Rio de Janeiro, que terminou com 121 mortos. Qual é a sua avaliação sobre o episódio, especialmente considerando que a operação acabou recebendo apoio popular?

Se eu te convidar agora para a gente pegar um avião e ir lá no Rio de Janeiro e for no mesmo lugar onde houve a chacina, eu devolveria a pergunta assim: o que mudou em um mês? A facção daquele lugar ficou menor? Aquele lugar não está mais dominado pelo tráfico? Tem menos armas naquele lugar? O que mudou diante daquela operação? O Rio se tornou menos violento, diminuiu o número de crimes? Nenhuma mudança.

Uma coisa é você despertar nas pessoas que estão cansadas, exaustas, que estão com medo, a ideia de que é isso mesmo. A outra é você discutir eficiência e segurança pública com seriedade.

Segurança pública é coisa séria. Segurança pública não pode ser o que eu vou fazer aqui para melhorar a minha imagem. Segurança pública é cuidar da vida das pessoas e enfrentar o crime organizado de verdade. Você subir o morro, matar as pessoas e tentar criar uma ideia de que o crime organizado está ali naquele lugar só, não é verdade.

Não podemos ser irresponsáveis com a segurança pública. Isso é uma coisa muito grave, muito séria. Você tem que unir esforços, você tem que unir ações. Não mudou absolutamente nada. Você tem menos jovens no crime? Você tem um território que está diferente? Ocupar território é fundamental. Ter ação de inteligência, saber quem comanda o crime, quem ganha dinheiro com o crime, as relações de poder.

A Operação Carbono Oculto é um indicador disso. Aqui na Bahia houve uma operação importante que prendeu líderes do tráfico com inteligência. Isso é muito mais eficiente do que jogada eleitoral para criar impacto. Claro que cria impacto matar 120 pessoas, mas resolve o quê? O que mudou de forma concreta na vida de qualquer pessoa? Absolutamente nada.

Raio-X

Marcelo Freixo é presidente da Embratur, professor de História e nasceu em uma comunidade pobre em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Filho mais velho de uma família simples, teve os pais trabalhando em escolas públicas — a mãe como secretária e o pai como inspetor.

Freixo se elegeu deputado estadual no Rio de Janeiro pela primeira vez em 2006. Disputou a prefeitura do Rio em duas ocasiões, em 2012 e 2016, e o governo do Estado em 2022. Eleito deputado federal em 2018, Freixo foi líder da oposição ao governo de Jair Bolsonaro, o que o levou a ser escolhido, por duas vezes, o melhor parlamentar do Brasil no Prêmio Congresso em Foco.

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