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06/10/2024 às 2:00 - há XX semanas | Autor: Gilson Jorge

ABRE ASPAS

“Temos que caminhar para agenda de ampliação de direitos”, diz líder global

Confira a entrevista com Preto Zezé, empresário e líder global da Central Única das Favelas (Cufa)

Preto Zezé na Expo Favela Bahia
Preto Zezé na Expo Favela Bahia -

Produtor artístico e musical de sucesso, compositor de rap, escritor e líder global da Central Única das Favelas (Cufa), que desde 2015 tem um escritório em Nova York, Francisco José Pereira de Lima, o Preto Zezé, exibe com orgulho no Instagram a informação de que é um ex-lavador de carros, atividade que exerceu durante a sua juventude em Fortaleza, sua terra natal. Mas o empresário e ativista social, que em 2023 recebeu o título de cidadão baiano da Assembleia Legislativa, costuma ficar de olhos bem abertos quando é convidado a falar sobre superação. Ele considera que essa narrativa pode ser facilmente manipulada para uma postura de que o ex-pobre já chegou longe demais. Em sua cabeça, o pensamento deve ser seguir buscando crescimento contínuo. No final de setembro, Preto Zezé esteve em Lauro de Freitas para participar da versão baiana da Expofavela, evento produzido pela Cufa com empreendedores de bairros periféricos. Nesta entrevista, o empresário fala sobre o potencial para o empreendedorismo na Bahia, a relação dos novos ricos da periferia com os bens de consumo, a politização da juventude em meio ao crescimento das igrejas evangélicas e do crime organizado e a necessidade de haver mais lideranças negras na política.

O senhor tem uma reflexão interessante sobre a diferença de décadas atrás, quando as pessoas negras sofriam pela falta de acesso aos bens de consumo e agora, quando alguns podem comprar coisas caras mas ao fazê-lo são acusados de ostentação. É uma crítica bastante comum a jovens negros que enriquecem através da música ou do futebol. Como enxerga exatamente essa questão?

No meu tempo, ali pela década de 90, tinha a roupa de sair. Era a época do kichute, da roupa doada. A roupa de sair era uma armadura que nossa mãe guardava para algum acontecimento especial, que também era raro. Por isso, era roupa de sair. E quando eu saía, minha mãe, Dona Fátima, queria que eu voltasse limpo, senão o pau comia. E era muito constrangedor. Eu via os caras com as roupas que todo mundo gostava. Os caras estavam em lugar legal. Os caras chamavam a atenção do bairro e eu vi que não tinha condição nenhuma de pertencer àquele lugar. Era uma sociedade também de simbolismo, de marca, de imagem, de códigos que você incorpora para fazer parte de algo. Era muito constrangedor e doloroso, inclusive. Quantos meninos pretos de favela não sentiram isso e não tiveram para quem falar? Durante muitos anos, esse desejo de se vingar da miséria, da exclusão, habita a nossa mente. Só que a gente também não tinha referência do que desejar. Porque parecia não ser possível. Eu pego o exemplo, no meu caso, da universidade. Eu não tinha no horizonte de ambições a universidade. Eu nem sabia que existia aquilo, não poderia querer. As nossas ambições, nossas metas de vida foram ceifadas no próprio imaginário. Se no ponto de partida não existe, eu não vou chegar a canto nenhum. O máximo que eu poderia reproduzir era ser mais um cara da construção civil, como meu pai era. Um cara vendendo verduras e frutas. Não que não sejam profissões dignas. Mas era o lugar estabelecido, menor, da subserviência. Isso era muito doloroso, embora eu não conseguisse verbalizar isso ou fazer um diagnóstico para que eu entendesse quais seriam os caminhos de saída que eu poderia traçar.

Isso muda com o rap...

Quando veio o rap, ele deu um pouco essa autoestima. Peraí, eu sou alguém, eu pertenço. Tenho expressão, conteúdo. Um lugar para me divertir, amigos para trocar ideias sobre as mesmas coisas. O rap é muito importante na década de 90. A gente conseguiu êxitos importantes e expressão na mídia. Pessoas como nós discutindo temas em vários lugares. A geração que chega hoje não tem as mesmas lutas para travar que as nossas. As lutas agora são o jovem que entra na universidade para se manter, o primeiro filho de agricultores que vai virar médico, o primeiro jornalista da família, e o cara com curso superior vai ser o primeiro a ter carro, conta no banco, casa própria, que o filho vai falar inglês. Você começa a frequentar outros ambientes e muda sua visão de mundo. Você pensa que está trabalhando para caramba e não usufrui desse novo mundo. Não, você quer participar. Aí você começa a reproduzir os mesmos rituais. Só que no nosso caso falar em comprar um triplex para nossa mãe tem um peso diferente do cara que é filho do dono da construtora. Tem um valor diferente, para mim, celebrar e mostrar para as outras pessoas, inclusive iguais a mim, que vão ter uma força a mais. Vão se sentir mais motivados a batalhar. A gente é desmotivada pelos débitos, pelas privações que a gente vive nesse país tão desigual. Mas à medida em que eu comemoro minhas conquistas, veja só, eu que era constrangido pela escassez, agora sou constrangido pela abundância. É muito doido. O problema não é a minha pobreza e a minha riqueza. O problema é eu ser essa pessoa que tem um lugar estabelecido. E muitas vezes entre nós mesmos somos condicionados a acreditar que aquele não é o nosso lugar. Não é à toa que quando uma mulher negra entra numa loja, o segurança preto vai atrás dela, você vai ser constrangido pelo policial negro. Eu morei numa área rica de São Paulo, o Itaim Bibi, e fui barrado sete vezes no meu próprio prédio. Eu não vou criticar os jovens da periferia por criarem uma outra positividade. Não vou cobrar que eles saibam quem foi Malcom X. Malcom X hoje está acessível a todo mundo. Na minha época, não.

O senhor se filiou ao PCdoB para concorrer a deputado estadual. Considera que a esquerda e os movimentos negros têm dificuldade em se comunicar com a juventude da periferia, que é alvo das igrejas evangélicas e do crime organizado?

Eu, na verdade, me candidatei para divulgar o partido Frente Favela Brasil e só quem cedeu a legenda foi o PCdoB. Eu venho de uma formação de esquerda. O que a esquerda fazia antigamente? Vendia o sonho de um mundo melhor, de uma sociedade igualitária. Hoje qual o sonho que se vende? Você vê confusão. Partidos que se misturam a outros, problemas de corrupção, projetos que deram certo mas precisavam avançar mais e não avançaram. Você vê uma sociedade contrária a qualquer debate político. Quais são os projetos que diferem um partido do outro no Brasil? Quais são os projetos que diferem uma gestão de outra? É muito difícil a pessoa comum entender esses conceitos em um país onde esquerda e direita não se comportam como esquerda e direita. O candidato fala que é antissistema participando do sistema. E a população, meio insatisfeita com a justiça, com a mídia, passa a incorporar uma agenda que não é mais de esquerda. As pessoas querem uma renovação não só de repertório, mas de quadros. As mulheres querem se ver na política. Os jovens querem ter espaço na política. Você tem que fazer jus ao que foi feito até aqui no processo, mas tão importante quanto isso é refletir sobre os mecanismos e repertório para renovar um projeto que se quer progressista. Quando você tem uma presença precária do Estado, quando você tem territórios dominados por grupos armados, a ausência da política na solução dos problemas da vida real, a tendência é que as pessoas procurem sonhos em outros lugares. Seja o cara que promete que você vai enriquecer no dia seguinte. Seja o pastor que fala que Jesus está vindo. Você vai procurar sonhar ou pendurar as suas expectativas em algum lugar. Eu penso que hoje carece de um debate maior sobre a sociedade. Como eu produzo consciência crítica, como eu vinculo política ao cotidiano e como eu produzo uma agenda que seja de interesse da população, não dos partidos nem dos políticos? A nossa agenda em um país desigual tem 400 anos de ônus e juros para serem cobrados. Todos os dias.

Falando da Cufa, quais são os projetos mais inovadores aqui no Brasil. Tem algum projeto na Bahia que lhe chame a atenção?

A Bahia tem grandes contribuições de projetos. Você tem o Olodum, o Candeal, o Ilê... tem quadros significativos para a cultura e a política do país. Você tem a referência importante de grandes acontecimentos históricos, como a Revolta dos Malês. Você tem muita inspiração. O que eu sinto no Brasil é um registro de memória. Temos um apagamento. Eu observo o volume que a gente tem hoje de informação, quando a gente não consegue manter histórias de memórias. Os americanos transformam tudo em história. Eles pegam o primeiro motorista de ônibus, o primeiro grupo religioso que surgiu. Tudo se transforma em grandes histórias que produzem o nosso imaginário. Eu não posso desejar o que eu não vejo. O que eu sempre converso com meus irmãos aqui da Bahia, João Jorge, Vovô do Ilê, é que nós temos que caminhar para uma agenda de ampliação de direitos. E começar a incorporar mais o discurso de poder. Não é possível em Salvador a gente não eleger um prefeito preto. Não é possível a gente ver tanta gente preta ainda em condições desfavoráveis, sendo que é a população preta que constrói a economia do lugar. É preciso que o bônus do Carnaval fique com quem faz a festa acontecer. Eu falo do cara que vende o churrasquinho na rua, o que segura a corda, o policial.

Por que ter uma sede da Cufa em Nova York? Como é a articulação com outros países?

A Cufa, que está caminhando para os seus 30 anos (em 2029), está presente em 41 países. Muita gente de outras favelas do mundo começou a entrar em contato para saber que diabo era isso. É vila, é gueto. Cada lugar vai ter seu nome para dar à favela, mas todos têm a mesma configuração. Se eu pegar uma foto de uma favela em Lisboa ou um subúrbio de Estocolmo, Cairo ou Bangladesh, você não sabe onde é. Por quê? Você está produzindo lugares de acumulação de riqueza cercados de pobreza por todos os lados. Você vai ter problemas com imigrantes, discriminação contra latinos e árabes... a questão do racismo na Europa tem sido igualada à questão do terrorismo, como gatilho e motivador de várias tensões. As necessidades são comuns e globais. Quando eu assumi a Cufa em 2015, ao invés de ir aos países, que são muitos, a gente achou melhor montar uma atividade na ONU e a partir dali começou o processo de abrir o escritório no Bronx. Mas, na verdade, o escritório global da Cufa é em Madureira, debaixo de um viaduto.

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