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Inglês no meio da praça

Publicado segunda-feira, 07 de março de 2016 às 13:14 h | Atualizado em 07/03/2016, 13:29 | Autor: Tatiana Mendonça
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Criado em novembro do ano passado, o Clube Poliglota se reúne semanalmente, e pontualmente, numa praça no subúrbio de Periperi. O Objetivo? Falar inglês

O sol inclemente arqueava os homens que batiam o baba na quadra, dividindo bolas nervosas com umas meninas destemidas que apareceram por lá. Mais adiante, crianças divertiam-se em pula-pulas coloridos naquela suspensão de alegria de não haver amanhã. Era tarde corriqueira de sábado numa praça do bairro de Periperi, subúrbio de Salvador. Antes de o relógio marcar as quatro horas, um grupo distinto começou a se juntar num canto. Quem chegava estendia a mão e dizia: "Hello, how are you?", ao que o interlocutor prontamente respondia: "Fine, thanks, and you?".

Eram membros do Clube Poliglota de Periperi, que começaram a se reunir em novembro passado por iniciativa do funcionário público Jair Neves, 42, que cansou de estudar inglês e não conseguir falar a língua. Depois de receber missionários estrangeiros em casa, foi ganhando coragem e reparou que talvez esse aprendizado fosse mais caso de interação social que de didática. "Perca o medo de falar. Você é capaz, basta acreditar. Aqui, um é amigo do outro", dizia num microfone vermelho para abrir os trabalhos daquele sábado. Em círculo, cerca de vinte pessoas o ouviam.

Gabriel, 7, autodenominado "filho do chefe", quase desaparecia entre eles. "Comecei a falar inglês pequeno, com cinco, quatro... Não, com dois anos! Na verdade, desde antes de eu nascer meu pai já planejava que eu falasse inglês".  Os amigos de conversação de Gabriel são jovens adultos que, em sua maioria, aprenderam os rudimentos da língua por persistência, vendo aulas na internet e filmes na televisão, sem pagar por curso algum. Depois da breve apresentação, eles sentam-se numa lona preta estendida na grama, apoiada por umas pedrinhas nos cantos, e começam a conversar. O clube leva o nome de poliglota, mas por ali se fala mesmo é inglês, o mais perto que chegamos do sonho do esperanto.

Um ou outro membro do grupo se arrisca em outros idiomas, como Marcos Yury Santos, 23, um dos organizadores do clube. Sozinho, aprendeu espanhol e italiano e está querendo estudar russo, tupi e hindi. "Gravei um vídeo cantando uma música em hindi que foi compartilhado por Shahrukh Khan, um dos maiores atores da Índia, e aí foi uma loucura". O vídeo, postado no Twitter do astro de Bollywood, teve mais de oitenta mil visualizações.

No dia em que acompanhamos o encontro do clube, os alvos foram três estrangeiros da Namíbia que aportaram por lá. Passaram por verdadeiro inquérito para saber como era a vida no seu país. Ally  Gurirab, que veio para o Brasil para aprender português, respondia às perguntas tímido e pacientemente. Que a Namíbia era um lugar pequeno comparado ao Brasil, onde se falam tantos dialetos que ele mal consegue conversar com o avô, e que estava triste porque chegou dois dias depois do Carnaval. Não, não conhecia a Metralhadora, e estava gostando daqui porque as pessoas estão sempre sorrindo.

Dominar o mundo

A estudante Ione Souza, 19, era uma das entrevistadoras de Ally. "Aqui a gente pode praticar sem estar confinada no ambiente faculdade-casa". A diversão  ficou por conta do estudante Marcos Barbosa, que aprendeu inglês com Jackie Chan e que produz filmes de ação. Ali, ele ficou famoso por imitar Sílvio Santos em inglês. "Have you bought Tele Sena?" (Você comprou a TeleSena?), gracejava com quem passava.

Os encontros têm apoio do Clube Poliglota Salvador, criado há quase um ano pelo estudante Gerlon Magalhães, 25, que não se conforma de no Brasil se falar uma única língua. Ele teve a ideia vendo a página da pioneira Polyglot Club, de Paris. A primeira reunião aconteceu no Instituto de Letras da Ufba e ganhou o nome de Café Poliglota. Lá, todas as quartas, eles falam inglês, italiano e espanhol. No sábado, é a vez de Periperi, e no domingo o clube realiza o Piquenique Poliglota na Barra. "Our plan is to dominate the city" (Nosso plano é dominar a cidade), ri. Talvez seja sério.

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