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ABRE ASPAS

Maria Homem: “A gente demonizou a sexualidade e recalcou a pulsão e o corpo”

Psicanalista estará no talk show Prazer, Traição e Liberdade: O Sexo Mosaico, em Salavdor

Por Marcos Dias

20/10/2024 - 10:00 h
A psicanalista Maria Homem
A psicanalista Maria Homem -

“O divã não tem preconceito”, diz a psicanalista Maria Homem nesta entrevista, a respeito da variedade de assuntos que podem ser tratados em sessões de análise. No dia 13 de novembro, ela apresenta em Salvador, às 20h, no Sesc Casa do Comércio, uma dimensão inescapável da experiência humana no talk show Prazer, Traição e Liberdade: O Sexo Mosaico, em que reflete e faz refletir sobre a complexidade das relações atuais, da sexualidade e as diversas formas de prazer e relacionamentos.

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Autora de livros como Coisa de menina? Uma conversa sobre gênero, sexualidade, maternidade e feminismo (com Contardo Calligaris), entre outros, a psicanalista é pesquisadora do Núcleo Diversitas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pós-graduada em Psicanálise e Estética pela Universidade de Paris VIII / Collège International de Philosophie.

Longe do imaginário da psicanálise como algo cifrado e para poucos, o canal dela no YouTube [@MariaHomem] conta com 320 mil inscritos e 451 vídeos publicados e, além das publicações semanais, Maria também promove cursos online [mariahomem.com].

Essa atuação virtual, de acordo com ela, não foi nada planejada e está mais para o que os gregos chamavam de “a seta do acaso”: a partir de aulas que dava numa faculdade de cinema e na Casa do Saber, os estudantes diziam que ela precisava de um canal, além de filmarem trechos de aulas, palestras e entrevistas: “Foi assim, por acaso, humildemente, despretensiosamente, e foi ganhando tração porque a psicanálise funciona, ela é uma maravilhosa lupa da alma, uma lente para você ler o mundo, que é tão complexo”.

Você está vindo apresentar em Salvador o talk show Prazer, Traição e Liberdade: O Sexo Mosaico. Do que trata, propriamente, a noção de ‘sexo mosaico'?

Vamos pensar o que não é o mosaico: é uma linha que suporia que o menino encontra a menina, o macho plugando a fêmea, e que isso é uma relação, vamos dizer, integral, inteira, harmônica, natural e que uma vez encontradas as duas caras metades, as duas gônadas, os dois sistemas yin e yang, você se juntaria nele, ficaria acoplado e viajaria para a viagem sideral para sempre, num pacto monogâmico, feliz e estável. O que a gente observa no mundo? O mundo revela que a coisa não é bem assim, não é a junção de duas metades complementares, às vezes a gente tem outros apaixonamentos e a vida é, na prática, bem mais complexa, ela é um mosaico, é poliédrica. É isso, pensarmos as relações atuais, mais que a ideia príncipe e princesa.

Essas formas contemporâneas de relacionamentos parecem se opor ou, pelo menos, conflitar com expectativas sociais sobre relacionamentos oficiais, como casamento ou uniões estáveis. Roland Barthes, por exemplo, questionava quando lhe falavam sobre a viabilidade de outros relacionamentos amorosos, retrucando: "Por que durar é melhor que inflamar?". Isso tem a ver com as expressões atuais?

Tem, inclusive tem outra coisa que Barthes no século 20 está retomando, aplicada ao amor, uma questão filosófica mais antiga, igualmente complexa, que está desde a Ilíada de Homero. O que é melhor: uma vida longa e sem glória ou uma vida breve e com uma glória heroica? Essa é a questão de, por exemplo, nosso grande guerreiro Aquiles. E o herói, sobretudo o herói trágico, escolhe normalmente se lançar na batalha, na guerra, na luta, e dar o sangue. É a intensidade versus a longevidade. Essa é uma questão muito antiga, a segurança versus a volúpia, o intenso, o inflamado, o passional. Essa é uma questão humana já de milênios.

Questões sobre sexo, prazer e relacionamentos têm prevalência na sua experiência clínica comparada a outras questões?

Olha, eu diria que o divã não tem preconceito. É muito importante o corpo, a pulsão, porque somos corpo, somos pulsão, a gente pulsa, a gente se atrai, a gente se repele. Agora, a gente também é amor, pacto, cumplicidade, cuidado, segurança, insegurança, e a gente também é narcisismo, imagem, 'o que acham de mim?', 'quanto valho?’, qual é o reconhecimento do outro, e também o que é trabalhar, o que é estar no mercado, estar em um elo comunitário, o que é a vida política, o que é o mundo, quem sou eu no mundo, as questões existenciais. Eu não faria, assim, uma valoração sobre o que é mais relevante, ainda mais que cada um vai saber onde o calo aperta. Te dei vários exemplos, abrindo a caixinha de Pandora de cada um, a gente vai descobrir onde que dói.

A busca pelo prazer, para a psicanálise, expressa nossa pulsão de vida. Qual o movimento psíquico necessário para que as pessoas se autorizem a viver o que lhes dá prazer?

Conexão consigo mesmo. Porque qualquer vida pulsa, por isso que a gente está vivo. Se você está deprê, melancólico, sem rumo, sem saber o que fazer da vida, é porque tem alguma coisa atrapalhando esse caminho. Se você está vivo e respira, você tem pulso. Por isso que a gente diz, pega o pulso. E se você não está conectado com o seu próprio pulso, aí a pergunta é o que é que está reprimindo essa conexão, o que é que está estrangulando.

E qual seria a medida, assim, para o prazer não "descambar" para o gozo, no sentido psicanalítico de se avizinhar de algo maníaco, mortífero, a pulsão de morte exatamente?

De novo, é conexão consigo mesmo e análise daquilo que está precisando se repetir, que não está ainda muito atravessado. Porque a pulsão de morte é repetição, é a repetição mortífera, a compulsão a ficar patinando no mesmo lugar. Por que? Porque alguma coisa ali está doendo, está traumatizada, está com uma ferida aberta que não foi ainda elaborada. Então, é palavra, palavra, palavra...

Em relação aos vários temas que você vai tratar na sua apresentação, me ocorreu um pensamento do psicanalista Adam Philips que fala espirituosamente, mas não apenas, que a única relação monogâmica possível é a masturbação. O que pensa disso? Essa prática ainda é um tabu?

Eu vou complementar o Adam Philips, na verdade, eu vou me contrapor a ele. Eu o adoro, escreve muito bem também, mas eu diria o seguinte: nem a masturbação é monogâmica. Por que? A masturbação é didática nesse sentido de que a relação sexual funciona como uma fantasia. Você pensa alguma coisa, você vê alguma revista, um filme, uma imagem, é nosso imaginário a fantasia. Tanto que a masturbação ajuda a gente ir investigando as nossas fantasias inconscientes. Então, tem uma população dentro das nossas fantasias. Às vezes, para você gozar em uma ação masturbatória, você convoca um casal, uma dupla, dois amigos, duas mulheres lhe acariciando, digamos assim, então, onde isso é monogâmico?

O que eu diria é assim, a real da única monogamia possível é a da gente com a gente mesmo, porque da gente a gente não escapa. Então, é o corpo que a gente vai carregar. Agora, quais os personagens reais e imaginários e, claro, simbólicos, que você vai colocar aí nos intercursos, sejam individuais, você com a sua mão masturbatória, você com a mão do outro, a boca do outro, o pau, a vagina, ou de outros, duplas, trios e tal, é indiferente. Sem moralizar, tanto faz, vai depender da estrutura de fantasia de cada um.

Mas será que a masturbação é um tabu hoje? Acho que bem menos do que já foi, porque, na verdade, ela é quase uma educação sexual, é um momento em que você anda se descobrindo, sabendo o que te liga e que te desliga na excitação, inclusive hoje a gente tem a explosão econômica dos sex shops e dos vibradores; revistas antes de família, a revista Claudia, faz matérias sobre os tipos vibradores, o ponto G e o clitóris, a dupla penetração, a tripla, para ensinar sobretudo às mulheres, para deixar as mulheres poderem se conhecer depois de milênios de recalque histórico. E os homens também. As mulheres têm que conhecer o corpo, a pulsão e a sexualidade, e os homens conhecer o amor, a conexão afetiva, o olhar no olho, o poder além de enfiar um pau em um buraco, se eu posso falar assim.

Em relação ao inconsciente, podemos dizer que, frequentemente, as pessoas não sabem o que desejam de verdade?

Super, sem dúvida. Por isso que seria interessante a gente analisar. E por isso que a gente fica muito angustiado, normalmente, porque tem uma cisão. Aquela frase famosa do Lacan: "Você quer o que você deseja?". Normalmente, a gente se conflita, a gente nem quer, a gente nega, a gente se aliena, a gente finge que não entende, a gente não entende mesmo.

A religião, sublinhando os credos cristãos, mas não apenas, representa alguma barreira em relação a uma vida mais prazerosa?

Eu acho que a religião, historicamente, tem uma dupla função. A primeira é fazer uma esfera imaginária de proteção, então, eu estou amparado. Como diria Freud, a gente se pergunta sobre a condição humana, o mistério da condição humana vagando, frágeis animais minimamente conscientes vagando numa bola de fogo que está se esfriando num universo infinito. Isso pode dar muita angústia, digamos, existencial, e você se pergunta, é uma sensação de desamparo e de interrogação sobre a origem da vida e sobre o depois da morte.

Então, a religião te dá uma narrativa, uma história para dar conta disso – alguém criou a vida, alguém vai te receber depois da morte e ordena essa grande linha narrativa. E o segundo grande bloco, que é uma função da religião, vamos dizer assim, é de práticas que dariam normas, o que é o bem, o que é o mal, o que é o certo, o que é o errado, normas de conduta. O que você tem que fazer? Você tem que fazer isso, aquilo não, aquilo é pecado. Com isso você vai pro céu, com isso não. Aqui você reza três orações. Então, nossa busca de sentido da vida e de discussão moral são buscas muito ancestrais, e a sexualidade entra aí: será que eu estou fazendo a coisa certa, será que eu posso ou não?

E a gente demonizou a sexualidade e recalcou a pulsão e o corpo. A gente sempre se assustou com os nossos impulsos, tanto sexuais quanto agressivos e destrutivos, as duas grandes linhas pulsionais, e acho que a gente está num momento de cultura que está mais maduro para poder se pesquisar, se descobrir, não inventar tantas narrativas de proteção e nem escapar tanto do corpo e da pulsão e, portanto, da sexualidade.

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