ELEIÇÕES FRANCESAS
Ascensão da extrema direita tomou a França? Entenda
Apesar da análise do movimento ainda ser cedo, o resultado sinaliza a reação dos franceses quanto ao descontentamento sobre questões sociais
Por Flávia Requião
A vitória do partido de extrema-direita francês Reagrupamento Nacional (RN), de Marine Le Pen, no primeiro turno das eleições parlamentares, com cerca de 34% dos votos, neste domingo, 30, acendeu um alerta para uma possível consolidação do partido conservador, outrora marginal na política do país, como uma nova força capaz de alcançar o poder na próxima disputa eleitoral.
Apesar da análise do movimento ainda ser cedo, o resultado sinaliza a reação dos franceses quanto ao descontentamento sobre questões sociais que vem pairando no sistema do país, principalmente sobre os imigrantes.
“A questão do avanço da extrema-direita na Europa é multifacetada. Em primeiro lugar, há um desconforto populacional em relação à imigração, especialmente de refugiados do norte da África, principalmente Sírios. Os partidos de extrema-direita se opõem à recepção dos refugiados, que estão em números altos — quase 2 milhões de solicitações de visto — e professam a religião islâmica, vista como um elemento de insegurança para muitos europeus. A França foi um dos países que mais recebeu imigrantes nessas condições, em especial por sua capacidade econômica e influência na União Europeia (UE)”, detalhou o cientista político e pesquisador das áreas de Opinião Pública, Instituições Políticas, Segurança Pública e Política Comparada, João Felipe Marques em conversa com o Portal A TARDE.
João ainda reforçou que o RN é um partido cético quanto aos benefícios da União Europeia para o desenvolvimento da França. “Seus líderes argumentam que a UE limita a autonomia do país e que a França ‘entrega mais’ do que ‘recebe’. A noção de indignação da população francesa foi evidenciada pela alta participação nas urnas.”
Para o CEO do Instituto Monitor da Democracia, Márcio Coimbra, a vitória do RN nesta segunda é resultado do aumento do espaço do populismo. “Os populistas oferecem soluções fáceis para os problemas difíceis.”
“Mas não significa que essas soluções serão de médio e longo prazo. Geralmente são soluções de curto prazo que dão uma espécie de ‘voo de galinha’, mas que não geram resultados no longo prazo, então é basicamente a gente tem aí vários problemas”, indicou.
Além do crescimento desenfreado do fluxo migratório — citado também por João Felipe — Márcio detalhou que o movimento de mudanças políticas da França tem vindo de mais dois fatores: Perda de compra e a piora do serviço público.
No entanto, assim como indicou João Felipe, a imigração está em destaque como insatisfação dos franceses.
“As pessoas que moram, especialmente no interior, estão muito descontentes com essa situação e isso tem feito crescer o populismo. Seja populismo de direita ou de esquerda. Então um crescimento que a gente vê nessa eleição não é um crescimento simplesmente dessa extrema direita francesa, a gente sempre reconheceu, mas estamos vendo também um crescimento da extrema esquerda francesa, que também é populista. Na minha opinião, o principal problema não é o crescimento da direita é a falta de foco da França em conter os populismo e isso vem acontecendo na França, assim como tem acontecido também em diversos outros países como por exemplo na Hungria [...] nos Estados Unidos, com o crescimento do Donald Trump, o Brasil também vive uma polarização entre dois regimes populistas de direita e esquerda, ou seja vários países a gente vê essa mesma dinâmica”, explicou.
Implicações globais com vitória da extrema-direita na França
Para o pesquisador João, o país é uma das regiões com maior influência política no bloco europeu e caso a governabilidade da extrema-direita for garantida, com a maioria no parlamento e a indicação de um novo primeiro-ministro, espera-se grandes conflitos com o presidente.
“Podendo resultar em uma guinada da extrema-direita em um dos mais importantes países ocidentais. É inviável pensar, no momento, em uma saída da França da UE, mas uma liderança que se oponha ao seu funcionamento resultará em longos conflitos políticos”, disse.
Enquanto isso, o CEO do Instituto Monitor da Democracia entende que o indicativo ainda não trará grandes mudanças para o mundo, além de um leve reforço sobre a onda do populismo.
“Precisamos ainda entender o que que vai acontecer daqui por diante, porque se a extrema direita ganhar a gente vai ter ainda um sistema de coabitação, que é o presidente sendo de um partido e o Congresso e o primeiro-ministro sendo de um outro partido. No entanto, além disso, o que acontece é que a gente tenha uma ‘revoada’ desses populistas. Então significa que a política externa francesa não vai mudar, mas a política é interna, ela sim pode mudar”, iniciou, em entrevista ao Portal.
Márcio também reforçou que não deve haver implicações exteriores, a exemplo da retirada da França do apoio à Ucrânia. “Não, isso não vai acontecer nesse primeiro momento porque a política exterior é dada pelo presidente, ele tem mandado até 2027. A política interna francesa, aí sim é sistema de Seguridade Social e todas essas coisas e isso sim vai passar a ser discutido novamente.”
“Isso gera um impulso silencioso em candidaturas populistas em outros lados [...] Mas não causa um reflexo exatamente na relação da França com esses outros países, mas sim aumenta a onda que você tem de populismo que está crescendo no mundo, que chega na França e acaba retroalimentando outros outros países que enfrentam eleições, onde você também pode ver um aumento do populismo perfeito.”
Eleições antecipadas
Em sistemas parlamentares ou mistos, como ocorre na França, quando há uma grande movimentação da sociedade em que o governo perde apoio, geralmente o governo antecipa as eleições, espécie de “voto de confiança”.
Com a possibilidade, o governo atual, Emmanuel Macron, preferiu buscar o reconhecimento da população após perder apoio e resolveu adiar as novas eleições para tentar rever sua situação, no entanto, ele acabou não conseguindo. No resultado, a direita saiu mais forte do que o esperado.
A coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP) ficou em segundo lugar, com cerca de 29%, à frente do bloco centrista do presidente Macron, em terceiro lugar, com 20,5 a 23%.
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