"O preconceito é democrático, atinge a todos", diz Tufvesson | A TARDE
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"O preconceito é democrático, atinge a todos", diz Tufvesson

Publicado terça-feira, 08 de março de 2016 às 07:28 h | Autor: Luis Fernando Lisboa
Carlos Tufvesson
Carlos Tufvesson -

O carioca Carlos Tufvesson percorre uma trajetória de dupla faceta. Por isso, numa conversa com ele,  é difícil não passear por  dois temas de grande importância para o estilista: o casamento gay e a cena da moda brasileira. Filho da também estilista de vestidos de festa Glorinha Pires Rebelo, Tufvesson participará, na capital baiana, do Conceito Wedding,  evento que debate  novas ideias para casamentos.

A iniciativa, que será realizada desta quarta, 9, até sexta, 11, das 12 às 20 horas, no Solar Cunha Guedes (Corredor da Vitória), reunirá outros nomes com especialização no tema, como o estilista Lucas Anderi, para palestras. Carlos Tufvesson, que prefere usar a expressão bate-papo, tocará em temas sobre o  casamento gay, na quinta-feira, a partir das 17 horas. Casado há cinco anos com o arquiteto carioca  André Piva, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a união civil de homossexuais à de heterossexuais,  Tufvesson é responsável pela Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual (Ceds) da cidade do Rio de Janeiro.

Ele está à frente desde o ano de  2011, quando a instância foi criada. Além disso, ele preside o Conselho Municipal de Moda do Rio de Janeiro, mesmo após o fechamento do seu ateliê em 2011, e articula uma série de questões importantes para a cena carioca. Nesta entrevista, o designer  fala para A TARDE sobre a experiência do seu casamento, o trajeto no campo da militância, o trabalho à frente da Ceds e o estado da moda brasileira: "Perdemos o encanto e a curiosidade", afirma.   

Qual a importância de discutir sobre o casamento gay?

A minha militância diz respeito à  desmistificação desse aspecto de diferença sobre o casamento gay. Nós, da Ceds, encaminhamos para o governador do estado Sérgio Cabral (PMDB) a proposta de levar até o STF a discussão sobre o casamento gay. A nossa intenção era retirar a ideia de que esse é um tipo de casamento específico. É  como outro qualquer. Todos os cidadãos têm que ter acesso a esse direito civil. Esse não é um direito especial. Essa foi a tese vencedora em votação unânime. Para mim, o casamento gay só é diferente pelo fato de não ter uma noiva e também permitir que os outros convidados possam usar a cor branca. No meu casamento,  todas minhas amigas me ligavam perguntando se podiam ir vestidas de branco à festa (risos). 

E a sua a experiência pessoal? Como isso foi revertido para o trabalho de militância?

A minha festa de casamento aconteceu no ano de 2011, mas, mesmo com a decisão do STF, um juiz me negou o direito de casar no civil. Mesmo depois da maior instância jurídica ter assegurado o direito a todos os casais homossexuais  no Brasil. Todo mundo fala: "ah, mas o Carlos Tufvesson é branco, rico, cisgênero, influente e, por isso, não vai sofrer nenhum tipo de preconceito". Só que o preconceito é democrático. Ele atinge a todo mundo. Eu soube da decisão do juiz pelo jornal O Globo, na coluna do Ancelmo Góis. Esse é um bom exemplo de desrespeito ao cidadão.

Você acredita que todos os casais homossexuais têm o mesmo desejo de casamento?

André me pediu em casamento, num restaurante do Rio de Janeiro, no Dia dos Namorados. Foi bem bacana porque lutei por isso toda minha vida  como militante. Mas busco entender o meu parceiro. Só porque ele está casado com um militante, não posso decidir coisas por ele. Já basta as situações em que ele tem que abrir mão de mim em prol da militância. O que é bastante complexo. Ninguém deve ser obrigado a casar. Acho que é preciso entender: você luta por um direito, mas não é obrigado a exercê-lo.

O fato de a Justiça do Rio de Janeiro ter impedido o seu casamento civil naquele ano modificou a cerimônia?

Não. O mais emocionante no dia, para nós dois, era a presença das pessoas que acompanharam toda a nossa trajetória. Foi no meio de um feriado, em 14 de novembro, que também é aniversário de André. Por isso, a escolha dessa data. A lista de convidados pulou de 300 para 800 pessoas. No entanto, o mais bacana da cerimônia foi que minha mãe entrou para a história da luta por direitos iguais de homossexuais no Brasil. Como já disse, meu casamento foi proibido por um juiz, então, minha mãe, ao lado da mãe de André, disse assim: "com os nossos poderes de mães, em nome das leis do amor, vos declaro casados".

O que significou, na sua carreira, assumir a Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual (Ceds)?

Quando eu fui chamado pelo prefeito Eduardo Paes para assumir a Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual foi por conta da minha trajetória na militância. Eu considero que estou aqui trabalhando pela minha cidade. Não vejo como uma atividade política. O discurso da militância é ideológico-partidário e, por isso, que não dá certo. Não vou entrar nas polêmicas, mas tem gente que fala bastante e faz muito pouco. Ninguém tem que  ter apego ao cargo. O meu compromisso é com as causas que eu sempre defendi. Nos desfiles, em eventos como Fashion Rio e São Paulo Fashion Week, eu já distribuía panfleto sobre o casamento civil igualitário. Também fiz uma campanha chamada Moda na Luta Contra o HIV. Isso não é novo. A militância esteve sempre nos meus trabalhos. Eu usava a confiança que a mídia tinha em mim para buscar inserções sobre essas questões, que na época era muito importante. Há 20 anos ninguém tinha visto casais se beijando ou declarando publicamente o seu amor em matérias jornalísticas. Eu e André nos prestamos a fazer isso. Era necessário perguntar: qual é a diferença? Há muito tempo fomos responsáveis por visibilizar o que é o amor entre duas pessoas do mesmo sexo.

Por que você decidiu fechar o seu ateliê no Rio de Janeiro?

Eu era responsável pelo salário de 90 famílias. Então, decidi fechar o ateliê quando assumi a Coordenadoria. A minha contribuição para a cena de moda brasileira se dará de outra maneira. Esse mercado vive um período de transição muito complexa. Essa minha visão empresarial visa construir os alicerces para uma terceira geração de moda. Acho que a gente deixou de apresentar uma renovação no campo. As semanas de moda têm o mesmo discurso que tinha há 20 anos atrás. Não se renova e as pessoas deixaram de ter o mesmo prazer por ela.

De que maneira a criação do Conselho Municipal de Moda do Rio de Janeiro impacta no setor nacional?

A moda tem apenas um assento no Conselho de Cultura. Essa é a primeira administração a criar um conselho vinculado ao gabinete do prefeito. O estilista não sabe se posicionar e cobrar. Todo empresário faz isso, mas estilista não. Ninguém nunca está ruim.  O estilista precisa lembrar ao País que ele é o segundo maior gerador de emprego do País. Não é possível produzir tranquilamente com a carga tributária que lhe é imposta. 

Qual  o problema para o desenvolvimento da moda em território nacional?

O grande problema é que a moda nunca conseguiu ser vista como atividade econômica. Ela sofreu vários preconceitos ao longo das décadas e ainda é tida como uma coisa burguesa, de vaidade excessiva e composta por pessoas fúteis. Usar camiseta e jeans é moda também. Todo preconceito vem, na verdade, de uma grande burrice. Esconde um grande desconhecimento da causa. Então, as pessoas criam fatos que não são verdadeiros. Só você notar que a moda no Brasil só tem um assento no Conselho de Cultura do Governo. Não existe sequer uma atividade federal que reconheça a moda como economia de fato.

Qual é a saída para um cenário complexo  como esse?

O estilista tem que fazer roupa pensando no seu público. Em época de crise é possível ver que  a criatividade baixa porque o estilista tem medo de fazer uma coisa muito conceitual que não venda. Não é possível arriscar. O risco é necessário. Por isso que a alta costura é um exercício necessário à criatividade.  Eu acho que nós  esquecemos de emocionar quem vai prestigiar os desfiles. De  certa maneira, as pessoas já sabem o que vão encontrar. Perdemos o encanto. Mas não é nada que não possa ser refeito. É preciso pensar por outra ótica. Esperamos uma terceira geração e estou disposto a garimpar esses futuros talentos da moda brasileira. Quero muito  uma pessoa da Bahia, por exemplo. É  importante  conversar com quem está se formando. É  escolha de vida. Não é só uma profissão. Ou você ama ou é melhor optar por outro caminho.

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