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03/06/2024 às 5:00 • Atualizada em 03/06/2024 às 8:25 - há XX semanas | Autor: Divo Araújo

ENTREVISTA - PABLO STOLZE

'A sensação é de que teremos um novo Código Civil'

Baiano integrante da comissão responsável por modernizar o Código Civil fala sobre as mudanças na legislação

Juiz e professor de Direito da Ufba, Pablo Stolze
Juiz e professor de Direito da Ufba, Pablo Stolze -

Um dos dois baianos que integram a comissão de 38 juristas responsáveis por modernizar o Código Civil, o juiz e professor Pablo Stolze destaca a amplitude e importância desta reforma. “A Lei Civil é a lei de sua vida”, explica ele, nesta entrevista exclusiva ao A TARDE. “Você pode passar a vida inteira sem incorrer em nenhuma violação do Código Penal, mas dificilmente vai viver sem dialogar com o Código Civil”.

Segundo Stolze - que será uma dos palestrantes da II Conferência Estadual da Jovem Advocacia Baiana, que acontece desta quinta-feira (5) a sábado (7), no Centro de Convenções Salvador - pouco mais de mil dos 2.046 artigos foram modificados pela comissão de juristas no anteprojeto que agora será votado pelo Congresso Nacional. O documento prevê mudanças importantes na área de Direito da Família, Direito Digital e Direito dos Animais, só para citar algumas delas. Entenda o que muda com a reforma na entrevista que segue.

O sr. afirmou recentemente que a Reforma do Código Civil é o tema mais importante do Direito Privado na atualidade. Por que essa reforma é tão importante?

O Direito Civil acompanha a vida do cidadão desde antes do nascimento até depois da morte. Eu diria que a Lei Civil é a lei de sua vida. Você pode passar a vida inteira sem incorrer em nenhuma violação do Código Penal, mas dificilmente vai viver sem, de alguma maneira, dialogar com o Código Civil, porque você se casa, celebra contrato, adquire bens. Ou seja, o Direito Civil faz parte da vida do cidadão brasileiro.

O sr. já afirmou também que se a reforma for aprovada como está, a impressão é de que teremos um novo Código Civil. Ele será reformulado a este ponto?

Alguns afirmam que o código tem muito pouco tempo, tem só 20 anos, e [questionam] por que fazer uma reforma dessa magnitude. Nos últimos 20 anos, muita coisa aconteceu. As redes sociais são um indicativo disso. E não é só isso: o Código Civil atual é fruto de um projeto antigo. Por isso, essa reforma realmente é muito importante. Tecnicamente, não se trata de um novo código, porque é uma reforma do mesmo código. Mas a dimensão é significativa. De maneira que, sob muitos aspectos, você vai ter a sensação de que é um novo Código Civil.

O Código Civil tem pouco mais de 2 mil artigos. Quantos devem ser alterados?

O código tem 2.046 artigos, e por volta de mil e poucos devem ser modificados. É bom frisar que o anteprojeto vai ao Congresso. O Parlamento pode obviamente adotar o anteprojeto integralmente, o que é improvável. O Congresso vai fazer as suas modificações e um número menor de artigos pode ser aprovado.

A reforma corre o risco de ser desfigurada no Congresso?

É um risco que faz parte da democracia. Ele vai ser discutido nas duas Casas Legislativas, mas é preciso que as pessoas compreendam que a lei atual precisa dessa reforma. Eu costumo dar um exemplo. Eu garanto que os últimos contratos que você celebrou foram pela via eletrônica, até para chamar um transporte via aplicativo. O código atual não tem uma vírgula sobre isso. Precisamos atualizar nossa lei, isso é uma realidade.

O sr. acredita numa tramitação rápida no Congresso?

A comissão do Senado formada por juristas concluiu o anteprojeto e ele foi entregue oficialmente ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A gente não pode estabelecer uma data, mas como o próprio presidente do Senado está apresentando o projeto de lei, eu creio que essa tramitação ocorrerá a bom termo. Será algo que vai ter andamento no Congresso Nacional.

Além de juiz, o sr. é professor universitário e vem alertando os alunos sobre a importância dessas mudanças. Muitas estarão nos próximos concursos públicos? É preciso esperar o projeto ser aprovado para se atualizar?

Eu falo isso para eles semanalmente. Aquele que resolver esperar o projeto ser aprovado pode ter um grande susto, como aconteceu quando o Código Civil de 2002 entrou em vigor. A gente não está falando de uma alteração de qualquer lei. Estamos falando de uma alteração ampla do Código Civil. De maneira que estar se atualizando agora é o melhor investimento acadêmico e profissional que o estudante de Direito pode fazer.

O Brasil tem o novo marco legal da internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, que regulamentam o mundo digital. Ainda assim, haverá muitas mudanças no código em relação a isso?

A reforma vai consagrar um livro de Direito Digital que vai muito além da própria LGPD, que vai continuar tendo a sua importância. Vou exemplificar com a regulamentação dos contratos celebrados pela via eletrônica. Falo da regulamentação dos smarts contracts – aquele contrato que você celebra com a própria inteligência artificial, com a própria máquina, como o contrato que você celebra no aplicativo de transporte. Esse livro de Direito Digital faz parte da vida, das expectativas dos brasileiros. A consagração dos chamados neurodireitos, que são direitos que visam a resguardar a nossa integridade, nossa rigidez cerebral, também. As leis atuais não tratam dessas questões com essa força e o projeto se preocupa com isso.

Há uma onda de fake news em torno da reforma do Código Civil. Já vi notícias sobre liberação de poligamia, retirada de poder dos pais e autonomia infantil para mudança de sexo, por exemplo. Como lidar com isso?

Eu tive que, um dia desses, explicar à minha mãe, que me ligou preocupada com uma notícia inverídica em torno do código. A reforma do Código Civil não trata de poligamia, não trata de zoofilia, não há espaço nenhum para isso. O código não autoriza adolescentes a mudarem de sexo de forma nenhuma. Quando o código fala que existe uma autonomia progressiva do ser humano, isso é algo óbvio. Porque quando a pessoa nasce, pelo código atual, ela é absolutamente incapaz e, na medida em que cresce, vai galgando e adquirindo capacidade até que chegando aos 18 anos se torna plenamente capaz. Ou seja, já existe essa autonomia progressiva. Isso não tem absolutamente nada a ver com autorização para mudança de sexo.

Dos artigos que estão sendo reformados, o sr. vê algum que desperte mais polêmica ou seja mais delicado?

A parte de família sempre desperta mais polêmica e discussões. Eu diria que essa é uma parte que tem gerado dúvidas. Outra discussão muito interessante que há hoje e também é necessária gira em torno do Direito Animal. Recentemente, um animal de estimação, um pet, morreu no transporte aéreo. O Brasil todo discutiu o problema, foi uma comoção nacional. O código se preocupa com aspectos de Direito Animal porque a jurisprudência já faz isso. Você tem, por exemplo, um dispositivo no anteprojeto de reforma do Código Civil, que diz o seguinte: a afetividade humana também se manifesta por expressões de cuidado e de proteção aos animais que compõem o entorno familiar da pessoa. Veja, essa norma não diz nada demais. Ela menciona que quando, por exemplo, você que tem um pet e projeta em favor dele proteção e cuidado, isso é expressão de um direito seu da personalidade. Isso é importante e não tem absolutamente nada a ver com zoofilia.

Voltando às questões da família, quais são os pontos que mais devem despertar a atenção?

Bom, na parte de família, a união estável e o casamento sempre despertam interesse. E uma mudança muito significativa no campo do casamento é a alteração da redação normativa do código para estabelecer que o casamento ocorre entre duas pessoas e não necessariamente entre marido e esposa. Com esta expressão, ‘duas pessoas’, estamos alcançando dois objetivos. Primeiro, estabelece que o casamento é entre duas partes, não há poligamia. E segundo, está contemplando com absoluta justiça o que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) já sinalizou, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também, que é a possibilidade do casamento homoafetivo, que é albergado no anteprojeto.

A expressão ‘duas pessoas’ é também uma forma de não despertar tanta controvérsia?

Eu diria que essa expressão é mais inclusiva, isonômica e vou dizer porquê: se o anteprojeto abrisse um título separado do casamento homoafetivo, estaria discriminando. A regra tem que ser igual para todo mundo. Quando você fala ‘duas pessoas’, você abraça todas as pessoas, independentemente de se tratar de um casamento homoafetivo ou não. Essa não é propriamente uma opção, digamos, tímida. É uma opção isonômica, inclusiva.

Já vi alguns integrantes da comissão afirmarem que a proteção aos mais vulneráveis deve ser uma prioridade da reforma. Como se dará isso?

Isso é muito importante, e faço um destaque para as pessoas com deficiência. Tem artigos na parte geral do anteprojeto que se preocupam em estabelecer que a deficiência não é causa de incapacidade civil, algo que dialoga com a Lei Brasileira de Inclusão e a Convenção de Nova York. Houve uma grande preocupação em relação a isso no anteprojeto.

Como foi formada a comissão de juristas responsável pela reforma? A diversidade de perfis foi critério?

A comissão é formada por 38 membros e é presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, e corregedor nacional de Justiça. Ele é um jurista habilidosíssimo, competentíssimo. Ele preside a comissão e é ladeado por dois relatores-gerais - o professor Flávio Tartuce e a professora Rosa Nery. Salomão compôs uma comissão com juristas do País inteiro e, quero frisar, inclusive com participação de mulheres. É a primeira vez na história do Direito Civil brasileiro que as mulheres participam da reforma do Código Civil. Isso nunca aconteceu e, por isso, é muito significativo. Aqui da Bahia, foram dois juristas convidados. Eu tive essa honra junto com o professor e vereador Edvaldo Brito.

Falamos dos animais, das famílias. Teria outros pontos que o sr. destacaria como de grande importância nessa reforma?

Um ponto que, para mim, tem uma importância muito grande na parte de família é a alteração de um regramento que existe hoje, a Lei 8.560, de 1992, que cuida do reconhecimento de filho. Dados da Arpen [Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado da Bahia] mostram que há um número muito grande de crianças no País sem o registro do nome do pai. Segundo esses dados, em 2023, dos 12,5 milhões de nascidos no Brasil, cerca de 162 mil tinham pais ausentes. Como é que funciona hoje? O hospital expede um documento informando que a criança nasceu viva e, com base nisso, é feito o registro em nome da mãe. Suponha que a mãe tem alta do hospital e vai ao cartório. Ela não pode lançar no registro o nome do pai porque ele não está presente. De acordo com a Lei 8.560, esse suposto pai notificado, se ele vai ao cartório e registra, resolveu a questão. Mas se ele não comparecer, essas peças vão ao Ministério Público, eventualmente vão à Defensoria, e é ajuizada uma ação de investigação de paternidade para esse suposto pai, que pode durar anos. Durante anos, essa mãe vai carregar o peso de uma afiliação não reconhecida. O anteprojeto corrige isso. Notificado pessoalmente o suposto pai, se ele não comparecer – ou, comparecendo, se recusar a fazer o exame de DNA –, o nome dele é lançado imediatamente no registro. Vai caber a ele contestar a paternidade. Olha a preocupação com as mães, com as mulheres, porque são elas que mais sofrem com a violência de não ter essa paternidade reconhecida. Com a mudança, você vai tirar esse peso dessas mães e desses filhos. Para mim, é um dos pontos altos da reforma.

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