LITERATURA
Salvador recebe feira inédita com autoras de toda a Bahia
Evento celebra literatura feita por mulheres na Bahia, de 7 a 9 de novembro

Por Pedro Hijo

Quando a escritora Clarissa Macedo idealizou o Encontro de Autoras Baianas, há quatro anos, o mundo ainda se equilibrava entre as incertezas do isolamento causado pela pandemia.
No entanto, das telas e das conversas oportunizadas pelo espaço virtual, surgiu o desejo de tornar física a troca que ali tinha começado. Este ano, o evento ganha nova roupagem, em formato de feira, e ocupa o Goethe-Institut, em Salvador, entre os dias 7 e 9 de novembro.
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"Fazer de forma presencial tem um charme próprio", conta Clarissa. Segundo a criadora do evento, a ampliação trouxe novos gestos: oficinas, mesas, saraus, concursos, feirinhas de livros e capacitações para educadoras. Uma estrutura pensada para acolher o público leitor e formar novas gerações.
“A ideia é mostrar que a literatura pode ser divertida, que ela está viva e conversa com o mundo de hoje”, afirma.
Para Clarissa, a primeira Feira Literária de Autoras Baianas – Marcas Contemporâneas é, antes de tudo, uma celebração da pluralidade. A diversidade começa no time escalado por ela: são autoras de diferentes origens, formações e trajetórias reunidas para refletir sobre o papel da palavra feminina.
O evento apresenta debates sobre crítica literária e feminismo e mesas que tratam da literatura indígena e LGBTQIAPN+, entre outras.
Pluralidade
A escritora e mediadora Kátia Borges celebra o foco na literatura escrita por mulheres da Bahia. “Lançar luz sobre essas autoras é iluminar o trabalho literário que elas realizam”, afirma.
Kátia conduz o painel sobre literatura LGBTQIAPN+, espaço que promete ser de compartilhamento de vivências pessoais e literárias. Para ela, o maior obstáculo de mercado ainda é a valorização da autoria. “Quando há muitas mulheres finalistas em grandes prêmios, isso vira notícia", provoca. "Ainda é um avanço tímido, mas é inegável que estamos em um processo de reconhecimento e resgate”.
A feira também é uma oportunidade de diálogo entre gerações, segundo Clarissa. Ao homenagear a poeta, jornalista e escritora baiana Myriam Fraga, o evento propõe um encontro simbólico entre passado e presente. Nascida em Salvador, em 1937, Myriam construiu uma das obras mais importantes da literatura baiana contemporânea.
Dirigiu a Fundação Casa de Jorge Amado e se destacou pela escrita que une delicadeza e vigor, memória e experimentação. A obra da baiana atravessa temas como a identidade feminina, o tempo e o silêncio, o que a torna uma referência para gerações posteriores de autoras, de acordo com Clarissa.
“Até o olhar sobre Myriam ganha um frescor [na feira]. A ideia é trazer uma mirada contemporânea sobre temas que nos atravessam há tanto tempo”, diz a idealizadora do evento.
Entre as convidadas, a escritora e performer Jovina Souza ressalta o poder revolucionário da presença feminina negra nos espaços literários. “Quando uma mulher da pele da cor preta toma o microfone e o lugar da voz, isso é uma revolução”, afirma.
Na obra de Jovina, corpo e palavra se entrelaçam como elementos de resistência. Para a autora, a feira também representa um gesto político de inclusão e reparação simbólica. “A literatura escrita por mulheres ainda está ausente dos livros didáticos e do sistema literário do país", afirma.
Jovina acredita que o evento pode inspirar novas gerações a compreender que os subalternizados devem se unir e construir aquilo que precisam. "Porque seus opressores não vão lhes dar o que decidiram tirar”, diz.
A presença de autoras indígenas reforça a proposta de uma literatura que se expande para além do papel. Para a escritora Ane Kethleen, a literatura é uma forma de sobrevivência: “É um espaço onde nossas vozes, que por tanto tempo foram silenciadas, agora podem ecoar com força".
Ela afirma que faz da escrita uma arma de luta e resistência, pois é por meio da literatura que carrega suas histórias. Ane vê a tecnologia como uma aliada da oralidade ancestral. “Ela permite registrar e compartilhar as narrativas do nosso povo", diz. "É uma ponte entre passado e futuro, uma maneira de garantir que as próximas gerações saibam de onde vieram”.
Novas narrativas
Entre as mesas da programação, temas como literatura infantil, crítica e ficção científica também ganham espaço. Para Clarissa, abordar esses gêneros sob o olhar das mulheres é essencial para desestabilizar antigas hierarquias da escrita.
“Durante muito tempo, a literatura infantil foi tratada como menor, e a ficção científica como um campo masculino”, comenta. “Mas as autoras baianas têm mostrado que esses espaços também podem ser potentes, críticos e profundamente transformadores”.
A poeta e arte-educadora Lílian Almeida conduz na feira a oficina "Literacura", que transforma a escrita em ferramenta de autoconhecimento. Criada durante a pandemia, a proposta nasceu da necessidade de oferecer acolhimento a mulheres em meio ao confinamento.

“Transito na sociedade em um corpo de mulher negra",conta. "Não quero me despir de quem sou para escrever". Clarissa também entende o evento como um gesto de coletividade. “A expectativa é que o público saia potente, percebendo que a literatura feita por mulheres é de muita força e qualidade", afirma.
Ela acrescenta que o olhar feminino sobre a literatura traz novas perspectivas sobre os temas universais. “A diferença entre a escrita de homens e mulheres está no modo como olhamos o mundo”, diz.
“Quando uma mulher escreve sobre o amor, o medo, o corpo ou a política, ela o faz a partir de experiências e lugares que foram historicamente silenciados. Isso muda tudo”, explica.
A pretensão da idealizadora é que durante três dias, o Goethe-Institut se torne um território tomado por palavras. O evento ainda vai oferecer feirinhas de livros, oficinas de poesia falada, painéis sobre crítica, literatura indígena, infantojuvenil e LGBTQIAPN+, além de saraus, slams [batalhas de poesia falada] e apresentações musicais.
Programação completa:
7 de novembro
- 19h: Mesa de abertura: De Lilith à Rainha Vashti: as muitas mulheres de(em) Myriam Fraga – Evelina Hoisel, Angela Fraga e Edma de Góis.
- 20h30: show Nós, com Cláudia Cunha
8 de novembro
- 9h: Feirinha de Livros infantojuvenis (durante todo o evento) e Feira de Livros (durante todo o evento) - Arpillera, segundo selo, Caramurê, P55, Natesha, Paralelo 13S, Mormaço.
- 9h: Exposição guiada da autora homenageada Myriam Fraga (durante todo o evento)
- 9h: Contação de história para crianças - Rosana Paulo
- 10h: Sessão de troca e doações de livros
- 9h30 às 11h30: Oficina 1 (Literatura e negritude) para estudantes de escolas públicas – Jeane Sánchez
- 11h: Mediação de Leitura – Mata doce, por Hildália Fernandes
- 11h: Partilha de experiências: gestão de espaço culturais com literatura: eventos, saraus, festivais
- 11h30: leitura do poema da estudante Camile Vitória Ezequiel Souza, do Colégio Estadual Nelson Mandela, finalista do Concurso de Escrita Criativa Versos de Identidade – Ano II, iniciativa da 5ª edição da Festa Literária Arte e Identidade
- 12h: premiação das vencedoras do concurso de poesia para estudantes de escola pública
- 14h: Partilha de experiências: arte-educação em contextos periféricos
- 14h às 16h: Capacitação para educadoras: literatura e inclusão, Anna Karyna Torres Côrtes
- 14h-17h: Oficina Literacura - Lílian Almeida
- 15h às 16h30: Capacitação para educadoras: Desenvolvimento de Clubes de Leitura, Lorena Ribeiro
- 15h-16h30: Painel de Debate 1: Crítica literária: estética e feminismo: Luciene Azevedo - mediadora, Maria Dolores Rodrigues e Ilza Carla Reis serão as convidadas para este debate.
- 16h30 às 17h: recital aberto
- 17h - 18h30: Painel de Debate 2 - Literatura infantojuvenil – novas perspectivas: Mônica Menezes – mediadora, Amanda Julieta e Ionã Scarante.
- 18h30 às 19h: recital aberto
- 18h30: Sessão de autógrafos e lançamento de livros de diversas autoras
- 19h às 20h30: Painel de Debate 3 - Entre versos e metaversos: mulheres que escrevem ficção científica – Mariana Madelinn, Carol Vidal e Jessika (mediadora).
- 20h30: Atividades culturais: sarau a voz como corpo da palavra: Fabíola Cunha, Lidiane Ferreira, Jovina Souza, Emanuela Vieira e Renata Ettinger.
- 21h: Show musical Flor de Chanana, com Chá Rize
9 de novembro
- 9h: Feirinha de Livros infantojuvenis (durante todo o evento) e Feira de Livros (durante todo o evento) - Arpillera, segundo selo, Caramurê, P55, Natesha, Paralelo 13S.
- 9h: Exposição guiada da autora homenageada Myriam Fraga (durante todo o evento)
- 9h: Contação de história para crianças - Ionã Scarante
- 9h30: Contação de história para crianças - Celina Bezerra
- 10h: Contação de história para crianças - Palmira Heine
- 10h às 11h: Partilha de experiências: Projetos literários em escolas
- 11h às 12h: Partilha de experiências: narrativas orais como elemento de acesso à literatura
- 13h-16h: Oficina Livro de artista: ARTivismos possíveis - Andréa Mascarenhas
- 13h às 14h30: Painel de Debate 4 Literatura indígena: da oca ao tablet - Yacunã Tuxá – mediadora, Denizia Kawany e Ane Kethleen.
- 14h: Café Literário: sessão de conversas entre editoras e autoras iniciantes
- 14h30: Sessão de autógrafos e lançamento de livros das autoras convidadas
- 14h30: #Elasrimam: slam poetry - Slam das Minas Bahia (com Nega Fyah, Má Reputação e Ludmila Singa)
- 15h às 16h30: oficina de poesia falada: Má Reputação
- 15h às 16h30: Painel de debate 5 Literatura LGBTQIAPN+: trilhas e perspectivas Mariana Paim, Nina Maria e Kátia Borges – mediadora.
- 16h30: Sessão de autógrafos e lançamento de livros
- 17h-18h30: Painel de debate 6 - encerramento Literatura negra: um novo cânone?: Esmeralda Cravançola – mediadora, Hildália Fernandes e Calila das Mercês comporão esta mesa de discussão.
- 18h30: Atividades culturais: Sarau literário (20h): Sarah Oliveira Carneiro, Iolanda Costa, Ângela Vilma, Esther Blanco e Martha Galrão (tessituras: palavras de fogo e alma)
- 19h: Mel do Cumbe
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