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Olhares: Os aficionados por fotografia
Confira a coluna Olhares deste domingo
Por Cristina Damasceno*
Encontrar pessoas que compartilhem o mesmo interesse pela fotografia e um espaço que promova exposições, trocas de conhecimento e habilidades, acredito ser o sonho de muitos entusiastas pela atividade fotográfica.
Animada em ver o resultado de uma experiência como esta, visitei a exposição intitulada Movimentos, organizada pelo Salvador Foto Clube (SFC), em comemoração aos seus 20 anos de existência. Inspirado em trechos do romance Torto Arado, do baiano Itamar Vieira Junior, vencedor dos prêmios Jabuti e Oceano, a exposição reuniu 37 fotografias de membros do fotoclube.
A apresentação das fotografias foge da forma tradicional de exibição e foram impressas em tecidos em vez de papel. As imagens foram ampliadas em escala grande, possibilitando uma fluidez nas composições.
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Acompanhadas por títulos que se relacionam ao tema abordado, as fotografias expostas refletem muitas vezes um olhar concreto sobre a realidade, a exemplo de Liberdade, de Allan Silva, que expressa a nitidez de um pássaro em pleno voo, se destacando em um céu azul; Ondulação – Movimento da natureza, por Antônio Studart, que captura o movimento das ondas do mar congelado em frações de segundos, entre outras.
Também foi possível ver algo mais subjetivo citando as imagens de Ulla von Czékus e Ana Kruschewsky. A primeira elaborou um trabalho em preto e branco, monocromático, com múltiplas exposições, denominado Sofá. Os tons de cinza presente entre as cores branco e preto e ao sobrepor uma imagem em cima da outra caracteriza uma cena banal, onde alguém está sentado no sofá e lembra o esboço de um desenho.
A segunda também apresenta uma múltipla exposição com o título Metamorfose. No centro, o modelo com olhos fechados é retratado em um ângulo fechado, mostrando apenas sua cabeça e ombros. Esta imagem principal é replicada aparecendo de forma enevoada, sugerindo várias interpretações.
Todas as fotografias exibidas têm qualidade técnica impecável, contudo, a que eu mais gostei foi Conectados, de Vicente Reis, que aponta para pessoas com celulares fotografando o cenário e outras se conectando em meio ao movimento de passageiros numa plataforma de trem. Acredito que o local foi no subúrbio de Salvador, no período da pandemia, pois todos estão de máscaras. Nesta composição bem elaborada, as cores se destacam, traduzindo uma dinâmica e refletindo a temática da exposição.
A mostra itinerante esteve em cartaz até o final de setembro no Teatro Gregório de Mattos e seguiu para o Museu Regional de Arte (Cuca), em Feira de Santana, sendo possível visitar até 30 de novembro.
Trocas e discussões
O Salvador Foto Clube surgiu em agosto de 2004, a partir de um curso ministrado pelo experiente fotógrafo carioca Walter Firmo. Diante da necessidade de se criar um espaço de trocas e discussões sobre a prática e teoria da fotografia na cidade, a agremiação foi composta, inicialmente, por 12 fotógrafos.
Atualmente, o clube possui 60 integrantes e, para participar, é necessário ter uma vivência e contato com a fotografia e ser indicado por alguém da área. Segundo a atual diretora do clube, Marta Suzi, um dos principais objetivos do coletivo é constituir possibilidades de valorização da fotografia com outras linguagens da arte, dando voz a questões contemporâneas. Ela enfatiza a participação do clube em bienais e concursos fotográficos e lembra que em 2023 receberam medalha de ouro na Bienal da Fotografia em Cores da Confoto, Confederação Brasileira de Fotografia.
História
Os primeiros fotoclubes foram criados na França e Inglaterra, após o descobrimento da fotografia. Entretanto, a propagação desta atividade ganhou destaque no final do século 19 e início do século 20, na maior parte dos centros urbanos do mundo.
Impulsionado pelo Movimento Pictorialista, que almejava atribuir um sentido estético e por sua vez artístico à fotografia, surgiu a criação de muitas associações e clubes de fotografia. Estes espaços tiveram um papel crucial na formação de muitos fotógrafos e tornaram-se polos de trocas de conhecimento de novos materiais e técnicas, já que não existia nenhuma instituição de ensino da fotografia na época.
Os participantes seguiam uma agenda repleta de eventos em que eram organizados exposições e concursos nacionais e internacionais, proporcionando intercâmbios entre os clubes em diferentes países.
No Brasil, a formação dos primeiros fotoclubes datam das primeiras décadas do século 20: o Photo Club do Rio de Janeiro e o Photo Club Brasileiro.
Contudo, foi só a partir da fundação do Foto Cine Clube Bandeirante, em 1939, que a atividade fotoclubista se espalhou pelo Brasil. A agremiação exerceu muita influência, até o final dos anos 1960, no panorama da fotografia do período. Com sede própria, revista e promovendo muitas exposições, eles ajudaram na criação de outros clubes brasileiros.
Os primeiros na Bahia
A primeira forma de fotoclubismo na Bahia surgiu com a Associação de Fotógrafos Amadores da Bahia (AFAB), em abril de 1957, tendo o médico especialista em análises clínicas, Gilberto França Gomes, como sócio fundador.
Em 1961, a Associação organizou, juntamente com a diretora do MAM Bahia, Lina Bo Bardi, o Primeiro Salão Nacional de Arte Fotográfica da Bahia, que é um marco importante para a entrada da fotografia como expressão artística no campo das artes na Bahia. Alguns anos após a realização do primeiro salão, a Associação finda suas atividades.
A segunda tentativa da atividade fotoclubista no estado se deu com a criação do Foto Cine Clube da Bahia, FCCB, pelo jurista José Mario Peixoto Costa Pinto. O FCCB realizou cinco salões de fotografia, os dois primeiros aconteceram na capital baiana e os outros três últimos na cidade de Cachoeira, Recôncavo da Bahia.
Em Salvador, o clube dispunha de um laboratório fotográfico, resultado de um convênio assinado com o Instituto dos Arquitetos da Bahia (IAB), localizado na Ladeira da Praça. Já em Cachoeira, cursos e seminários foram oferecidos à comunidade, sua atuação na cidade perdurou até 1983, acabando principalmente por falta de apoio institucional local.
Mesmo com o breve período de existência, é fundamental ressaltar a importância destes dois fotoclubes baianos que fomentaram o interesse pela fotografia e propiciaram ao público conhecer a produção fotográfica de dentro e fora do estado.
Certamente, como hobby, a atividade fotoclubista hoje não é a mesma do passado, mas algumas características permaneceram, principalmente a magia de fragmentar o tempo dando-lhe novas possibilidades de interpretação.
*Doutora em Artes Visuais e professora da Escola de Belas Artes (Ufba) | [email protected]
*O conteúdo assinado e publicado na coluna Olhares não expressa, necessariamente, a opinião de A TARDE
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