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CRÔNICA

Vivendo com moderação e verdades

Confira a crônica de ró-Ã

Por ró-Ã*

01/09/2024 - 5:00 h
Imagem ilustrativa da imagem Vivendo com moderação e verdades
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Cheguei à conclusão de que meu gato Gil Bakunin sofre de transtorno bipolar. Frequentemente, se aproxima pedindo dengo; começo a alisar seu pelo dourado e, virando no Cão, ataca Mãinha com unhas e dentes, deixando marcas que já me transformaram na maior consumidora de Cicatricure em todo o Sistema Solar.

Passei a revidar com um borrifador quando retribui meus carinhos com ingratidão. Agora não preciso nem acionar o gatilho: é só ver o troço que ele vai chispando esconder seu desagradecimento embaixo de algum móvel.

Somos todos bipolares em certa medida. Ou como explicar os dias em que, sem motivo aparente, nos sentimos eufóricos ou somos acometidos de tristeza ou desânimo? Suspeito de que a patologia se estabelece quando tais variações são extremas. O querido Edgard Navarro me disse certa vez, num misto de ironia e juízo na cabeça, que o adequado é viver com moderação. A propósito, Edgard merece que eu lhe faça uma homenagem, não apenas por sua obra como pelos papos estratosféricos que temos. Já tentei algumas vezes, mas quando o amor é muito grande a gente fica sempre achando que o texto está aquém.

Hoje estou num dia moderadamente maníaco. Cheguei em casa depois da tarde inteira pra lá e pra cá e me lembrei das roupas aguardando o varal. Pensei: há três anos, fiz um esforço con$iderável pra adquirir uma lavadora/secadora e até hoje não usei a função Secar – tanto pela eletricidade exigida quanto por temer a conta no fim do mês. Pois chegou o dia. Serão quatro horas esbanjando energia em troca do meu conforto, e as toalhas ficarão macias como o pelo de Gil. Que se dane o ecologicamente correto uma vez a cada triênio. Não sou mãe da Humanidade, já faço o possível a fim de diminuir o estrago que minha presença no mundo causa à Natureza. Ou seja: minha fase maníaca tem necessidade de se justificar. Ignoro se assim seria, caso patológica.

Namoradão Artur Ribeiro, músico e compositor admirado no cenário rock da Bahia, me sugeriu uma série antiga chamada A Sete Palmos, cujos episódios acompanhei cheia de gula. Trata da vida cotidiana e ao que ela nos expõe – identidade total com o criador, Alan Ball, roteirista do filme Beleza Americana.

Como a vida inclui a morte e as religiões se ocupam em dar sentido a ambas, andei matutando que o encontro com o Causador é tão difícil por culpa dessas invenções humanas. Repletas, assim, de preconceitos e puxações de brasa. Não fosse essa intermediação, é bem possível que nossa comunhão com a Força se desse de maneira menos conturbada. Diretamente, como He-Man: “I have the Power!”. E todos a teriam, sem precisar manipular nem trucidar outras criaturas. Por mais sarcástico que pareça.

Também recentemente fui apresentada a Rasputin, num filme sobre a Revolução Russa. Até então, só o conhecia de foto e de nome. O cara exercia um poder ultramagnético sobre as pessoas, acabou que a czarina acho que nem fazia xixi sem consultá-lo. Era também um grande libertino e encontrou uma maneira fantástica de fundamentar esse comportamento: para que a gente receba o perdão de Deus, é preciso pecar; pequemos, portanto, ou não haverá redenção.

A capacidade de distorcer o que quer que seja a fim de ajustá-lo às nossas vontades parece definir a tal da Verdade. Assim, para nós, ela é naturalmente manipulável, embora paire acima uma maior, pura e livre inocência. As mordidas e arranhões recebidos de Gil como paga de amor estão pouco se lixando pro meu conceito de ingratidão. Mas que ele vai levar água nas fuças, vai, é o pouco que me cabe. Mãinha não usará Cicatricure pelo resto da vida. Tem que passar quatro vezes por dia durante dois meses, maior chatice por conta de um rompante seu. Caso se meta a besta de novo, vou dar jeito de arrancar seus dentes e garras um por um, sem anestesia. E então seremos felizes, como cantou Nelson Gonçalves.

Ia terminar aí; mas Artur, sempre meu primeiro leitor, considerou de péssimo gosto. Devo ter sido contaminada pelo humor divino da série e como ela nos perfura ao abordar com tanta honestidade toda a beleza e fealdade a que temos direito. Tratei de conseguir dizer a Mr. Ball que ele é uma das boas coisas da vida. Nem sei se recebeu o e-mail, mas Artur ficará mais feliz com este arremate – e os amores próximos têm tão mais importância.

*ró-Ã é autora de Dor de facão & Brevidades

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Tags:

comportamento animal Opinião Pessoal saúde mental vida cotidiana

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