CRÔNICA
Será só aqui na Bahia essa vocação para o barulho?
Leia a crônica da Muito deste domingo
Por Luisa Sá Lasserre*

Um amigo foi morar no interior do Rio Grande do Sul com a família e voltou de férias contando como a cidade é pacata e o silêncio reina por lá. Se houver um som muito alto, os moradores avisam a polícia. Nada de baderna, festança, fuzuê. Paredão? Carro de som? Bares com música nas alturas? Nada disso. Para uns, pode soar chato demais. Para mim, a audição do paraíso.
Outra amiga, de mudança para mais perto, se encantou com as ruas tranquilas de Maceió. No Ano-Novo, desceu com o marido do apartamento onde moram para caminhar até a praia e ver os fogos. Já com o pé na pista, estranhou… nada de barulho, movimento, agitação. Na beira-mar, famílias sentadas em suas cadeiras, comportadas, assistiam à chegada do novo ano. Onde estavam as caixas de som por metro quadrado, cada uma tocando uma zoada de gosto mais duvidoso que a outra? Onde estava o povo cantando alto, dançando até o chão, rindo e falando uns por cima dos outros? Eu, hem...
Fico me perguntando: será só aqui na Bahia essa vocação para o barulho? Claro, há paisagens bem mais serenas no interior. O problema mesmo está na capital. Salvador é uma cidade ruidosa, agitada. Trânsito, obras, festas, bares, caixas de som portáteis ou em veículos particulares. Mais de uma década atrás, chegou a ser apontada como a mais barulhenta do País. O posto hoje é ocupado por São Paulo, cujos tamanho e complexidade urbana justificam. Mas não ficamos tão atrás assim.
De onde moro, agora mesmo, escuto as batidas eletrônicas que vêm das ruas de baixo. Aos fins de semana, um boteco de esquina põe mesas e cadeiras nas ruas, alguém aumenta o volume do som e fica aquele aglomerado de gente dançando na calçada, enquanto os carros passam devagar pela lombada ao lado, assistindo ao espetáculo pelo qual ninguém pagou ingresso. Juro que não entendo.
Eu tenho vocação é para o silêncio. Barulho, só se for do mar, dos pássaros, da natureza. Gosto de ouvir meus próprios pensamentos. Quando minha filha insiste em aumentar o volume da música no carro, aviso logo: não estou conseguindo raciocinar, vamos baixar esse som. Em casa, quando o alarido cresce, tento encontrar um botão abafador de ruídos; às vezes, é a porta do quarto, onde me fecho para respirar em paz. Sim, eu já fui jovem, e, mesmo assim, ouvia meus discos de rock sem incomodar ninguém.
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A poluição sonora é um problema de saúde pública, capaz de provocar estresse, dores de cabeça, insônia, agressividade, dificuldade de audição e até depressão. Quantas pessoas idosas, enfermas, em condições atípicas ou crianças estão sendo afetadas diariamente? Alguém pensa nelas na hora de fazer uma caixa de som berrar no meio de uma rua? E ninguém faz nada?
Se o apelo humano mobiliza poucos, talvez alguns se compadeçam mais dos bichos. Os altos decibéis prejudicam também os animais, deixando-os estressados e atrapalhando a reprodução e o instinto. Até mesmo o crescimento das plantas pode ser dificultado pela interferência das ondas sonoras, veja só.
Me lembro de outra história que ouvi. Um cantor baiano teria ido fazer show em um carnaval de rua na Itália. Trio alugado, produção organizada, mal começou a cantar, chegaram os bombeiros com sirene ligada e interromperam a festa. Mesmo com autorização municipal e volume bem abaixo dos desfiles na Bahia, a altura do som apavorou a vizinhança: não teve jeito, show cancelado.
Se aqui fosse assim, quem sabe conseguiríamos melhorar as coisas. Ao contrário disso, o que temos é gente que não está nem aí e uma mídia que apoia a zoada e incentiva a balbúrdia. Já vi chamarem paredão de "cultura". Sinto muito, mas acho que o meu dicionário é diferente e o significado que conheço é outro.
Essa vocação para o barulho me faz pensar que nasci na cidade errada, só pode. O direito de um termina quando começa o do outro, afinal. Ou já esqueceram desse clichê tão necessário? Será preciso gritar numa caixa de som bem alto para todo mundo ouvir?
*Luisa Sá Lasserre é autora do livro de crônicas “Pensei, mas não disse” (Ed. Patuá)
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