CAPA
Cresce busca por Psicologia como segunda graduação na Bahia pós-pandemia
Universidades registram mais alunos formados em outras áreas escolhendo Psicologia após valorização da saúde mental
Por Pedro Hijo

Nos últimos três anos, aumentou em 50% o número de pessoas com nível superior completo que se inscreveu para cursar Psicologia como segunda graduação na Unijorge. O mesmo cenário se repete em outras instituições de ensino superior baianas. Às vésperas do dia que homenageia os profissionais do setor, celebrado no dia 27 de agosto no Brasil, A TARDE sondou cinco universidades da Bahia e todas registraram um aumento de alunos de Psicologia que já possuem outros diplomas.
Assim como na Unijorge, coordenações do curso na Unifacs, Unime, Uninassau e Universidade do Estado da Bahia (Uneb) apontaram que o interesse pela área como segunda profissão vem crescendo desde o fim da pandemia de Covid-19, em 2022.
De acordo com o coordenador do curso da Unifacs, Thiago Oliveira, o aumento da procura já era esperado. "Todo processo cultural ou social que é muito avassalador sempre reverbera no interesse por psicoterapia e pelo curso", afirma.
Na Uneb, Psicologia é o terceiro curso com maior concorrência, atrás apenas de Medicina e Direito. Em 2025, a universidade registrou 33 candidatos por vaga em Psicologia. Foram 1456 inscritos, um aumento de 17% em dois anos. A instituição não tem registros de quantos desses candidatos têm segunda graduação, mas o coordenador do curso, Paulo Moraes, afirma que há um aumento da procura de vagas por parte de alunos com nível superior concluído. "Sem dúvidas, há uma busca cada vez maior".

A coordenadora do curso de Psicologia da Uninassau, Helen Copque, diz que a pandemia foi um marco importante na valorização da profissão. “Muita gente passou a olhar com mais atenção para a saúde mental", observa. De acordo com ela, esse movimento ampliou o interesse pela Psicologia, inclusive como segunda graduação. “Antes, o público era majoritariamente jovem, recém-saído do ensino médio, mas hoje vemos cada vez mais adultos retornando à universidade para estudar Psicologia”.
Aluno do sexto semestre do curso coordenado por Helen, Péricles Andrade, 46 anos, está realizando o antigo sonho de estudar Psicologia. Em 2005, ele abriu mão desse desejo e optou por cursar Ciências da Computação. "Na época, Psicologia não era o que é hoje, não dava a segurança financeira que dá agora", explica. Depois de uma carreira como empresário do setor de tecnologia, Péricles resolveu seguir o novo caminho. "Quero trabalhar clinicando na área depois de formado".
Péricles faz parte dos 40% dos alunos de Psicologia da Uninassau que possuem 40 anos e têm diploma de outro curso. Segundo a instituição, no geral, este grupo é formado por estudantes que já estavam no mercado de trabalho e que buscam um segundo diploma para complementar a primeira formação ou mudar de carreira.
De acordo com o Conselho Federal de Psicologia, o Brasil é o país com o maior número de psicólogos no mundo, somando mais de meio milhão de profissionais. A Bahia é o estado nordestino com o maior número de cursos, 73 ao todo.

Coordenadora da Comissão de Formação do Conselho Regional de Psicologia, Priscila Lins explica que a diversidade da formação é o que permite um campo maior de atuação para o psicólogo dentro do mercado de trabalho. "A profissão possibilita mais autonomia, já que muitos profissionais podem abrir a própria clínica", afirma.
Priscila acrescenta que o curso também tem atraído pessoas em segunda graduação, que agora conseguem realizar um desejo antigo. "Muitos sonhavam em estudar Psicologia, mas não tiveram apoio da família no passado ou não tinham condições", diz. "Hoje, com autonomia financeira, conseguem tornar esse sonho realidade".
Este foi o caso da baiana Lorena Dias, 32 anos. Ela já havia cogitado cursar Psicologia após concluir o Ensino Médio, em 2010, mas não se sentia preparada. “Pensava que poderia ser um curso que eu faria quando estivesse mais madura”, conta. Naquele momento, escolheu cursar Jornalismo, atraída tanto pelo gosto pela escrita quanto pelas múltiplas possibilidades de atuação. Com o tempo, Lorena percebeu que a realização profissional estaria em ouvir histórias em consultório.
A baiana interpretou o interesse crescente dela pelo estudo sobre o comportamento humano como um sinal. “Entendi que não fazia sentido adiar essa vontade de fazer uma segunda graduação e que talvez eu pudesse conciliar as duas profissões durante um tempo”.
Lorena começou a faculdade de Psicologia em 2020, pouco antes do isolamento social causado pela pandemia. Para ela, o período colocou luz sobre a importância da saúde mental e fortaleceu o olhar social sobre a área. “Sinto que os atendimentos on-line e a produção de conteúdo nas redes sociais fizeram com que a terapia fosse mais falada e menos estigmatizada”.
A coordenadora do curso de Psicologia da Unijorge, Katia Jane, afirma que a pandemia foi fundamental para a escolha da formação como segundo diploma para muitos estudantes da universidade. Katia está no cargo há 19 anos e percebe a mudança. Há três anos, pessoas mais maduras têm entrado no curso. "Com o acolhimento de alunos com trajetórias diversas, a Psicologia só tem a se fortalecer como ciência e profissão", declara.
Prazer
Esta é a terceira vez que a baiana Lucidalva Ferreira, 72 anos, cursa uma graduação. Após se formar em Pedagogia e Serviço Social, escolheu a Psicologia para "estudar por prazer". "Vai me ajudar a entender melhor a mim mesma e ao outro", conta. Lucidalva está no segundo semestre da faculdade e vai para a Unifacs todos os dias acompanhada da neta, Manuelle, de 21 anos. "Ela cursa Arquitetura, mas temos aulas nos mesmos horários".
Aposentada, Lucidalva pretende usar os conhecimentos adquiridos em sala de aula para aperfeiçoar a atuação como voluntária em serviço hospitalar. Mensalmente, ela faz doações de roupas e comidas para pessoas em vulnerabilidade social e acredita que a formação em Psicologia pode ajudar a trazer uma palavra de conforto para esse grupo. "Faz diferença saber o que falar nessas horas", conta.
A experiência pessoal também reforçou o desejo de Lucidalva de aprofundar os estudos em Psicologia. Após a morte do marido durante a pandemia, ao se ver sozinha no cuidado da filha e da neta, ela entendeu a importância de se disponibilizar para a psicoterapia. "É o que me deixou de pé".
De acordo com o coordenador do curso de Psicologia da Uneb, Paulo Moraes, é comum que alunos ingressem na graduação acreditando que vão encontrar em sala de aula um espaço voltado ao autoconhecimento. Ele destaca, no entanto, que a graduação é primariamente um processo de profissionalização. “O caminho ideal para quem busca autoconhecimento é a psicoterapia”, reforça.
Futuro
Apesar da oferta maior de profissionais, o curso acompanha uma demanda em expansão. Um relatório do Global Mind Project publicado em 2023 apontou que a pandemia de Covid-19 teve um impacto significativo na saúde mental dos brasileiros.
Entre 71 países, o Brasil ficou na última posição na classificação de bem-estar mental. Segundo a pesquisa, 34% dos entrevistados se sentem “angustiados”, acima da média mundial, de 27%.
Diante dessa realidade, o Conselho Regional de Psicologia da Bahia destaca que a formação como psicólogo tem grande potencial de mercado, sobretudo pela diversidade de áreas de atuação disponíveis. "Inclusive, pessoas mais velhas são bem recebidas no mercado, muitas vezes pela experiência de vida que trazem", explica Priscila Lins.
Depois de atuar como jornalista por 11 anos, Lorena Dias já está com os primeiros pacientes como psicóloga e tenta se estabelecer no setor. Para ela, a maturidade se reflete diretamente na valorização do trabalho. “Na Psicologia, quanto mais experiência você conquista, mais isso é somado à qualidade do seu trabalho", opina. "E a gente ganha mais vontade de buscar especializações, pois o profissional qualificado é valorizado”.
A percepção de reconhecimento também é compartilhada por Péricles, que já acumulava mais de uma década fazendo psicoterapia antes de ingressar na graduação. Ele aponta que a profissão ganhou outro reconhecimento nos últimos anos, inclusive no aspecto financeiro, o que impulsionou a compreensão social sobre a importância do cuidado psicológico. “Hoje, as pessoas entendem que precisam fazer terapia e isso contribui no prestígio e na remuneração do psicólogo”, afirma o estudante.
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