MUITO
Memórias vivas: conheça casas que contam histórias de artistas baianos
Casa do Rio Vermelho terá uma programação especial para celebrar aniversário
Por Pedro Hijo
A biblioteca com centenas de livros lidos por Zélia Gattai e Jorge Amado. As paredes que deram abrigo aos sonhos juvenis de João Gilberto. A sombra das árvores com imensas copas sobre a piscina onde Carybé mergulhava. Nas casas desses artistas, criou-se não só um lar, mas também um símbolo de legados que ganharam o mundo.
Na última quinta-feira, 7, a residência número 33 da Rua Alagoinhas, em Salvador, comemorou uma década desde que abriu as portas para apresentar ao público o memorial A Casa do Rio Vermelho. O local onde o casal de escritores Jorge Amado e Zélia Gattai viveu, por aproximadamente quatro décadas, se tornou um museu com um rico acervo de uma história que celebra a cultura baiana.
Apesar da data de inauguração, o espaço já era visitado por amantes da literatura do casal antes mesmo de virar um memorial. Segundo a publicitária e diretora do espaço, Maria João Amado, depois da morte de Jorge, em 2001, era comum que fãs e curiosos batessem à porta para matar as saudades. Zélia deixava que entrassem. "Chegou um momento em que ficou claro que não tinha como essa casa não virar um centro de visitação", diz Maria, que é neta do casal.
O projeto para transformar o lar em museu levou alguns anos. Zélia, que morreu em 2008, não conseguiu ver o memorial pronto. No entanto, apesar das adaptações e reformas, o resultado do espaço é muito próximo do que era enquanto morada. "A gente acredita que o visitante vem para viver o que os meus avós viviam, para saber quem eram os amigos, o que eles gostavam de almoçar", diz Maria João.
Este mês, a Casa do Rio Vermelho terá uma programação especial para celebrar o aniversário. Entre as atrações, uma oficina vai tratar sobre as adaptações das obras de Jorge Amado para a televisão e o cinema, duas das vias pelas quais o legado do escritor é passado para novas gerações, de acordo com Maria João. "É só ver uma menina entre dois meninos para falar que ela é Dona Flor, e eles, os dois maridos", diz a publicitária. "Jorge Amado é um autor que está no ideal coletivo da sociedade".
De acordo com a mestre em comunicação e cultura contemporânea Thaiane Machado, que vai ministrar com Amanda Aouad a oficina Do Livro às Telas, o contato com os personagens de Jorge nas obras audiovisuais é uma ponte para os livros do autor: "É uma literatura atemporal".
Aproximar uma nova geração dos livros de Jorge Amado é uma das estratégias da Casa do Rio Vermelho, de acordo com Maria João. "Os jovens de hoje têm medo dos clássicos", opina. "Quando eles pensam em ler um livro antigo, eles não veem isso como uma coisa massa, pensam que é algo fora de moda, mas, quando chegam na Casa, se encantam pela linguagem lúdica que oferecemos". A utilização de tecnologia em todo o memorial foi a forma de "seduzir este público", segundo Maria João.
Um exemplo de que a estratégia tem dado certo é a fila de espera do memorial para visitação de escolas. Em alguns momentos do ano, o tempo de antecipação de agendamento é de um mês. A Casa do Rio Vermelho recebe visitas de dois grupos escolares por dia todas as terças, quintas e sextas, com limite de 50 alunos por vez.
"Esses encontros são uma forma de aproximar jovens do pertencimento cultural baiano", diz Maria João. Para ela, essa é uma demonstração de como memoriais podem ajudar não apenas na preservação do legado de grandes artistas, mas também na renovação de público e no aumento de escritores que se inspiram nos clássicos.
Thaiane cita alguns autores contemporâneos que bebem da fonte de Jorge e Zélia. Entre eles, a escritora Analu Leite, de Itajuípe, no Sul da Bahia, que lançou o livro Verdades de Papel no ano passado. A história da obra se passa na região cacaueira da Bahia numa época que não foi abordada na literatura de Jorge Amado.
"O período da exploração das grandes indústrias nas áreas tomadas pela devastação foi algo que Jorge não retratou e que Analu faz questão de trazer", diz Thaiane. A autora estará presente num encontro entre escritores no memorial na próxima quarta-feira, 13, e vai falar sobre a importância da preservação da literatura que se inspira na regionalidade.
Bossa Nova
Assim como a residência de Jorge e Zélia, outra casa continua de pé, mais ou menos como na década de 1950. Em Juazeiro, no Norte do estado, as paredes azuis que abrigaram a infância e a adolescência do compositor João Gilberto hoje testemunham visitantes do Memorial Casa da Bossa Nova. Localizado ao lado de uma catedral, na Rua Juvêncio Alves, no centro de Juazeiro, o lugar guarda um acervo de lembranças do intérprete de Wave e Desafinado.
A casa espaçosa, com um muro virado para o rio São Francisco, abrigou a família de João Gilberto durante boa parte da vida do juazeirense. Ao completar 18 anos, o compositor migrou para Salvador e a casa se transformou numa escola infantil. Mais tarde, em 2019, a residência se tornou sede da Secretaria de Cultura, Turismo e Esportes da prefeitura de Juazeiro.
O memorial em homenagem a João Gilberto foi montado na sede no mesmo ano. Lá, estão discos clássicos do compositor como Chega de Saudade, de 1959, considerado o primeiro lançamento da história da Bossa Nova. O espaço ainda conta com uma plotagem com fotos que retratam a história de João Gilberto, localizada no quintal da casa.
O jornalista Lucas Matheus Barros, de 30 anos, é fã do compositor juazeirense, adora visitar o memorial e conta que já chegou a conversar com a irmã de João Gilberto, Maria Olívia Oliveira, conhecida como Vivinha. “Ela me contou que ele fugia da casa de madrugada para tocar e voltava com os sapatos na mão para não fazer barulho”.
Para Lucas, a localização da residência foi essencial na criação do modo único de João Gilberto tocar violão. “É uma casa muito próxima do rio São Francisco, ao lado da Matriz de Nossa Senhora das Dores, acredito que esses sons contribuíram para uma cadência e um ritmo que João incorporou no seu modo de tocar”.
De acordo com o assessor de projetos culturais da prefeitura de Juazeiro, Edvaldo Franciolli, há uma proposta de transformar o memorial em algo maior. A ideia é que a casa deixe de ser a sede da secretaria e passe a ser uma réplica da residência de João Gilberto. O projeto tem como inspiração A Casa do Rio Vermelho, de Jorge e Zélia. “Ainda está no papel, mas a ideia é buscar parceiros para transformar a casa num centro de visitação”, diz Franciolli.
Centro de visitação
Em Salvador, a casa em que o artista visual Carybé morou de 1961 a 1997 também é um centro de visitação. O fã do argentino que mais amou a Bahia deve, no entanto, deve agendar a visita para que um membro da família de Carybé possa guiar o passeio.
À frente do memorial, Solange Bernabó, filha do artista, também morou na casa localizada no bairro de Brotas. Por lá, é possível visitar o estúdio onde o artista trabalhou, além de admirar algumas peças, gravuras e livros de autoria dele. “É um lugar onde eu passei a minha infância e a minha juventude”, diz Solange. “É um espaço muito importante como legado”.
Além da casa em Brotas, o legado da arte de Carybé é mantido por outros dois espaços em Salvador. Na Barra, estão a Oxum Casa de Arte, uma loja especializada no trabalho de Carybé que oferece produtos com a marca do artista, e o Espaço Carybé das Artes, no Forte e São Diogo, um centro cultural que apresenta gravuras, desenhos, ilustrações, cerâmicas, esculturas e murais do argentino de maneira interativa.
Para Solange, é muito importante que jovens conheçam o patrimônio cultural de onde nasceram. “Muitas pessoas acham que São Paulo é mais cultural que a Bahia, que só tem artista bom nos Estados Unidos, e não veem a beleza de Salvador”, afirma.
Equipamento coordenado pela prefeitura de Salvador, o Espaço Carybé das Artes foi pensado para transmitir a arte do argentino para um novo público. A estratégia de oferecer as obras de Carybé por meio de painéis virtuais atrai a visitação de estudantes de escolas que aprendem al, sobre o legado do artista. “As crianças adoram porque tem muito da interação, tem projeções, é muito divertido ver a arte do meu pai se conectando com um novo público”, afirma a filha de Carybé.
Serviço
Programação de 10 anos da Casa do Rio Vermelho
Dia: 13/11
Local: Casa do Rio Vermelho, Rua Alagoinhas, 33, Rio Vermelho
O que: Encontro O que apaixonados por literatura pensam sobre...
Quem vai: João Jorge Amado, Antônia Herrera, Gildeci Leite, Analu Leite e Maria João Amado.
Horário: Das 16h às 18h
Inscrições gratuitas no site escoladepensar.com.br
Dias: 18, 25/11 e 01/12
Local: Casa do Rio Vermelho, Rua Alagoinhas, 33, Rio Vermelho
O que: Do Livro Às Telas - Adaptação literária para TV e cinema com obras de Jorge Amado
Quem vai: Thaiane Machado e Amanda Aouad
Horário: Das 14h às 18h
Inscrições custam R$ 150 e podem ser feitas pelo site escoladepensar.com.br
Dias: 13/12, 10/01 e 14/02
Local: Casa do Rio Vermelho, Rua Alagoinhas, 33, Rio Vermelho
O que: Clube do livro
Quem vai: Thaiane Machado e Maria João Amado
Horário: Das 16h às 18h
Leitura dos livros: A morte e a morte de Quincas Berro d’Água (dezembro); Mar Morto (janeiro); Os velhos marinheiros (fevereiro)
Inscrições custam R$ 90 e podem ser feitas pelo site escoladepensar.com.br
Para visitar:
A Casa do Rio Vermelho
Endereço: Rua Alagoinhas, 33, Rio Vermelho, Salvador
Horário: Terça a domingo, das 8h às 18h (entrada até as 17h)
Contato: (71) 99626-1036
Preço: R$ 20 inteira, R$ 10 meia e gratuidade nas quartas-feiras.
Instituto Carybé
Endereço: Rua Medeiros Neto, 9, Engenho Velho de Brotas, Salvador
Horário: Visitação deve ser agendada por meio dos perfis do Instagram ou Facebook @carybe_oficial e @oxum.casadearte
Contato: (71) 3336-9774
Preço: Gratuito
Memorial Casa da Bossa Nova
Endereço: Rua Juvêncio Alves, Praça Imaculada Conceição (Praça da Bandeira), nº 20, Centro, Juazeiro, Bahia
Horário: Segunda à Sexta-feira, das 8h às 14h
Contato: (74) 3612-3500
Preço: Gratuito
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