ABRE ASPAS
“A recomendação é que a visita ao urologista seja anual”, alerta médico
Confira a entrevista com Anderson Luttigards, médico urologista
Por Pedro Hijo
O preconceito com o exame que investiga o câncer de próstata está cada vez menor, de acordo com o médico urologista baiano Anderson Luttigards. Se, há alguns anos, se submeter ao toque retal era considerado um ato de coragem, hoje faz parte da rotina de quem se encaixa no grupo de risco e encara o exame com responsabilidade. Para Anderson, o papel da mídia de desmistificar o tabu foi fundamental para que pessoas fossem aos consultórios. “Claro que ainda existe uma parte pequena da população que reclama do exame, mas, no geral, os homens estão buscando mais ativamente essa questão”, comenta o médico. Nesta entrevista, o especialista fala que as chances de cura são maiores para quem busca atendimento anual depois dos 50 anos, quando acende o sinal amarelo para o surgimento deste tipo de câncer. Essa é a recomendação da Sociedade Brasileira de Urologia. Ainda segundo Anderson, alguns grupos têm mais chances de serem acometidos pela doença. Entre eles, pessoas negras. “Mas, é importante dizer que não é porque essa população tem mais chances e precisa de um pouco mais de atenção que a probabilidade indica que terá câncer”, explica.
Como o câncer de próstata surge e como se desenvolve?
A campanha Novembro Azul é um estímulo para que o paciente procure o urologista com mais frequência, porque o câncer de próstata não apresenta sintomas, habitualmente. Então, é uma doença que cresce lentamente e é insidiosa. Acontece que, quando a doença começa a apresentar sintomas, geralmente o câncer já está num volume, tamanho ou disseminação que não são ideais. Então, assim como a mulher vai todos os anos ao ginecologista para fazer um preventivo, a gente usa a campanha como um estímulo para que o homem vá ao consultório médico fazer o que a gente chama de screening, ou seja, um rastreio, uma busca ativa. O paciente não precisa estar sentindo nada para ir ao urologista e diagnosticar a doença de maneira precoce. É assim que a gente evita complicações relacionadas ao câncer. O câncer de próstata, logo depois do de pele, é o tipo mais frequente em pessoas com próstata. É preciso ter cuidado com esse câncer porque, quanto mais tempo o paciente vive, maior é a probabilidade do surgimento. Pacientes mais idosos, acima de 80 ou 90 anos, quase todos vão ter um tumor nessa região, mesmo que seja bem inicial. Então, é preciso provar todos os anos que o paciente não tem aquele câncer.
Como é essa busca ativa?
Além da entrevista para saber o histórico do paciente e fatores de risco, um ponto importante de analisar é se o paciente é da raça negra ou se teve parentes de primeiro grau com câncer de próstata diagnosticado. São grupos com chances de quatro a 10 vezes maiores de serem acometidos por essa doença, ou seja, precisam de mais atenção. O início do rastreio deve ser a partir dos 50 anos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia, que segue a recomendação americana. Antigamente, se usava um mínimo de 40 anos. Mas, se o paciente for ao urologista a partir desta idade, não há problema. Lá, ele vai fazer um exame de sangue e mostrar os resultados para o médico, que vai avaliar o valor do PSA [Antígeno Prostático Específico, uma proteína produzida pelas células da próstata] e vamos comparar esse número em relação à idade, ao tamanho da próstata, e analisar se o paciente tem algum sintoma ou fator de risco. Daí, é preciso fazer o famigerado exame de toque, que faz parte do exame físico. Se o médico notar alguma alteração de consistência, se a próstata está endurecida ou tem um nódulo, isso melhora a acurácia da nossa probabilidade do paciente ter câncer. Se o PSA está com um valor da faixa etária do paciente e há um nódulo, a probabilidade do paciente ter câncer é maior e se segue com a investigação com outros exames e o tratamento dependendo do grau do tumor. Quanto mais cedo se descobre o câncer de próstata, maior é a chance de cura, porque aí, há tempo para os preparatório e tempo para escolher o melhor método cirúrgico. Isso permite que a gente faça tudo de maneira mais objetiva e consiga um resultado melhor. A recomendação é que essa visita ao urologista seja anual.
O preconceito com o exame de toque ainda é um entrave para a prevenção?
O exame de toque faz parte do exame físico. Isso é importante que seja dito. O paciente que vem para o meu consultório já está predisposto a fazer o exame, então, é muito difícil que a pessoa marque, venha até a consulta e não esteja predisposto a fazer o exame. É um exame de rotina e isso precisa ficar claro. Mas, o que eu tenho notado é que, com o passar dos anos, com a própria mídia fazendo esse papel de conscientização, as pessoas estão mais dispostas. Atendo pessoas mais esclarecidas que, em teoria, têm menor resistência, mas também atendo pacientes na periferia, em alguns mutirões voluntários. E, cada vez mais, noto que toda a população tem reduzido bastante esse preconceito. A minoria dos pacientes que eu atendo diz que não está disposta a fazer o toque, apresentando essa resistência. Claro que ainda existe essa parte pequena da população que reclama do exame, mas, no geral, os homens estão buscando mais ativamente essa questão. O preconceito mais comum é sempre em relação ao toque em si. Não sei se é machismo, se é por achar que aquilo pode ferir a virilidade ou masculinidade da pessoa... Alguns perguntam se não tem um método mais novo, mais moderno, como se o toque fosse algo medieval. Claro que tem um monte de coisa nova, mas, muitas vezes, o toque é necessário.
É uma questão de assumir essa responsabilidade do autocuidado...
Sim, sem dúvidas. O homem que não se cuida, geralmente delega esse cuidado a uma mulher. Eu vejo no consultório que a mulher geralmente escolta esse homem. Ela que leva, que manda fazer o exame, que faz isso e faz aquilo. Até porque a mulher foi ensinada a cuidar. Mas, eu acho que tem muito homem que vai espontaneamente e que, realmente, quer fazer isso.
A população negra tem um risco aumentado do câncer de próstata, como isso se dá em um estado como a Bahia, onde há uma diversidade étnico-racial tão grande?
A população negra, epidemiologicamente, tem um risco maior de ter câncer de próstata por uma questão genética. O mesmo acontece com a hipertensão, que também é mais frequente neste recorte da população. Agora, aqui na Bahia, onde há uma miscigenação grande, basicamente se considera praticamente que todas as pessoas são negras. Então, é preciso considerar que isso é uma probabilidade estatística de que o negro tem uma chance maior de ter o câncer de próstata. É preciso mais atenção a essa parcela populacional. Às vezes, chega um paciente negro com 45 anos no consultório e eu peço logo o PSA. Se esse resultado estiver incompatível com a idade dele, faço o toque. O mesmo procedimento se repete quando o paciente tem um pai que teve câncer antes dos 60 anos. É o fator de risco principal e é preciso um pouco mais de critério. Mas, é importante dizer que não é porque essa população tem mais chances e precisa de um pouco mais de atenção que a probabilidade indica que terá câncer. Outras questões como fatores ambientais, estilo de vida, dieta, condições físicas influenciam tanto neste câncer como em qualquer outro tipo da doença ou de qualquer outra patologia.
Como andam a higiene e o autocuidado dos pacientes baianos? A falta de saneamento básico é um entrave para a qualidade da saúde deste público?
Quando não se tem acesso a limpeza, é muito difícil, essa é uma questão de saúde pública. O que acontece é que a população baiana com um nível social mais baixo sofre com questões relacionadas especialmente ao cuidado com a higiene. Isso não tem relação com o câncer de próstata, mas com a saúde em geral. A Bahia é um dos estados com o maior número de câncer de pênis do país, que está relacionado diretamente com a falta de higiene. E eu não estou falando de uma higiene muito elaborada. É uma lavagem normal, com água, bem primária. Não existe câncer de pênis num paciente que teve uma higiene básica. Então, na Bahia, dois entraves muito grandes são as condições de saneamento e grau de instrução, ou seja, o esclarecimento do paciente em relação ao autocuidado. O que eu percebo em atendimento é um acesso à informação de modo bem escalonado. Os pacientes que vivem em locais mais afastados do centro, que não têm acesso ao saneamento, em geral, são pessoas com graus menores de higiene, instrução e percepção sobre patologias. E as consequências disso são não só o câncer de pênis, mas também a infecção fúngica do membro. É um conjunto. Essa é uma questão muito mais social do que técnica.
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