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13/03/2023 às 6:00 - há XX semanas | Autor: Joaquim Araújo Filho

OLHARES

Yemanjá negra: formas da divindade

Criador da obra pensa que ela representa reparação e compromisso com ancestralidade africana

Divindade é representada por uma figura feminina com corpo de sereia e fenótipos negroides
Divindade é representada por uma figura feminina com corpo de sereia e fenótipos negroides -

A tradicional Festa de Yemanjá do dia 2 de fevereiro, anualmente celebrada no bairro do Rio Vermelho, esse ano ganhou destaque na mídia pela sua oficial celebração de um século de existência, mas também pela inauguração da escultura de Yemanjá do artista plástico Rodrigo Siqueira. Instalada na Casa de Yemanjá, anexa à Casa do Peso da Colônia de Pescadores do bairro e próxima à Igreja de Sant’Ana, a divindade é representada por uma figura feminina com corpo de sereia e fenótipos negroides.

A Festa de Yemanjá é uma das mais importantes festas populares da cidade de Salvador e, vale ressaltar, a única reconhecida pelo nome de uma divindade do panteão afro-brasileiro, numa cidade majoritariamente preta e parda.

Assim sendo, religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, são as principais religiões presentes na festa, transmitindo suas crenças e cosmovisões. A festa também é um momento de integração social onde se revelam hierarquias e papéis sociais.

Segundo a tradição oral mais disseminada, os festejos a Yemanjá teriam sido iniciados por pescadores quando decidiram oferecer presentes ao mar para obter mais sorte na pesca, ritual até hoje mantido e ponto alto dos festejos. Para compreender a relação entre pescadores baianos com Yemanjá, é necessário retroceder ao processo de dispersão forçada que se deu da África ao Brasil que, ao mesmo tempo, evidencia o quanto das memórias dos povos escravizados não sucumbiram ao peso da escravidão, a despeito da fé cristã imposta pelos colonizadores.

Yemanjá, do iorubá Yèyé omo ejá, que significa Mãe cujos filhos são peixes, é um Orixá dos Egbá, nação estabelecida entre o rio Yemojá, região entre Ifé e Ibadan, na Nigéria. Posteriormente, no início do século 19, os Egbá emigraram na direção oeste, para Abeokutá, localidade atravessada pelo rio Ògùn, que desde então tornou-se a nova morada de Yemanjá.

Na mitologia iorubá, os Orixás são entidades intermediárias entre o Olorum (Deus supremo) e o mundo material, encarregados de administrar a criação e se comunicam com o homem por meio de rituais. Na África, cada Orixá era cultuado separadamente por grupos étnicos distintos. Devido à grande diversidade étnica da diáspora africana no Brasil, novas reconfigurações e ressignificações religiosas ocorreram, e que hoje são conhecidas por nações do Candomblé.

Na África, o culto inicial a Yemanjá é associado aos rios e seus afluentes, à maternidade, mas também à colheita de inhame e à pesca. Sua representação escultórica segue as tradições artísticas africanas, composta de figura feminina com corpo largo, seios fartos e olhos amendoados e protuberantes em forma de búzios. Por vezes porta um vaso nas mãos com os braços em posição de ofertório e, quase sempre, sobre a cabeça um recipiente em forma de tigela onde seus objetos sagrados são depositados.

Em terras brasileiras ela adquiriu a qualidade de ser dona das águas salgadas, metaforicamente também foi pelo fluxo do mar que africanos escravizados e suas culturas chegaram e se mesclaram com as culturas ameríndias e europeias. Sua própria representação iconográfica incorporou elementos estéticos europeus, fazendo surgir uma figura feminina de pele alva, formas esguias, cabelos lisos e longos, à semelhança de Nossa Senhora.

Esse processo de aproximação das expressões africanas com as imagens de santos católicos pode ter sido um subterfúgio para que suas divindades tão perseguidas pudessem ser cultuadas, ou seja, era uma forma de resistência.

Enquanto isso, a iconografia mítica da sereia, já conhecida desde a civilização grega, também foi sendo incorporada à representação de Yemanjá. Tais dinâmicas culturais transparecem no complexo mosaico das heranças culturais e históricas da formação social do Brasil. No interior da Casa de Yemanjá, muitas dessas representações sincréticas estão presentes em figuras de gesso de todos os tamanhos que adornam uma espécie de altar que contorna a pequena gruta incrustada no piso, além de outros elementos simbólicos como fitas, flores e frascos de alfazemas.

As paredes também são pintadas com imagens de Yemanjá e de alusão ao mar. É nesse contexto que está inserida a nova escultura da Yemanjá negra, do artista Rodrigo Siqueira. Há ainda no pátio em frente à porta principal, outra escultura em forma de sereia do artista Manoel do Bonfim.

A nova escultura, em estrutura metálica combinada com resina de vidro e de mármore, tem 1,40 metro de altura, foi idealizada pela Colônia de Pescadores do Rio Vermelho em parceria com o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab). Yemanjá é aqui representada com corpo de sereia, fartos seios, expressivos traços faciais que fazem referência à beleza negra e cabelos trançados adornados por conchas.

Uma espiral metálica com alguns apliques em forma de peixes circunda parte da imagem. O grande diferencial nesse contexto são os traços negroides da figura. No ano de 2010, o artista plástico Washington Santana havia proposto uma escultura de Yemanjá negra, ainda que seguisse os padrões de cabelos compridos e lisos de traços europeus. A obra, na época, acompanhou a embarcação do cortejo marítimo da festa.

O autor da recente escultura de Yemanjá, o amazonense radicado na Bahia, Rodrigo Siqueira, é artista plástico autodidata, também atuando como ilustrador, cenógrafo e carnavalesco. Ele acredita que a nova escultura representa um momento histórico de reparação e reafirma o compromisso com a ancestralidade africana.

De fato, o processo histórico de desafricanização da cultura negra afro-brasileira é parte das violentas relações de poder que perpetuam o racismo estrutural na sociedade brasileira. O preconceito e a demonização que as religiões de matriz africanas ainda sofrem é fruto, sobretudo, do desconhecimento que se tem das culturas africanas. Nesse sentido, a Lei Federal 10.639/03, que obriga o ensino da cultura africana e afro-brasileira nas escolas, é um poderoso elemento na tentativa de dirimir esse preconceito. A arte também pode ser uma importante aliada ao desencadear sentimentos e sensações que corroborem com uma cultura antirracista.

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