MUITO
A arte da baiana Thereza Eugenia: a fotógrafa dos grandes nomes da MPB
Depois de ser recomendada a Roberto Carlos e fazer outros ensaios, a baiana se tornou referência ao fotografar alguns dos maiores nomes da MPB durante
Por Gilson Jorge
Filhas de um contador, as irmãs Thereza Eugenia e Zezeca Paes tiveram uma infância e adolescência confortável e conservadora em Serrinha, no nordeste baiano, nos anos 1940. A família, que possuía em casa um laboratório fotográfico para uso amador, tinha como costume encaminhar à capital as suas jovens mulheres para que estudassem enfermagem. Não para que se tornassem profissionais de saúde, mas que estivessem preparadas para cuidar do futuro núcleo familiar, depois que se casassem.
Uma das tias de Thereza e Zezeca costumava organizar festas animadas para a elite serrinhense, que acolhiam inclusive personalidades da sociedade soteropolitana. Thereza, cinco anos mais velha do que Zezeca, aborrecia-se com a segregação social em festas da família.
"Minha tia, que era pianista, convidava a high society. Naquela época, tinha isso. Hoje, graças a Deus, acabou. Ela dizia que não queria as filhas de Zé Preá na minha festa", lembra Thereza.
As filhas de Zé Preá eram as suas colegas de ginásio, que moravam na periferia de Serrinha. Uma delas, era sua amiga.
VEJA TAMBÉM:
>>>Rock em Salvador: diversidade e resistência
Ao fazer 15 anos, Thereza ganhou de presente do pai uma máquina fotográfica e começou a se divertir com o equipamento, que mudaria sua vida tempos depois. "Veio uma modelo soviética ao Brasil e Thereza entrou no clima, fazendo fotos minhas. Eu fui a sua primeira modelo", lembra Zezeca, que se afastou do padrão burguês de parte da família e se formou em Ciências Sociais.
"Eu sempre a incentivei. Ela gostava de fotografar e eu gostava de posar", afirma a socióloga, que se considera parecida com a irmã mais velha, não apenas fisicamente, mas sobretudo no espírito emancipatório. Duas mulheres com o mesmo sangue, que enfrentaram juntas o desafio de romper com os padrões sociais e se instalaram em Salvador junto com a mãe depois que os pais se separaram.
A jovem Thereza graduou-se enfermagem, como queria a família. Mas não seguiu o resto do projeto que seus pais tinham e, em vez de se tornar uma dona de casa, mudou-se para o Rio de Janeiro, aos 24 anos, atraída pela beleza da Cidade Maravilhosa.
O diploma lhe permitiu arranjar trabalho em hospitais cariocas, enquanto usava parte do tempo livre para fotografar. "O mais interessante foi ela conseguir conciliar a enfermagem com a fotografia. Mas ela é uma mulher muito decidida", declara Zezeca.
Um dia, Thereza registrou um show de Maysa, e uma conhecida sua, encantada com o resultado, conseguiu que as fotos chegassem à cantora. "Maysa tinha acabado de voltar da Espanha e me chamou para fazer umas fotos na casa dela", lembra a fotógrafa.
Thereza relata que Maysa estava muito à vontade para as fotos. "Ela posou, subiu no sofá, foi maravilhosa. Tanto que depois a Biscoito Fino (gravadora) colocou uma foto na capa de um CD", afirma a fotógrafa, referindo-se ao disco em tributo à cantora lançado em 2018, com as participações de Maria Bethânia, Alcione, Ney Matogrosso, Bibi Ferreira e Zélia Duncan.
Referência
Após a experiência com Maysa abriam-se, então, as portas do mundo artístico para a jovem baiana autodidata. Depois de ser recomendada a Roberto Carlos e fazer outros ensaios, a baiana se tornou referência ao fotografar alguns dos maiores nomes da MPB durante duas décadas, um trabalho reunido no livro Thereza Eugenia – Portraits (1970–1980), cuja segunda edição chegou às livrarias no último mês de maio.
O lançamento em Salvador, ainda sem lugar definido, deve acontecer em setembro deste ano. "A Bahia não poderia jamais ficar de fora disso", afirma Alexandre Marques, dono da Editora Motriz, responsável pela segunda edição. O primeiro lançamento foi feito em 2021 pela Editora Barléu, especializada em artes.
Amigo de Thereza e fã de MPB, o editor sempre alimentou o sonho de trabalhar com livros depois de se aposentar. Mas em uma conversa com a amiga fotógrafa sobre a primeira edição, ambos decidiram retomar a obra e Alexandre abriu a Motriz, em homenagem à canção homônima, escrita por Caetano Veloso e gravada por Maria Bethânia. Os irmãos Veloso, aliás, estarão juntos em turnê e se apresentam no dia 30 de novembro, na Casa de Apostas Arena Fonte Nova.
A aposta de Alexandre na segunda edição do livro Thereza Eugenia – Portraits (1970-1980) traz novidades. "A maior diferença está no tratamento que as imagens receberam. A primeira edição foi impressa em dois tons, ou seja, as fotos não tinham muita profundidade.
Já nessa nova edição de luxo, as imagens passaram por um tratamento para que a impressão fosse CMYK, com quatro tons diferentes, resultando em mais qualidade e definição", afirma o editor.
CMYK é a abreviatura em inglês para o sistema de cores subtrativas formado por ciano, magenta, amarelo e preto. Nesse caso, o preto é representado pelo K de Key (chave).
O livro traz ainda uma "capa-luva" comemorativa, com letras douradas e em alto-relevo. O editor declara ter se surpreendido pela demanda: "Em menos de três meses, já tivemos mais de mil livros vendidos".
O livro traz imagens posadas dos artistas em momentos de intimidade, como as fotos que se fazem de amigos em momentos de descontração, além de registros épicos de shows de grandes feras da música. Como um registro de uma apresentação do "rei" Roberto no Canecão que foi parar na capa do disco Roberto Carlos (1970).
Um dos expoentes do fotojornalismo brasileiro, Walter Firmo destaca o grau de dificuldade para se fazer boas fotos do palco numa época em que, com uma iluminação cenográfica intimista, os flashs e o barulho produzido durante os cliques, irritavam artistas e plateia. "Ela é uma das melhores fotógrafas que trabalham com palco, que é sempre um ato de dificuldade", afirma o fotógrafo.
Firmo destaca que para se realizar um ensaio fotográfico eficiente de uma apresentação ao vivo há um protocolo. "Tem que assistir o show antes, ver os melhores momentos, a melhor luz. Se deixar para o dia de fotografar, o profissional pode quebrar a cara. Ele não saber onde estão os melhores ângulos, a melhor luz", pondera o fotógrafo.
Registros
A aproximação de Thereza com Roberto Carlos foi pitoresca. No show de Maysa, o Rei entrou no Canecão e uma assessora dele enxergou a baiana fazendo fotos na plateia e pediu que ela fizesse registros do cantor. Thereza disse que não podia porque a máquina não era profissional. E a assessora replicou que ela tomasse emprestado o equipamento do gerente do Canecão. "O cara reclamou, dizendo que ia emprestar para uma pessoa que não sabia nem segurar a máquina”, lembra a fotógrafa.
Nessa época, Thereza conheceu o lendário produtor musical Guilherme Araújo, que era empresário de Gal e Bethânia. A aproximação com Araújo rendeu a Thereza a oportunidade de morar em Nova Iorque por dois meses e fazer várias viagens de passeio à Big Apple, cidade onde a fotógrafa se sente tão à vontade quanto quando está no seu amado Rio de Janeiro. Em uma das suas passagens pela maior cidade dos Estados Unidos, Thereza lembra de ter visto Yoko Ono caminhando com um cachorro em frente ao prédio onde morava Guilherme Araújo.
Em 1989, a fotógrafa e Guilherme Araújo jantaram em Nova Iorque com Gal Costa, de quem Thereza era próxima. "Eu tenho um projeto de lançar um livro com fotos de Gal, mas ainda tem que ver essa coisa de autorização da família dela", pontua.
Entre 1969 e 1985, o período em que Gal morou no Rio, as duas baianas conviveram com certa regularidade. "Eu tenho umas 500 fotos de Gal. Ela tinha uma casa em Ipanema, que era muito frequentada pelos artistas", declara a fotógrafa.
Depois que já tinha retratado muitos artistas, Thereza se matriculou em um curso de fotografia na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio. "Eu tive uma professora americana e ela disse que minhas fotos têm senso de intimidade", relata a baiana.
Aos 85 anos, Thereza continua ativa na fotografia, especialmente em eventos artísticos. Mas há algum tempo trocou a máquina fotográfica pelo iPhone, com o qual se entretém produzindo vídeos para o Instagram.
No último dia 28 de junho, por exemplo, ela fez um clipe da atriz Sophie Charlotte cantando Mande um sinal, de Cézar Mendes e Ronaldo Bastos, durante apresentação no Clube Manouche, no Rio, em companhia de Tom Veloso e do próprio Cézar Mendes.
No dia 3 de julho, Thereza postou uma homenagem de Marina Lima e Filipe Catto a Gal Costa, durante o show na praia de Ipanema, no encerramento de Nas ondas de Marina Tour. No vídeo, a dupla interpreta Hotel das estrelas, canção de Jards Macalé e Duda Machado, que Gal Costa gravou no LP Fa-tal (1971).
Nos comentários do Instagram, Thereza agradece a Marina por ter repostado o vídeo e externa sua emoção com a homenagem a Gal. A cantora responde que pensou na fotógrafa no momento da homenagem e que sabia que a fotógrafa estaria emocionada.
Desde que clicou Maysa no Canecão, em 1969, Thereza inaugurou uma forma pessoal e intuitiva de se emocionar e emocionar artistas e seus fãs através da imagem.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Cidadão Repórter
Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro
Siga nossas redes