Mulheres que venceram o câncer de mama promovem ações de apoio | A TARDE
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Mulheres que venceram o câncer de mama promovem ações de apoio

Iniciativas buscam acolher e informar pacientes que realizam tratamento em Salvador

Publicado quarta-feira, 05 de outubro de 2022 às 06:00 h | Atualizado em 08/05/2023, 14:09 | Autor: Rafaela Souza
História de Maria da Conceição Mendes, de 53 anos, inspirou criação de projeto em São Cristóvão
História de Maria da Conceição Mendes, de 53 anos, inspirou criação de projeto em São Cristóvão -

Lidar com os desafios ao ser diagnosticada com câncer de mama representou uma reinvenção na vida da publicitária Carolina Magalhães, de 35 anos. Ela, que descobriu a doença aos 29 anos, passou por cirurgia, sessões de quimioterapia, radioterapia e hormonioterapia, procedimentos que interferem tanto no corpo quanto nas emoções.

Ela conta como foi o processo de descoberta da doença: “Fiz um autoexame em casa, de forma despretensiosa, e encontrei um nódulo. A partir disso, marquei um mastologista para investigar e saber se era algo maligno. Eu já tive um nódulo há 10 anos, mas era benigno. Então, eu fiquei super tranquila achando que seria mais um benigno como da outra vez. As duas biópsias que eu fiz deram inconclusivas e isso me deixou um pouco tensa, mas fiquei confiante. Aí foi preciso fazer a cirurgia primeiro para poder diagnosticar que eu estava com câncer”, relembrou. 

Apesar das dificuldades do tratamento, a luta contra a doença também foi transformada em motivação para conscientizar outras mulheres. A publicitária escreveu o livro “Mas nem parece que você teve câncer”, em que aborda a experiência pessoal de superação do câncer de mama. 

“Quando eu contava a minha história e raspei a cabeça, ninguém acreditava que eu estava com câncer. Todo mundo achava que eu tinha raspado por conta de estilo. E falavam ‘mas nem parece que você tem câncer. Você está sempre sorrindo, positiva’. Muita gente tem aquela visão de que a paciente com câncer tem que estar sofrendo, tem que estar debilitada em casa. Tem momentos difíceis, mas não significa que vai ser sempre assim. O máximo que você estiver disposta é melhor. Então, quando eu contava a minha história, as pessoas falavam que eu tinha que escrever um livro para inspirar outras mulheres”, revelou.

Informação para mulheres pretas

Além do livro, Carolina idealizou o projeto 'Se Cuida Preta', que busca acolher e levar informação para mulheres negras através de relatos com experiências e publicações informativas. 

“Durante o tratamento, não encontrei com facilidade outras mulheres negras que falassem sobre câncer de mama. Mulheres negras não têm câncer de mama? Onde é que elas estão? Comecei a trazer esse recorte racial e surgiu a ideia do projeto, que é para falar diretamente com essas mulheres e ser um canal de acolhimento, onde elas possam buscar apoio com outras mulheres pretas que vão entender o que ela está passando, como ficar careca, lidar com a sociedade, o trabalho, as reações na pele, que são diferentes entre mulheres brancas, principalmente pelas questões socioculturais e econômicas”, pontuou.

Publicitária Carolina Magalhães lançou livro com suas vivências e projeto voltado para mulheres pretas
Publicitária Carolina Magalhães lançou livro com suas vivências e projeto voltado para mulheres pretas |  Foto: Bruno Ricci | Divulgação
  

Câncer sem tabu

Assim como Carolina Magalhães, a publicitária Paula Dultra, 42 anos, também foi diagnosticada com o câncer de mama fora da faixa etária de maior risco. Aos 30 anos, Paula descobriu que estava com um nódulo em um exame de rotina e, após a biópsia, foi confirmado o diagnóstico da doença.

“Eu não tinha histórico na família, foi uma surpresa para todo mundo. Comecei o tratamento em janeiro de 2011, fiz quimioterapia, cirurgia de retirada de uma parte da mama e reconstrução. Ainda fiz radioterapia e tratamento com a hormonioterapia por oito anos. Tentei encarar de forma mais positiva, continuei trabalhando e mantendo a minha rotina apesar dos efeitos causados pelo tratamento”, relatou.

A vontade de quebrar os tabus em relação ao câncer de mama fez com que a publicitária criasse o blog Mão na Mama e realizasse palestras sobre o tema. “Há 11 anos, quando eu fui diagnosticada, eu criei o blog porque buscava informações e não encontrava. Só tinha coisas mais técnicas, e eu queria entender mais sobre a doença, sobre o que estava passando. Como eu estava em contato com muitos médicos durante o tratamento, resolvi compartilhar com outras pessoas. Na época, não conhecia ninguém que tivesse a doença, não tinha ninguém para trocar essas experiências”.

Publicitária Paula Dultra, de 42 anos, foi diagnosticada com câncer de mama e ovário
Publicitária Paula Dultra, de 42 anos, foi diagnosticada com câncer de mama e ovário |  Foto: Raphael Muller | Ag. A TARDE
 

Além do diagnóstico do câncer de mama, em 2018, a publicitária teve um câncer no ovário. "Comecei a sentir uma dor no pé na barriga que não parava, só aumentava. Fui para a emergência e identificaram um cisto grande no meu ovário, que não estava quando fiz os últimos exames de acompanhamento, seis meses antes. Em dois dias, eu já estava sendo operada e, na cirurgia, viram que era câncer de ovário”. 

Segundo Paula, a causa dos dois diagnósticos apontada pelos especialistas foi a presença de uma mutação genética. “Fiz o exame genético e encontramos uma mutação super rara que motivou o câncer de mama e o câncer de ovário”. 

Atuação na comunidade

A dona de casa Maria da Conceição Mendes, de 53 anos, foi surpreendida com o diagnóstico do câncer de mama há 12 anos. Ao perceber sintomas característicos da doença, como um nódulo na axila e a alteração do mamilo, ela buscou atendimento médico. 

“Nunca me imaginei tendo um câncer. Em 2010, percebi um nódulo na axila e o mamilo começou a entortar. Quando fiz a mamografia, não consegui mais usar sutiã. Ele cresceu e evoluiu muito rápido. Foi um susto quando eu soube que precisaria fazer a cirurgia para retirada da mama”, disse.  

Após a batalha vencida, Maria da Conceição resolveu criar o projeto Toque de Amor, que promove a conscientização sobre o câncer de mama no bairro de São Cristóvão, em Salvador, onde mora com a família. A iniciativa, idealizada em parceria com as irmãs Maria de Lourdes e Lídia, promove caminhadas, palestras e doações para o Hospital Aristides Maltez (HAM). Uma ação de arrecadação está sendo realizada pelo projeto até o dia 28 de outubro. Segundo a dona de casa, a campanha é mais uma forma de ajudar a unidade que a acolheu durante o tratamento.

“Nas ações do Toque de Amor, eu falo sempre coisas boas para essas mulheres. Tento levar alegria para todas, pois cada caso é um caso. É uma iniciativa que nossos familiares e amigos se juntam em prol dessa causa”, contou.

Autoestima

Para além do diagnóstico e tratamento do câncer, olhar no espelho e reconhecer a própria imagem é uma questão delicada para as mulheres, que precisam lidar também com a possibilidade de perder a mama e o cabelo. Para a publicitária Paula Dultra, o desafio aumenta por conta dos padrões estéticos impostos às mulheres.

“Existe muito estereótipo em relação ao câncer,e a sociedade contribui muito para isso. Por exemplo, um homem careca não tem nada demais mas, quando é uma mulher, todo mundo olha. Então o povo já acha que está doente e sofrendo. É muita cobrança estética para a mulher. É aquela conversa de que cabelo é a moldura do rosto. Talvez, se a sociedade não cobrasse, a gente não sofresse tanto nesse momento”, ressaltou.

Diagnóstico precoce

A oncologista Ana Amélia Viana explica a importância do diagnóstico precoce para evitar o avanço da doença e aumentar as chances de cura, que são mais de 90% quando a doença é descoberta em estágio inicial.

“A gente sempre preconiza que a mulher tem que ter um acompanhamento ginecológico regular. O ginecologista vai ter condição de examinar, fazer a indicação de algum exame, caso tenha necessidade, e até mesmo mudar a rotina de rastreamento da paciente, se ele identificar que algum fator de risco aumentado, como histórico familiar e lesões na mama”, explicou. 

De acordo com a especialista, a mamografia e a ultrassonografia são os exames mais indicados para o rastreamento e diagnóstico da doença. Já o autoexame, segundo ela, é importante para a mulher conhecer o próprio corpo, mas não substitui a realização dos exames de imagem, principalmente em relação ao diagnóstico precoce. 

“Não se fala mais de autoexame como forma de prevenção ao câncer de mama. Antes, as campanhas eram muito voltadas a isso. Quando a mulher faz o autoexame e consegue perceber nódulos na sua mama, é sinal de que o quadro pode estar avançando e maior. O ideal é que seja realizado exames de imagem para identificar antes mesmo do nódulo ser palpável. A chance de cura é muito mais alta. A gente tem focado nisso mas, obviamente, é importante que a mulher se conheça, se examine, porque é melhor que ela se conheça e faça um diagnóstico de uma doença mais avançada do que olhar pra si própria e não saber identificar que aquilo é um sinal de alerta”, destacou. 

Entre os sintomas que devem ser observados, estão: a presença de qualquer nódulo ou caroço na mama e axila, alteração na coloração da pele, secreção saindo pelo mamilo, mamilo invertido, retração na mama. Todas as alterações devem ser investigadas por um ginecologista ou mastologista.

Para oncologista Ana Amélia Viana, o diagnóstico precoce é muito importante para evitar o avanço da doença
Para oncologista Ana Amélia Viana, o diagnóstico precoce é muito importante para evitar o avanço da doença |  Foto: Arquivo pessoal | Divulgação
 

Desigualdade no acesso ao tratamento

Assim como a publicitária Carolina Magalhães, a discussão sobre o acesso da população negra ao tratamento de câncer também é abordada pela oncologista Ana Amélia . De acordo com a especialista, a baixa representatividade de mulheres negras nas campanhas de prevenção limita a possibilidade de diagnóstico precoce, além das dificuldades enfrentadas na busca por ajuda médica na rede pública de saúde.

“A população negra está tão fora das campanhas que fica aquela sensação de que aquele assunto não é para ela. Quando a gente fala em prevenção, parece que não é assunto para mulher negra, como a recomendação de fazer atividade física, ter uma alimentação balanceada, por exemplo. Mas qual é a mulher negra, pobre e periférica que tem condições de fazer 1h de atividade física por dia, de selecionar exatamente quais alimentos pode comer, reduzir os ultraprocessados, comer proteínas de qualidade. Parece tudo muito distante”, aponta.

Como forma de minimizar essa realidade, a oncologista destaca a necessidade de políticas públicas que garantam o acesso à realização de exames e consultas durante o ano inteiro, e não só em campanhas do Outubro Rosa.

“É importante trazer informação para essa paciente, mostrar que ela pode e deve estar envolvida nesses cuidados. Isso é importante porque, às vezes, parece uma coisa óbvia, mas não é. Então, é preciso fornecer informação de qualidade, fazer a população negra entender quais são os fatores de risco que estão relacionados ao agravamento da sua saúde - por exemplo, diabetes e obesidade, mais frequentes em mulheres negras -, além da melhoria do acesso aos exames de rastreamento no Brasil, mesmo dentro do SUS”. 

Câncer de mama e pandemia

A pandemia de Covid-19 impactou o diagnóstico e rastreamento do câncer de mama, e as atenções ficaram voltadas ao combate da doença. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), no ano passado foram realizadas no Brasil 2.054.881 de mamografias de rastreamento em mulheres de 50 a 69 anos, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2020, foram realizados 1.473.277 procedimentos deste tipo. Já em 2019, período pré-pandemia, foram 2.527.833 mamografias de rastreamento.

Em relação ao número de novos casos de câncer de mama para a Bahia, o Inca estima 3.460 novos casos para cada ano do triênio 2020-2022.

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