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Você quer lançar um livro na Bahia? Veja o que esses autores fizeram
Vaquinha, edital ou editora? Saiba como publicar seu livro
Por Gilson Jorge

Independentemente do time titular escalado pelo técnico do Vitória para os jogos do time no Barradão, há um nome que sempre é gritado por parte da torcida rubro-negra nas dependências do estádio, como as arquibancadas e o estacionamento, antes da partida. Torcedor fanático do Leão da Barra, desses que às vezes viajam para acompanhar o clube, o jornalista e escritor Franciel Cruz se transformou também em uma personalidade conhecida nas redes sociais por seus comentários sobre futebol, política e comportamento.
Com um humor peculiar, e uma linguagem que mescla cultura popular e erudição, Franciel participou de um episódio do podcast político Medo e Delírio em Brasília, depois de viralizar na internet com a sua definição do que seria a propagada equivalência entre a extrema-direita e um governo que, com boa vontade, como ressalta, é de centro-esquerda. "Polarização é meu p...em sua mão", sentenciou o jornalista, que passaria a frequentar lives e debates políticos na internet. "Eles me chamaram de teórico da polarização", diverte-se o escritor.
Sua atuação online, no blog Pura Ingresia, e posteriormente nas redes sociais, o levaria a colaborações com jornalistas como Xico Sá e Cynara Menezes. Essa presença cibernética foi crucial para Franciel quando, há quase uma década, e incentivado por amigos, o jornalista decidiu reunir crônicas do blog no livro Ingresia e promover uma vaquinha online para financiar a sua publicação. "Uma amiga, Juliana Vitorino, organizou a vaquinha e eu fiquei só na parte da gaiatice", brinca o autor.
A fórmula mostrou-se exitosa para Franciel, que nesse modelo já publicou três livros, dois de sua autoria e O motoqueiro esterilizado e os invisíveis, do ativista ambiental Cláudio Deiró, que conta a experiência do protagonista ao fazer delivery de comida e remédios para pessoas do grupo de risco durante a pandemia de Covid-19.
Com a ajuda de Franciel na produção e divulgação da obra, o livro de Deiró vendeu mais de 500 exemplares. Ingresia, que até hoje vende, passou de 3 mil exemplares. O novo livro de Franciel, Tá pensando que tudo é futebol?, lançado há três meses, já vendeu mais de mil unidades. E autor já foi convidado a fazer lançamentos em Recife, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Os números são impressionantes, ainda mais para livros independentes e que não tiveram uma estrutura profissional de divulgação.
O sucesso da empreitada faz Franciel, como é de seu feitio, brincar com a ideia de sumir com o dinheiro arrecadado. "O planejamento inicial da vaquinha era vender 100, 150 livros. Só que a pré-venda deu três vezes mais. Aí eu tive que publicar. De 50 pessoas você ainda corre, mas de 400 não dá", graceja o escritor.
A pré-venda é recurso utilizado inclusive por editoras, mas Franciel, que prefere ter o poder de decisão sobre todo o processo, vê vantagens extras no financiamento coletivo: o engajamento e a divulgação nas redes que ele proporciona. "Às vezes, você lança o livro e ninguém fica sabendo", afirma o jornalista, que declara ter se emocionado quando viu a arte da lombada de Ingresia ilustrando escadarias de escolas públicas. Uma tática utilizada pela Fundação Pedro Calmon para divulgar entre os estudantes os nomes de autores baianos.
E por falar em estudantes e escadarias, quais são os passos que um escritor em início de carreira deve dar para conseguir a difícil tarefa de publicar um livro? Na próxima sexta, 25 de julho, comemora-se o Dia do Escritor, e A TARDE ouviu autores baianos publicados para obter dicas para quem quer galgar degraus no mercado literário.
Caminho certo
Quando lançou o seu primeiro livro independente, Desavesso, em 2016, Deisiane Barbosa foi convidada para uma residência artística no Instituto Sacatar, em Itaparica. "Foi um indício de que eu estava no caminho certo", lembra Deisiane, que é fã de Conceição Evaristo, Ana Maria Gonçalves, Clarice Lispector e de Teresa Cárdenas.
Com dez anos de carreira, Deisiane não acredita em atalhos para o sucesso e vê a lenta progressão do tempo para os escritores como um processo de aprendizagem e amadurecimento. A escritora aprova a independência editorial.
"Não é para todo mundo, tem gente que prefere entregar os originais a uma editora. Mas recomendo experimentar fazer o próprio livro", destaca a escritora, que depois publicou por diferentes selos, locais e nacionais, participando também de publicações como a Revista Trilhos, da UFRB e do dossiê Poesia negra: hoje, da Unicamp.
Dono de boa reputação entre os seus pares escritores, Paulo Bono afirma se sentir recompensado quando alguém lhe propõe um escambo de seu livro por cerveja, costelinha defumada ou por um corte de cabelo.
"Uma vez fizeram um torneio de dominó com meu nome. Isso, para mim, dá de 10 x 0 no Prêmio Jabuti", afirma Bono. Aos novatos, o escritor recomenda fazer contatos: "Escrevam suas histórias. Depois, vale a pena bater na porta de pequenas editoras e conhecer parceiros".
Autor do elogiado Pênalti perdido, Marcus Borgón guarda como uma das recompensas do seu trabalho o momento em que o pai de amiga sua, que não é um leitor assíduo, mas gosta de futebol, seduziu-se pelo título do livro, que estava sobre a mesa. Primeiro, pegou para folhear, deu uma lida descomprometida e, de repente, tinha lido a obra inteira.
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Borgón destaca que, para quem pretende ter a literatura como fonte de renda, além da venda de livros, é importante construir um nome no mercado e, preferencialmente, publicar por uma editora grande, o que aumenta as chances de ser chamado para palestras e ministrar oficinas.
"Ele vai viver dessas coisas paralelas contíguas", aponta o escritor, ressaltando que historicamente mesmo grandes escritores recorreram a um emprego no serviço público como fonte de sustento. "Fora um Itamar Vieira Jr, não vejo quem esteja vivendo de literatura", pontua.
Aos novos escritores, seu conselho é submeter os seus textos para avaliação profissional, para entender o que precisa ser aperfeiçoado: "Pedir opinião à família e amigos não é o melhor caminho".
Estímulo

No caso da escritora Vanina Cruz, a família serviu como um estímulo incontornável para o seu ingresso no mundo das letras. Sobrinha dos escritores Antônio Torres e de Décio Torres, Vanina recebeu desde a adolescência livros dos parentes e de outros autores, junto com o estímulo à escrita. "Na minha infância, a gente tinha o hábito de escrever cartas à mão. Isso me estimulou muito no gosto pela escrita", diz Vanina, que desde criança gostava de escrever bilhetes para as pessoas em casa.
Autora do livro de poesias Céu de Carcará, traduzido em francês e espanhol, Vanina dá um conselho de Antônio Torres. "Ele dizia que se eu queria escrever, precisava ler e mandava para mim livros e jornais literários", conta a escritora.
O primeiro livro de Vanina, Será verdade ou será mentira, saiu por meio de um edital da Secretaria Municipal de Educação, e foi publicado dentro de uma coleção de livros infantis voltada para as escolas públicas, que recomenda esse caminho para os novos escritores.
"A gente tem bons editais, concursos literários para compor uma coletânea. Acho esse um bom caminho", declara a autora.
Além dos editais, o poder público nas diferentes esferas oferece políticas destinadas a promover a literatura. Criada há dez anos, a Coordenação de Literatura da Fundação Cultural do Estado da Bahia promove residência artística para escritores no Instituto Sacatar, a oficina Escritas em Trânsito e um projeto de circulação literária, que financia a divulgação em pelo menos duas cidades de livros escritos por autores baianos. Entre os nomes que passaram por essas atividades, figuram Itamar Vieira Jr, Alex Simões, Tom Correia e Breno Fernandes, por exemplo.
"Acho que a importância e o ponto positivo desses projetos e editais é de serem instrumentos democráticos, para a possibilidade de investimentos em agentes literários diversos no estado, inclusive servindo como estímulo para a produção literária diversa e de novos artistas também", afirma a coordenadora Karina Rabinovitz.
No âmbito municipal, a Fundação Gregório de Mattos promove anualmente um concurso literário que seleciona obras de vários gêneros e as publica através do Selo João Ubaldo Ribeiro. O selecionado em cada categoria recebe um prêmio de R$ 10 mil, um selo de excelência literária e a publicação de 200 exemplares de seu livro.
Na edição do ano 2022, Daiane Soares, uma jovem, teve seu primeiro livro publicado no selo", destaca a gerente de Bibliotecas, Livros e Leitura da Prefeitura Municipal do Salvador, Jane Palma.
Biblioteca
A mais nova iniciativa pública para o setor foi anunciada na semana passada pela Fundação Pedro Calmon, através do Instagram. Na próxima sexta, será inaugurada na Biblioteca Central dos Barris, a Sala dos Mestres e Mestras das Palavras, que se anuncia como um espaço para comercialização de livros de autores baianos, com o valor da venda enviado integralmente ao escritor via pix. Se Donald Trump não resolver atacar a biblioteca antes.
Cada escritor ou editora pode deixar até 10 exemplares de seus livros. "Acreditamos que essa iniciativa vai facilitar a conexão entre leitores e escritores independentes, promovendo maior visibilidade para autores que estão começando e contribuindo para a comercialização das obras dos autores baianos", afirmou através de nota a diretora de Livro e Leitura, Érica Ferreira,
Há opiniões divergentes sobre a empreitada. Marcus Borgón considera que há uma combinação estranha de finalidades: "Nunca vi biblioteca vender livro. O espaço público pode e deve ser usado para a divulgação da literatura e arte local. Mas daí a se propor a ser um espaço comercial, acho bem esquisito". Paulo Bono se mostra otimista. "Acho ótimo. Tudo, qualquer esforço de todos os lados para promover a literatura baiana é bem-vindo", declara.
Para figurar no catálogo no dia da abertura, o escritor ou editor deve enviar um e-mail para [email protected] até amanhã. E deixar os livros no local até terça-feira.
Tornar-se escritora

Filha de um vaqueiro de Ruy Barbosa e ex-empregada doméstica, professora, escritora e palestrante Magna Cerqueira foi fortemente influenciada pela avó que lhe contava histórias na decisão de se tornar escritora.
"Como dizia Nietzsche, o nosso inconsciente supera o nosso consciente. Essas coisas vão ficando lá e um dia a gente acaba despertando", diz Magna, que ainda na adolescência começou a escrever o seu primeiro livro, Vidas rurais. "A gente precisa de algo para dar conta da vida. Para mim, esse algo é a literatura", pondera a escritora.
Depois de lançar no ano passado o livro de contos Quanto de ti, tempo!, publicado pela Editora Caravana, Magna está escrevendo o seu quinto trabalho, O menino da mata, parte 2, vencedor do Vencedor do Concurso Literário Professora Zélia Saldanha, promovido pela Uesb. O livro deve ser lançado na Bienal do Livro Bahia, no ano que vem.
Ela pretende ir gradualmente se ocupando mais da escrita do que do ensino. "Eu gosto da educação, mas o meu forte mesmo é a literatura", declara a escritora.
Fã de Machado de Assis como escritor e também como pessoa, de Clarice Lispector, de William Shakespeare e José Lins do Rego, Magna declara-se consciente das dificuldades do mercado editorial e recomenda aos escritores iniciantes que, acima de tudo, amem a literatura.
Magna diz ser uma pessoa de pé no chão e, citando o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, sugere precaução quanto ao entusiasmo com a vida de escritor. "Você precisa nutrir um amor imensurável pela literatura, amar o que você faz. Isso é imprescindível para qualquer escritor", avalia a escritora.
Magna afirma que essa é uma atividade de resistência e que, mesmo quando o trabalho é bem avaliado, é possível que a editora exija que o autor pague para ser publicado.
"Não se trata de qualidade. Não há espaço para todos. Bauman trazia essa reflexão de que viver é ser visto. Todo mundo quer palco, mas a gente precisa entender que não há palco para todos", pondera.
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