LUTA
Assédio no metrô expõe abusos a mulheres em espaços públicos
O combate à importunação sexual é um instrumento valioso na luta contra a violência doméstica
Por Ana Cristina Pereira
Dois casos de assédio e importunação sexual ocorridos no metrô de Salvador, em agosto, foram emblemáticos das dificuldades enfrentadas pelas baianas nos espaços públicos. Também foram exemplares nas lutas que o mês dedicado ao combate à violência contra a mulher tem travado: trazer o assunto para o primeiro plano, combater a desinformação, criar uma rede de apoio para as vítimas e punir os agressores.
Na quinta-feira, um homem foi detido na estação Acesso Norte, depois de ter esfregado o órgão genital ereto em uma passageira. A situação causou revolta entre os usuários do transporte público, que alertaram a segurança do metrô, que por sua vez acionou a polícia. Vítima e agressor foram encaminhados para a Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher (Deam), localizada na Casa da Mulher Brasileira, onde o caso foi registrado. Ele foi levado para a central de flagrantes pela Polícia Militar.
Uma semana antes, no dia 14, um jovem de 24 anos foi preso por importunação sexual por passar a mão em uma mulher, desta vez na Estação Bonocô, enquanto ambos desciam a escada rolante. A situação foi filmada por outro passageiro e o rapaz chegou a ser agredido por pessoas que estavam no local. Ele foi liberado dois dias depois, após audiência de custódia, com a defesa alegando surto psicótico.
Através de nota, a CCR Metrô Bahia, que faz a gestão do metrô de Salvador, destacou que repudia qualquer forma de assédio e informou que, "em casos como esses, os agentes de atendimento e segurança da empresa devem ser acionados para que as devidas providências sejam tomadas. Vale ressaltar que a Concessionária oferece um espaço exclusivo para o atendimento de mulheres vítimas de assédio e/ou violência: a 'Sala Elas à Frente', localizada na Estação Pirajá. O espaço conta com uma equipe especializada, composta por uma psicóloga e uma assistente social da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) para oferecer suporte psicológico e social, orientando e acolhendo mulheres que necessitem de ajuda em situações de violência".
Os dois casos podem ser enquadrados nas leis de Importunação Sexual (2018) e de Assédio (2022), que incluem atos libidinosos como apalpar, desnudar, masturba-se ou submeter mulheres a constrangimentos em ambientes públicos, com penas que variam de 1 a 5 anos de prisão. Ambos chamaram muito atenção, justamente pelo fato de terem desdobramentos efetivos, uma grande dificuldade em crimes desse tipo.
“Esse caso é muito exemplar, o agressor foi preso e levado para a Casa da Mulher Brasileira”, afirma Ana Clara Auto, coordenadora Estadual do espaço, referindo-se ao último ocorrido.
A primeira unidade baiana da iniciativa federal, localizada na av. Tancredo Neves, foi inaugurada no final do ano passado e reúne diferentes órgãos estaduais e municipais que atuam no combate à violência de gênero, além de serviço 24h de atendimento psicossocial.
Educar é preciso
“A maioria dos casos é de violência doméstica, que ainda é um grande tabu e requer toda uma rede de apoio para que a mulher se fortaleça, pois, para cada uma que consegue fazer uma denúncia, várias outras não têm coragem “, constata Ana Clara, acrescentando que a ideia central da Casa é reunir serviços especializados em um só lugar, evitando maiores exposições e revitimização da mulher.
Como encorajar mulheres a dar esse passo parece ser o cerne dessa questão complexa, de dados alarmantes. Mais, fazer com que ela se sinta amparada e acolhida. Ou ainda, que consiga ver que é vítima do assédio - seja em casa, na rua ou no trabalho.
Segundo uma pesquisa internacional conduzida por L'Oréal Paris em parceria com a Ipsos, 85% das mulheres no Brasil já sofreram assédio nas ruas
Os dados vêm acompanhados de uma visão que persiste, inclusive, entre pessoas mais jovens: 41% dos homens e 44% das mulheres com idade entre 18 e 35 anos acham que as mulheres às vezes são responsáveis por serem assediadas devido a atitudes ou aparência. Além disso, 18% dos homens e 13% das mulheres acreditam que, na maioria das situações, os homens acusados de assédio sexual não têm intenções ruins.
A pesquisa reafirma a importância de trabalhos de educação e conscientização, como os desenvolvidos pelo Instituto AzMina (@instituto_azmina) e pela Companhia Feminina Antiassédio Flor de Cacto (@flordecacto.antiassedio). O primeiro está completando nove anos, une tecnologia e comunicação, e nasceu em torno de uma revista criada para tratar de temas caros ao universo feminino, como aborto seguro, liberdade sexual e representatividade política. “Em 2015, feminicídio era comumente tratado como crime passional e as revistas femininas se pautavam por abordagem como atrair um homem”, afirma a jornalista Marília Moreira, diretora de Operações e Tecnologia de AzMina.
De lá pra cá, reflete Marília, o cenário mudou muito, e mesmo “a passos lentos”, ela acredita que as coisas estão avançando, com conquistas concretas a partir da Lei Maria da Penha - que completou 18 anos. O instituto, criado em São Paulo e hoje presente em seis estados, também diversificou suas ações e criou mecanismos como o aplicativo Penhas, que conecta mulheres de todo o País em uma rede de troca de informações e apoio. A ferramenta é gratuita, está disponível para os sistemas Android e IOS e traz funções como uma tela de pedido de ajuda – que fica salva nos servidores da empresa – cadastro de cinco pessoas de confiança, botão de pânico e um mapa com pontos de apoio.
Marília explica que o Penhas é guiado pela segurança e privacidade e que há o entendimento que nem sempre a mulher quer fazer uma denúncia formal. Muitas vezes, elas querem apenas falar sobre suas situações.
A gente orienta a partir do que ela está buscando, pois nem sempre há a compreensão do que ela está sofrendo, se o que está vivenciando é uma situação de assédio
Já a Flor de Cacto foi criada há dois anos, a partir da indignação da educadora física Clarissa Hirs, ao frequentar a boate Borracharia, no Rio Vermelho. Sozinha na festa, foi abordada de forma invasiva por um homem, que alisou suas costas. Indignada com o assédio e com o comportamento dos seguranças, que riram da cena, ela propôs ao dono do espaço uma ação anti assédio, realizada por mulheres. Vale lembrar que, desde dezembro, o País conta com a Lei n° 14.786, conhecida como protocolo Não é Não, idealizada para oferecer proteção às mulheres que sofrem assédio em boates e casas noturnas. O objetivo do dispositivo é assegurar os direitos dessas mulheres e ajudar a combater situações de constrangimento e violência.
Atualmente, o Flor de Cacto atua também em eventos e promove capacitação e palestras em diferentes espaços, como na última quinta-feira, no Terreiro do Gantois, na Federação. “Nessas conversas com a comunidade ouvimos as pessoas para entender o que elas compreendem como assédio, e trocamos ideias e experiências, pois o que a gente quer é fomentar uma relação respeitosa entre homens e mulheres”, reforça, acrescentando que a mulher precisa primeiro elaborar que está sofrendo algum tipo de violência, para depois se defender e pedir ajuda.
Essa elaboração é um processo individual e feito no tempo de cada pessoa, como constata a psicóloga Paula Mendes, que atua nos projetos Oxe, Me Respeite e Salas Elas à Frente, da Secretaria Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres. “Elas podem passar várias vezes na frente da sala, antes de tomar coragem para entrar e se informar pois na maioria dos casos, sobretudo de violência doméstica, estão envolvidos o medo do agressor e a dependência afetiva e financeira”, diz Paula, que faz plantões na sala localizada no Metrô Pirajá. Em seu último atendimento, uma mulher, após uma briga violenta com o companheiro, procurou orientação, e foi encaminhada à Casa da Mulher.
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