MUNDO
França está prestes a garantir aborto na Constituição
Votação histórica pode tornar direito irreversível
Por AFP
A França se tornará, nesta segunda-feira, 4, o primeiro país a proteger explicitamente em sua Constituição a "liberdade garantida" das mulheres ao aborto, uma votação histórica vista como um mensagem ao mundo após vários reveses.
Quase meio século depois de sua descriminalização na França, existe um grande apoio social, mas a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em 2022 de deixar de reconhecê-lo como direito federal soou os alarmes.
"Não há que esperar que um direito esteja realmente ameaçado para protegê-lo (...) É uma proteção que devemos às mulheres", destacou no domingo o ministro da Justiça, Éric Dupond-Moretti, na rádio J.
A ilustre sala do Congresso, criada no final do século XIX no Palácio do Versalhes, ao sudoeste de Paris, acolherá a partir das 15h30 (11h30 em Brasília) a votação, que tornará "irreversível" este direito, segundo o presidente Emmanuel Macron.
Este Congresso extraordinário, que reunirá ambas as câmaras do Parlamento, encerrará um longo processo legislativo, impulsionado pela esquerda e a base do governo, meses depois do retrocesso americano.
Sua inscrição necessita do apoio de 60% dos legisladores presentes, o que deve ocorrer com folga. Dos 925 deputados e senadores franceses, 760 já deram opinião favorável nos votos unicamerais.
Esperamos transmitir esta energia positiva às mulheres e feministas no mundo", assegurou Anne-Cécile Mailfert, da Fundação das Mulheres. "A queda do direito ao aborto nos Estados Unidos nos impactou, nos devastou", afirmou.
Antes da histórica decisão da França, o Chile tentou introduzir o direito às mulheres a "uma interrupção voluntária da gravidez" em seu projeto de nova Constituição em 2022, que os chilenos rejeitaram no referendo.
No lado oposto, alguns países proíbem implicitamente o aborto em sua Constituição ao garantir o direito à vida desde a concepção, como no caso da República Dominicana, Filipinas, Madagascar, Honduras e El Salvador.
"Se eu fosse francesa, estaria lutando por esta mudança constitucional", disse em 2023 ao jornal francês Libération a líder feminista salvadorenha Morena Herrera, para quem isto "terá repercussões no resto do mundo".
"Reforçar o acesso"
Esta ativista recebeu então o prêmio Simone Veil, criado em 2019 em honra a esta ministra francesa, ícone da emancipação feminina e sobrevivente do Holocausto que conseguiu a descriminalização do aborto em 1975.
Em 2022, o prazo para o procedimento aumentou até 14 semanas na França, onde o número de interrupções voluntárias da gravidez se mantém estável há duas décadas em cerca de 230.000 no ano.
No entanto, o acesso é "bastante difícil" nas zonas rurais, explicou à AFP a deputada centrista, Éleonore Caroit, para quem a constitucionalização permitirá "reforçar o acesso ao aborto nesses lugares".
Embora em torno de 80% dos franceses apoiem a proteção do direito ao aborto na Constituição, segundo pesquisas, bispos contrários à medida chamaram nesta terça-feira "ao jejum e à oração".
A organização contrária ao aborto Marcha pela Vida convocou uma manifestação a partir das 15h locais (11h em Brasília) em Versalhes, "para defender a vida das crianças que ainda não nasceram e todas as vítimas do aborto".
Os partidários desta reforma constitucional presenciarão esta histórica votação na esplanada de Trocadéro, com a Torre Eiffel ao fundo, graças a uma tela gigante instalada pela Prefeitura de Paris e a Fundação das Mulheres.
Após a aprovação prevista no Congresso, a cerimônia final de inscrição do aborto na Constituição, com a presença de Macron, poderá ser realizada em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, segundo uma fonte próxima.
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