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Por que baianos estão trocando as novelas da Globo pelos doramas?
Salvador vive boom de fãs de doramas, principalmente entre idosos
Por Pedro Hijo

Por muito tempo, a funcionária pública aposentada Regina Pedroso, 63 anos, se entregou, como tantos outros brasileiros, às novelas. As horas dedicadas às tradicionais histórias divididas em muitos capítulos deram lugar às tramas asiáticas, ainda desconhecidas por ela.
Durante a pandemia de Covid-19, sem saber exatamente no que estava se metendo, deu play em Navillera, um dorama sobre um senhor de 70 anos que resolve realizar um sonho antigo: dançar balé. A partir dali, Regina trocou as novelas brasileiras pelos dramas asiáticos:
Hoje, Globo eu não assisto mais. É só produção coreana na minha casa
Regina não está sozinha. Em Salvador, cresce uma legião de fãs dos doramas, especialmente entre o público acima dos 50 anos. Mulheres e homens que, antes eram fiéis às novelas brasileiras, agora maratonam produções de países asiáticos como Coreia do Sul, Japão, China e Tailândia.
A administradora aposentada, Uilma Carvalho, 62 anos, costuma passar mais de quatro horas por semana assistindo aos doramas. Ela admite que esse número já foi maior. "Na minha fase mais viciada, ia dormir às duas horas da manhã fácil, emendava um episódio no outro", diz.
Diferente das novelas ocidentais, os doramas costumam ter poucos episódios e histórias com começo, meio e fim bem definidos. As tramas misturam romance, drama, comédia e até suspense, sempre trazendo aspectos da cultura local.
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A gerente do restaurante especializado em comida coreana Kion, Andréia Lee, 29 anos, diz que Salvador possui um grupo fiel de fãs dos doramas. "De todas as gerações, mas a terceira idade se destaca", conta.
O estabelecimento localizado na capital baiana virou ponto de encontro para fãs da cultura asiática e adaptou a decoração para atender aos dorameiros. Nas paredes, quadros inspirados nas tramas; nos televisores, clipes coreanos; e no cardápio, pratos que aparecem nas séries. “As pessoas tiram fotos e publicam nas redes sociais, o que nos ajuda a divulgar o restaurante”, conta a gerente, que também se rendeu aos doramas durante a pandemia.
A leveza das histórias é um dos grandes atrativos

Andréia explica que parte do apelo dos doramas está na leveza das tramas, algo que, ainda de acordo com ela, falta nas novelas brasileiras. “Você liga a televisão hoje e é só notícia ruim, novela cheia de maldade", opina.
O dorama tem conflito, claro, mas de um jeito que acalma. A gente termina de assistir com o coração quentinho
Outro aspecto que pode explicar o sucesso das tramas asiáticas com o público idoso é a identificação. Para Regina, as produções sempre contam com atores mais velhos em papeis de destaque. "Eu me vejo ali", relata. "É possível ver protagonistas de 80 ou 90 anos, contracenando com outros de 40", diz Regina, que chegou até a estudar coreano por alguns meses, tamanha a paixão que desenvolveu.
Outro atrativo poderoso é o formato. Enquanto séries americanas esticam temporadas por anos e novelas brasileiras podem durar meses, os doramas são enxutos e diretos. “A gente não fica preso eternamente naquela história. Isso, para mim, é perfeito”, ressalta Uilma.
Para Regina, a hora de ver o dorama é o momento de relaxamento do dia. "Eu e meu marido temos o combinado de que um não pode assistir sem o outro, é algo que fazemos juntos".
Baianos aprendem coreano e viajam para conhecer os cenários reais

Foi em 2018 que Uilma, a contragosto, aceitou a insistência da irmã e deu uma chance a Chocolate, um dorama que mistura gastronomia e ambiente hospitalar. “No começo achei meio lento, mas, nossa, ainda bem que insisti", diz. Para ela, o mais encantador é testemunhar as culturas asiáticas, desde gestos simples, como tirar os sapatos na entrada de casa, até o respeito que os personagens têm no trato do dia a dia.
O que começou como passatempo virou ponte para experiências reais. No ano passado, Uilma e a irmã que a incentivou a virar dorameira viajaram para a Tailândia para conhecer de perto a cultura que, até então, só tinha visto pela televisão.
Desde que começou a assistir as produções, desenvolveu interesse pela culinária asiática, que tenta reproduzir em casa. “Se falam que tem comida coreana, eu estou dentro", diz a aposentada, que é cliente do restaurante Kion.
Como Globo e streamings estão reagindo ao crescimento dos doramas

Apesar de se dedicar com mais afinco aos doramas, Uilma diz que ainda tenta assistir às novelas brasileiras. "Sempre foi um costume", conta. Mas este é um hábito que ela tem deixado de lado cada vez mais, principalmente, pelo tamanho das tramas. A TV Globo e streamings como Netflix e HBO Max estão atentos a essa fatia de mercado com produções inspiradas em doramas já agendadas.
A Globo deve apostar em um novo formato de novelas curtas, com cerca de 60 capítulos e episódios de até meia hora. A proposta busca modernizar a dramaturgia da emissora com tramas mais ágeis, poucos personagens e produção mais enxuta.
Já a HBO Max, lançou a série Além do guarda-roupa, que mistura atores brasileiros e coreanos, e foi gravada no bairro do Bom Retiro, em São Paulo – conhecido pela forte presença da comunidade coreana. De acordo com o streaming, o Brasil já é o terceiro maior público de doramas no mundo, atrás apenas dos EUA e da Coreia do Sul.
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