MUITO
Corpo e mente: os benefícios da prática esportiva na saúde mental
Exercício é um dos três pilares para a manutenção da saúde mental
Por Pedro Hijo
Começaram na última sexta-feira, 26 de julho, os Jogos Olímpicos de Paris. A edição será marcada pelo retorno da maior ginasta da atualidade à competição. A americana Simone Biles não participou nas Olimpíadas de Tóquio, há três anos. Essas ausências não são incomuns no esporte, geralmente motivadas por lesões no corpo. Mas o problema que afastou Biles dos Jogos no Japão foi de outra ordem. Ela afirmou que precisava cuidar da saúde mental.
A ausência da medalhista olímpica, que levou quatro ouros na Rio 2016, levantou a discussão da relação entre esporte e saúde mental. A mensagem de Biles ultrapassou o tablado e deixou uma lição importante mesmo para quem não é atleta. “Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos, e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos”, disse a ginasta em entrevista a jornalistas, à época.
Se, para Biles, a prática a exauriu psicologicamente, é justamente a atividade física que colabora de forma positiva para o bem-estar de muitos praticantes. As chaves, indicam especialistas ouvidos pela reportagem, são o equilíbrio e o papel do esporte na vida da pessoa. Ao contrário da americana, a atividade física funciona como uma pausa no estresse diário e oferece um momento de distração dos problemas pessoais e profissionais para praticantes amadores.
Esse desvio da rotina vem com a demanda de concentração feita pelo esporte, segundo a psicóloga baiana Itana Moreno: “A atividade física força que a gente tenha aquele momento obrigatório para focar em uma única coisa”. Profissional de Educação Física e professora de kettlebell sport em Salvador, Priscila Beck concorda: “A gente anda muito disperso, fazendo uma coisa e mil ao mesmo tempo, está o tempo inteiro em multiatenção”.
Segundo a psicóloga, o exercício é um dos três pilares para a manutenção da saúde mental, ao lado de uma boa alimentação e um bom sono. “É o melhor medicamento para depressão e ansiedade”, afirma Itana. Priscila Beck conta que muitos alunos procuram as aulas de kettlebell sport para controlar a ansiedade. Com a prática, que exige o uso de cada braço por vez para fazer o exercício, a paciência do praticante é treinada.
A psicóloga diz que a prática de esportes ou outras atividades físicas é terapêutica, mas faz uma ressalva: “Não é terapia. Não é substituível, porque são coisas diferentes. Na terapia, há uma abordagem muito mais profunda”, explica. Ainda assim, Itana diz que se o paciente estiver com dinheiro contado, ela orienta a pessoa a primeiro investir numa atividade física e, depois, na terapia. “São incontáveis os efeitos positivos”.
Ela cita como exemplos desses efeitos a melhora da autoestima, pelo praticante se sentir mais ativo, e a sociabilização promovida por muitos esportes. Além disso, a atividade física gera a liberação de neurotransmissores associados ao bem-estar, melhora o condicionamento físico e ajuda na qualidade do sono. Essa, diz Itana, é uma demonstração da conexão entre corpo e mente.
Os esportes e, em especial o kettlebell sport, diz Priscila, costumam exigir muita energia dos alunos, o que ajuda a melhorar a qualidade da saúde mental. “O kettlebell sport é um trabalho multiarticular que ‘aterra’ a gente. É muito comum que um atleta durma depois de competições, por exemplo, porque ele teve uma estafa do sistema nervoso central”, conta a professora, que cita como benefícios da prática a melhora do sono e a diminuição de dores musculares articulares.
Superação
Para a jornalista Patricia Abreu, 46 anos, o esporte foi a salvação depois de um período abalada com um câncer enfrentado pela mãe. Apesar de sempre manter uma rotina esportiva, o diagnóstico da doença a fez abrir mão da prática de exercícios e de uma alimentação saudável. “Eu engordei 20 quilos porque eu estava comendo a minha ansiedade”, relata.
Trabalhando em Salvador e com a mãe internada em Itabuna, cidade do interior da Bahia em que nasceu, Patricia passou a se alimentar exclusivamente de comidas de fast food. “Eu me abandonei completamente, o afastamento de minha mãe me angustiava”, diz a jornalista que só mudou a rotina após uma viagem para Itabuna, onde recebeu um alerta. “Minha mãe recomendou que eu voltasse a comer comida de verdade e passasse a cuidar de mim”.
A frequência e o compromisso com a saúde encontraram outro empecilho: o isolamento causado pela pandemia de coronavírus, que começou em 2020. “Eu não conseguia mais me enxergar, passei por momentos péssimos”, diz Patricia. A mudança veio com o puxão de orelha do amigo e professor de Educação Física baiano Bruno Doria que propôs uma nova rotina para Patricia.
O profissional traçou um planejamento de 30 dias com treinos funcionais diários e acompanhamento nutricional. Para Bruno, escolher o exercício físico foi fundamental para organizar a rotina de Patricia. “A gente tem que treinar, cuidar da alimentação, do trabalho... e tudo isso se reflete na nossa saúde mental”, explica.
A jornalista diz que a maior transformação não foi na balança e sim na mente. “Eu nem sei quantos quilos eu perdi depois desse desafio, mas foi uma mudança de chave”, afirma. Desde então, Patricia treina diariamente e reveza as atividades entre musculação, corrida e treino funcional. “Quando eu percebo que vou entrar em alguma ‘noia’, eu vou lá, e treino. Isso me revigora”, conta.
No ano passado, enquanto cobria os Jogos Pan-Americanos no Chile, a jornalista descobriu uma infecção urinária que causou fortes dores durante a cobertura do evento. “O que me salvou foi o estilo de vida saudável que eu já estava cultivando, eu não tenho dúvidas”, diz.
Força mental
Enquanto Patricia achou no esporte a salvação para continuar viva, a osteopata Taiala Oliveira precisou se afastar dos exercícios físicos ao se tornar paciente oncológica. No início de 2022, sete meses após dar à luz a uma menina, Taiala sentiu um nódulo na mama direita. Junto ao diagnóstico de câncer de mama, a profissional enfrentou um intenso tratamento quimioterápico que a fez parar com a prática do Crossfit.
“Eu me sentia cada vez mais fraca, foi neste momento em que eu vi o quanto o exercício físico era importante para mim”, conta a osteopata, que é atleta de Crossfit desde 2017. “O tratamento oncológico é um momento em que você luta para viver e quando se tira algo que te dá prazer fica ainda mais complicado”.
Taiala relata que estar sem o exercício físico abalou o equilíbrio mental. “Eu tinha uma filha pequena, estava num relacionamento difícil, sofri violências patrimonial e psicológica do meu antigo companheiro, enfrentei uma separação e tive que fazer um tratamento... Era muita coisa para dar conta”, afirma.
A profissional só voltou à rotina de exercícios no ano passado, assim que o tratamento de quimioterapia encerrou. Taiala conta que treinar Crossfit a faz se sentir potente. “Quando a gente se depara com a necessidade de mudar de rota, é neste momento que percebemos o real significado da vida, que é o agora”, diz. “A gente tem que lutar com a nossa mente para agradecer por estar vivo todos os dias”.
Curada da doença, Taiala faz treinos de uma hora quase todos os dias. “Só descanso aos domingos”, diz. Como osteopata, ela atende pacientes com lesões e atletas em recuperação, e conta a própria história para servir de inspiração. “Eu falo que a responsabilidade do tratamento é 50% minha e 50% dele e isso o motiva a acreditar que cada um é capaz de vencer qualquer desafio”, afirma.
Transformação
A superação enaltecida por Taiala é a palavra que guia a rotina do influenciador baiano Igor Paes. Em 2021, após o término de um relacionamento, Igor notou que precisava cuidar da mente. “Eu me olhava no espelho e não me reconhecia. Tudo por causa das noites mal dormidas, da bebedeira, de uma vida desregrada que eu estava levando”, conta.
Entusiasta da prática esportiva desde a adolescência, Igor criou um compromisso de voltar à rotina que havia se perdido. “Foi a musculação que me salvou de um buraco mental para o qual eu nem sabia que estava indo”, diz o influenciador que, há dois anos, pratica o esporte cinco vezes na semana. Igor segue um estilo de vida “parecido com o de um fisiculturista”: “Faço dieta controlada, atividades aeróbicas e musculação, é o que me traz paz e tranquilidade mental”.
Motivação
Para quem tem dificuldade de se exercitar, a psicóloga Itana ressalta que é preciso ter uma motivação para praticar a atividade e, como as mudanças estéticas demoram a acontecer, a saúde precisa ser a grande meta. “A atividade física precisa ser tratada como uma prioridade, da mesma forma que se toma banho e escova o dente”, elabora. Na escolha da modalidade a ser praticada, Itana sugere que a opção se baseie na realidade de cada um.
“Se você não tem condições de fazer uma modalidade porque não tem dinheiro, o importante é colocar o corpo em movimento”, sinaliza a profissional de saúde. Esse movimento é fundamental, diz a psicóloga, para evitar a ansiedade, a insônia e outros problemas acarretados pelo estresse. Ela conta que pratica corrida e musculação seis dias por semana, mas afirma que o mais importante é manter a rotina: “Num mundo ideal, sugiro uma hora de exercício por dia; num mundo real, 15 minutos”.
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