ENTREVISTAS
"Prevenir é melhor do que punir, e o TCE-BA avançou nisso", diz Marcus Presídio
Presidente do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA) comenta sobre quatro anos de gestão

Por Divo Araújo

O Tribunal de Contas do Estado da Bahia passou por uma virada silenciosa, mas profunda, na forma de fiscalizar o gasto público. Ao fim de quatro anos na presidência do TCE-BA, Marcus Presídio defende que orientar e prevenir produzem mais resultados do que punir, especialmente quando não há dolo nem prejuízo ao erário. “Muitas vezes a falha era por desconhecimento do gestor, por falta de orientação”, afirma.
Nesta entrevista exclusiva ao A TARDE, o conselheiro faz um balanço de sua gestão à frente do Tribunal e aponta o diálogo, o consenso e a aproximação com gestores e sociedade como marcas centrais do período. Casos como a mediação dos acordos da ponte Salvador–Itaparica e do VLT aparecem como exemplos concretos dessa mudança de postura. Saiba mais na entrevista a seguir.
Ao encerrar quatro anos à frente da presidência do TCE-Bahia, qual o principal legado que o senhor acredita deixar para a instituição e para a sociedade baiana?
As marcas principais de minha gestão foram o diálogo, a busca pelo consenso, a abertura das portas do Tribunal de Contas do Estado para a sociedade. Mas, acima de tudo, a busca pela preservação do interesse público.
O senhor costuma destacar essa mudança de postura do Tribunal, de uma atuação predominantemente punitiva para um perfil mais orientador e preventivo. Que resultados essa mudança trouxe na prática?
Foi uma mudança de paradigma. Nos meus dez anos de Tribunal - entrei em março de 2015 – observei que muitos julgamentos tratavam de questões de falhas formais. Muitas vezes não existia malversação do erário. A falha era por desconhecimento do gestor, por falta de orientação. Isso sempre me causou um certo incômodo. No decorrer dos anos, e agora quatro anos como presidente, não poderia deixar de fazer alguma coisa. Então, nós avançamos no sentido da aproximação com o gestor e de orientá-lo. Obviamente, sem nunca afastar a punição, mas quando estritamente necessário. Prevenir sempre vai ser melhor do que punir. E isso o Tribuna de Contas avançou muito nesses últimos quatro anos.
Como foi o desafio de promover essa “virada de chave” cultural dentro do próprio Tribunal, inclusive junto ao corpo técnico?
Não foi fácil. Mas, quando o corpo técnico viu que nós estávamos ganhando mais credibilidade, sendo mais respeitados perante os gestores e a sociedade, isso se tornou um processo natural. O corpo técnico entendeu que nós poderíamos avançar. E quero deixar um agradecimento público ao corpo técnico do TCE que compreendeu nossa missão de aproximação, de capacitação e correspondeu muito bem nesses quatro anos.
A mediação do TCE no impasse da ponte Salvador–Itaparica se tornou um case nacional. Esse modelo de consensualismo deve se tornar uma prática permanente da Corte?
Eu não tenho dúvidas disso. O consensualismo é um caminho sem volta porque sempre será mais vantajoso mediar um acordo do que permitir que se tornem demandas judiciais muitas vezes intermináveis. O consensualismo é uma realidade. A gente tem que registrar que os dois maiores projetos da Bahia – o VLT e a ponte Salvador-Itaparica - passaram pelo Tribunal de Contas do Estado. De que forma? Consensual. Em relação a ponte, o governo nos chama porque já havia algum tempo tentando fazer um acordo e não se chegava a um consenso com o consórcio dos chineses. Fomos convocados e, após um período de quase quatro meses de negociação, conseguimos fazer a mediação para que o aditivo do contrato fosse assinado e desse início às obras da ponte Salvador-Itaparica. O VLT, nós fomos chamados pelo ministro Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União à época . Ele chamou o Tribunal de Contas da Bahia e o Tribunal de Contas do Mato Grosso, junto com seus governos, para tentar mediar e viabilizar a compra dos trens, que estavam lá há um certo tempo parado e inoperantes. Dessa forma, o Estado da Bahia conseguiu adquirir esses trens, trilhos e materiais rodantes e trazê-los para a Bahia. Foi um trabalho de discussão, envolvendo também os Ministérios Públicos de Contas. Também quero agradecer aos Ministérios Públicos de Contas pela compreensão e participação nesse processo. Eu sei que, ao fim e ao cabo, os trens do VLT brevemente estarão rodando e trazendo benefícios para a sociedade. O que nós fizemos? Botamos, acima de tudo, sem esquecer o legalismo, o interesse público.
O Tribunal avançou no uso de tecnologia e inteligência artificial, como no modelo preditivo de convênios. Em que medida essas ferramentas já impactaram a eficiência da fiscalização?
O principal impacto é na celeridade nos julgamentos. Por quê? Esse modelo preditivo pega o objeto do convênio, o gestor, o órgão concedente do convênio e já dá uma probabilidade. A inteligência artificial já nos mostra o percentual de probabilidade daquele convênio apresentar problema. E os resultados estão batendo. O que o modelo preditivo está mostrando, na prática, ao fim do julgamento, está se concretizando.
Mesmo com o avanço tecnológico, o senhor defende as auditorias in loco. Como equilibrar inovação digital com a presença física do auditor nos territórios?
É um equilíbrio que é necessário ter. Acho que quem não acreditar na inteligência artificial, no uso das ferramentas tecnológicas, vai ficar para trás. Mas não podemos esquecer da força humana. Por isso, sempre incentivo o uso da auditoria in loco. Para isso, nós renovamos nossa frota de veículos e damos todo apoio aos auditores para fiscalizar as obras. Adquirimos, por exemplo, drones para filmar as obras e tirar medidas aéreas. Treinamos os auditores para que os drones possam ser usados nas auditorias. Mas incentivo a auditoria in loco por outro motivo também. Quando os auditores vão para a estrada, eles pegam um pouco da realidade da Bahia, um estado com a dimensão territorial continental, 417 municípios, que têm realidades bem diferentes. Você tem municípios muito ricos, e muito pobres.
O Painel da Transparência dos Festejos Juninos ganhou reconhecimento e adesão dos 417 municípios. Esse modelo pode ser replicado para outras áreas de gasto público?
Estamos estudando avançar o painel na área de saúde. Para que os municípios coloquem de forma mais transparente as ações na área de saúde e educação também, na questão da alfabetização, por exemplo. Foi um case de muito sucesso a transparência do painel. As pessoas entenderam que o Ministério Público Estadual e o Tribunal de Contas do Estado não queriam parar as festas juninas. Agora, o gestor tem que entender que ele precisa ser fiscalizado. É dinheiro público. Com o painel, ele passou a ser fiscalizado pela própria sociedade local. Não estava certo alguns gestores exagerarem nos preços das atrações musicais de forma até incoerente. Municípios próximos que pagavam cachês diferentes a artistas semelhantes. O painel veio para ajustar a casa e incentivar a transparência. Incentivar que o cidadão daquela cidade, daquela região, conheça e saiba o que, quanto está sendo gasto nos festejos juninos. É um case de sucesso total, que está sendo levado a outros estados, principalmente do Nordeste, onde os festejos juninos são muito fortes. E hoje os prefeitos entenderam a importância dessa transparência. Com o apoio da UPB, no último São João, 417 municípios participaram. Mesmo aqueles que não fizeram festejos juninos.
As operações de crédito do governo estadual geram debate político. Do ponto de vista técnico, como o TCE tem acompanhado esse aumento no volume de empréstimos?
Você, na sua pergunta, já colocou muito bem. Eu só posso responder do ponto de vista técnico. Não posso responder do ponto de vista político. Fazemos auditorias quadrimestrais. E auditamos o endividamento do Estado da Bahia. E posso garantir, porque isso é informação pública, que o Estado da Bahia hoje se encontra com os índices de endividamento completamente dentro dos parâmetros que a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe.
O conselheiro Gildásio Penedo foi eleito para assumir a presidência do TCE-BA. Qual é a expectativa do senhor em relação à gestão que ele vai conduzir?
Para mim, a melhor possível. Gildásio já foi presidente, mas, infelizmente, ele pegou o período da pandemia. Todos nós sabemos que o período da pandemia foi muito doloroso. O gestor não pôde fazer absolutamente nada nesse período. Esse foi um dos argumentos que me convenceram, junto com meus pares, a dá-lo outra oportunidade. Gildásio é uma das pessoas mais preparadas que conheço e seguramente vai fazer uma excelente gestão. E estarei, se ele quiser obviamente, apoiado e ajudando no que for necessário. Fui eleito vice-presidente e a conselheira Carolina Matos, eleita corregedora do Tribunal de Contas do Estado.
Quais as questões que o senhor enxerga como prioritárias para a próxima gestão?
A próxima gestão tem que dar continuidade ao trabalho pedagógico do Tribunal de Contas do Estado, se colocando ao lado do gestor. É aquela diferença entre ver e enxergar. É enxergar a realidade e a necessidade daquele município, daquele órgão público e daquele gestor. Não é só auditar por auditar, é fazer uma análise do todo.
O aniversário de 110 anos do TCE coincidiu com o encerramento do seu segundo mandato. De que forma essa data simbólica dialoga com o balanço da sua gestão à frente do Tribunal?
Dialoga com a responsabilidade de uma entidade centenária que envolve e fiscaliza todo o erário do estado. É um volume muito alto. Venho presidindo o tribunal há quatro anos e sendo presidente ao completar 110 anos, nos deixa muito orgulhoso e com a responsabilidade de continuar colocando o Tribunal de Contas próximo à sociedade, aos gestores com muito respeito e atenção a coisa pública, as políticas públicas.
O tribunal vem funcionando com duas vagas de conselheiros em aberto. Que impactos institucionais essa situação trouxe e que lições ficaram?
Está sendo um período muito difícil. Nós nos reinventamos. Fizemos uma resolução aqui e criamos a figura do conselheiro vacante. Os próprios conselheiros, inclusive eu presidente, quando foi necessário, atuei no plenário como conselheiro julgando e relatando o processo. Não foi fácil, mas o que eu posso garantir é que não houve prejuízo nos nossos julgamentos. Espero que o Estado resolva logo essa questão dos dois nomes, porque o ideal e o certo é o Tribunal funcionar com o quórum completo de sete conselheiros.
A vaga deixada pelo conselheiro Pedro Lino segue sub judice. A indicação do deputado federal Josias Gomes pelo governador ocorreu antes do desfecho definitivo da ação no Supremo Tribunal Federal. Essa decisão pode abrir margem para novos questionamentos jurídicos?
Existiam duas liminares, uma no próprio Supremo Tribunal Federal, que o ministro Dias Toffoli, já tirou. Ele deu a oportunidade de o governador indicar a vaga. Porém, existe uma outra medida cautelar aqui no Tribunal de Justiça da Bahia, que ainda não foi suspensa. Ou seja, abre de fato brecha para uma discussão jurídica. Mas o Estado, acredito eu, já deve ter peticionado, mostrando que o Supremo abriu mão da ação cautelar. Eu acho que o caminho é o Tribunal de Justiça da Bahia, por esses dias, tomar decisão em relação a essa segunda cautelar.
A indicação de Otto Filho, um jovem deputado, ocorre em um momento em que o Tribunal busca reforçar sua imagem técnica e independente. Que expectativas o senhor deposita na atuação dele como conselheiro?
A expectativa é a melhor possível. Eu não conheço profundamente o conselheiro Otto Filho, mas as referências são as melhores possíveis. É um jovem que pode contribuir e muito para o nosso Tribunal de Contas. Espero a chegada dele com muita expectativa positiva. Que ele chegue logo, e que nos ajude a dar continuidade ao nosso trabalho.
A indicação de nomes com trajetória política para o Tribunal é um debate recorrente. Que mecanismos internos o TCE possui para assegurar autonomia técnica independentemente da origem do conselheiro?
Existe um ordenamento jurídico, constitucional para isso. Eu acredito que, por ele ter sido político, isso não tira mérito dele. Pelo contrário, ele pode até contribuir pela experiência de vida e conhecer a realidade da Bahia. Porém, eu acredito que ao tomar posse como conselheiro, ele tem que mudar a visão. Não pode ser mais a visão política, e sim muito mais técnica. Porém, traz a vantagem de conhecer a fundo a realidade do estado.
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