FOTOGRAFIA
Imagens que chocaram mundo chegam a Salvador: World Press Photo expõe dramas
Mostra gratuita reúne 144 obras, com destaque para fotógrafos brasileiros

Por Pedro Hijo

Cada fotografia carrega um instante. As imagens que serão expostas na mostra World Press Photo 2025 carregam um pouco mais: urgência.
O evento que ocupa a Caixa Cultural Salvador a partir da terça-feira, 9, vai reunir 144 obras que integram 42 projetos vencedores do maior concurso de fotojornalismo do mundo, uma seleção que recorta geografias e pautas políticas de 31 países.
Depois de um hiato de oito anos, a mostra retorna à capital baiana e retoma também o lugar simbólico da fotografia documental na vida cultural da cidade.
“Trazer a World Press Photo de volta reafirma o papel de destaque de Salvador no circuito brasileiro", aponta a representante da fundação no Brasil, Flávia Moretti. "É um movimento importante para ampliar o acesso a conteúdos que informam, provocam e ajudam a compreender o mundo”.
A edição 2025 da World Press Photo chega à cidade como parte da circulação internacional da mostra, que percorre mais de 60 cidades em todo o mundo e recebe milhares de visitantes ao longo do ano.
Na Caixa Cultural Salvador, o público poderá conhecer de perto os 42 projetos vencedores selecionados por um júri global. As mensagens por trás das fotos são múltiplas.
Há protestos em países como Haiti, Quênia e Myanmar. Há jovens tentando reescrever o próprio corpo, como o homem trans de 21 anos fotografado nos Países Baixos. Há também a imagem escolhida como Foto do Ano: um menino palestino amputado em Gaza, fotografado depois de sobreviver a um bombardeio.
Dualidade
Uma pauta que salta aos olhos na mostra são as enchentes no Sul do país, entre o fim de abril e maio de 2024. A fotógrafa Amanda Perobeli venceu na categoria Reportagem com a série As Piores Enchentes do Brasil, feita em Canoas, no Rio Grande do Sul.
Pelos olhos de Amanda, a cidade aparece como um território suspenso entre a água, o desespero e a força dos moradores em continuar existindo.
“O que mais me marcou foi o impacto na vida das pessoas", diz a fotógrafa. "Centenas de milhares de moradores perderam suas casas, seus meios de subsistência e suas memórias”.
A profissional insiste na dignidade como condição inicial de qualquer imagem. “A ética começa antes de levantar a câmera", diz a profissional que afirma evitar sensacionalismo quando o assunto é fotografia. "A dor já está ali, não preciso amplificar isso".
A premiação, ela conta, é também um lembrete do papel do fotojornalismo em tempos de crise climática. “A fotografia pode transformar o invisível em evidência concreta. Ela convoca reflexão”, diz.
O fotógrafo peruano Musuk Nolte, premiado pela série sobre a seca extrema no Rio Amazonas, ecoa esse pensamento.
“A fotografia é apenas uma ferramenta, porque o essencial está nas conversas e memórias que ela desperta”, diz. Musuk percorreu o rio entre o Peru e o Brasil para registrar o que chamou de “um território que excede fronteiras políticas”.
As imagens mostram barcos encalhados, comunidades isoladas e um leito vazio que deveria ser rio.
“Quis somar compreensão sobre o que ocorreu em 2024 e gerar interesse sobre as causas", aponta. "A fotografia documental pode revelar o dia a dia das comunidades de um jeito que escapa ao discurso político ou científico”.
Para Musuk, registrar a seca extrema também exigiu escolhas rápidas em meio a um cenário que mudava dia após dia. Ele conta que a cobertura não foi marcada por decisões difíceis, mas por uma necessidade constante de reagir à urgência do momento.
“Era fundamental entender para onde ir e quanto tempo permanecer em cada comunidade”, diz o fotógrafo.
Musuk reforça que o reconhecimento do projeto pela World Press Photo representa não apenas um incentivo profissional, mas também a chance de ampliar o debate sobre o que ocorreu no ano passado.
“Espero que as imagens encontrem novas audiências e abram espaços de conversa e reflexão”, afirma o fotógrafo.
Entre uma enchente desmedida e uma seca igualmente devastadora, a World Press Photo 2025 coloca o Brasil no centro de um debate que não é só nacional, analisa Flávia.
“A crise climática apareceu de forma muito forte nas fotografias selecionadas", diz a representante da fundação no Brasil. "Tivemos assuntos opostos e ambos urgentes”.
Fricção
Além das pautas ambientais, a mostra se integra à campanha Feminicídio Zero, e destaca trabalhos que tensionam a violência de gênero. A fotógrafa portuguesa Maria Abranches, vencedora na Europa com a série Maria, vê na fotografia uma possibilidade de ruptura.
“Ela torna visível o que muitas vezes é mantido na sombra, nos obriga a encarar o que preferimos ignorar”, afirma.
Para Maria, migrar é uma forma de violência pouco compreendida, já que é atravessada por colonialismo, racismo e desigualdade econômica. As imagens protagonizadas por Ana Maria Jeremias, uma jovem migrante em Lisboa, evocam uma infância interrompida, trabalho doméstico imposto e dependência, diz a profissional.
“A fotografia não resolve nada por si só, mas pode gerar consciência e escuta", diz Maria, que destaca o poder de uma fotografia transformadora feita em uma sociedade que normaliza a violência contra mulheres racializadas.
No dia 17 de janeiro, ela ministra a oficina Fotografia, Memória e Pertencimento. O encontro propõe pensar sobre os desequilíbrios históricos entre quem narra e quem é narrado.
“A fotografia nunca é neutra", opina. "Quero que os participantes reflitam sobre como criar imagens que devolvam dignidade e cidadania às pessoas representadas”.
Gerente de conteúdo da mostra, Joana Klaus fala que a força da exposição está em conectar crises aparentemente distintas. Para ela, as imagens mostram como as crises atuais estão interligadas.
"Temos mudanças climáticas, migrações, guerras, impacto do homem na natureza, ascensão de governos ditatoriais, desafios das mulheres e da comunidade LGBT”, lista. Para Joana, a visita permite ao público perceber de que forma o Brasil está inserido nesse contexto.
Ela destaca também que o retorno da World Press Photo a Salvador reforça o papel da imprensa como instrumento de democratização da informação. “Estamos num momento de muita desinformação e trazer imagens premiadas para o debate baiano é oferecer ao público uma experiência que informa e também sensibiliza”, afirma a gerente de conteúdo.
Salvador
A presença da mostra na Bahia não passa despercebida pela equipe que a conduz pelo país. Para além da estrutura do concurso, Flávia chama a atenção para algo que considera singular: o modo como Salvador recebe o evento.
Ela conta que o esforço da cidade em trazer a exposição por dois anos consecutivos não é apenas logístico, mas simbólico. “A cidade entende a importância da narrativa visual para contar histórias que importam, histórias urgentes que muitas vezes não chegam ao grande público”.
Para ela, há algo particular na recepção baiana: “Salvador reflete esse papel de inserir o público no entendimento da narrativa visual". "A cidade escolhe, pelo segundo ano, trazer um projeto urgente e isso diz muito sobre o compromisso da capital com a cultura e com o acesso à informação".
Flávia também avalia que o fotojornalismo brasileiro vive um momento de forte visibilidade internacional, com agências estrangeiras buscando fotógrafos locais para registrar temas de interesse global.
“O mundo está atento ao Brasil, à Amazônia, às mudanças climáticas e aos nossos conflitos", afirma. "E isso faz com que o trabalho dos nossos repórteres fotográficos ganhe ainda mais relevância”.
A visita à mostra é gratuita e todas as imagens contarão com recurso de audiodescrição. "Talvez o maior mérito da World Press Photo seja lembrar que olhar é sempre um ato político", diz Flávia.
Ela acrescenta que observar o outro exige responsabilidade. "A imagem, quando verdadeira, aproxima o que estava distante e revela o que insistíamos em não ver", afirma.
Serviço
- Exposição World Press Photo 2025
- Local: Caixa Cultural Salvador — Rua Carlos Gomes, 57, Centro, Salvador
- Abertura: 9 de dezembro de 2025, às 19h
- Visitação: 10 de dezembro de 2025 a 1 de fevereiro de 2026
- Horário: Terça a domingo, das 9h às 17h30
- Entrada: Gratuita
- Classificação: 12 anos
- Observações: Você pode ter mais informações pela página do Instagram da Caixa Cultural Salvador (@caixaculturalsalvador) ou pelo telefone (71) 3421-4200
- Acessibilidade: Todas as imagens possuem audiodescrição e acesso para pessoas com deficiência
Brasileiros na World Press Photo 2025
Anselmo Cunha - Vencedor na categoria Individual com “Aeronave em Pista Inundada”, imagem feita durante a enchente histórica no Rio Grande do Sul em 2024.
Amanda Perobelli - Vencedora na categoria Reportagem com a série “As Piores Enchentes do Brasil”, produzida em Canoas (RS).
André Coelho - Vencedor na categoria Individual com “Torcida do Botafogo: Orgulho e Glória”, que registra a celebração dos torcedores após o título inédito da Copa Libertadores da Conmebol em 2024.
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