TRATATIVA
Cemitério descoberto em Salvador deve ser escavado
MP media acordo com Santa Casa para promover possível reparação histórica a negros escravizados
Por Madson Souza

A Santa Casa deve decidir a partir de 24 de fevereiro se permite a escavação de seu estacionamento no Campo da Pólvora, na busca por provas materiais de que o local foi um cemitério de negros escravizados. A descoberta da pesquisadora Silvana Olivieri, com base em mapas e documentos históricos, indica que na Pupileira, em Nazaré, foram enterrados líderes da revolução pernambucana e das revoltas dos búzios e dos malês, além de diversas outras pessoas. Para a prova material da pesquisa é preciso escavar o estacionamento que pertence a Santa Casa. Uma reunião no Ministério Público, ontem, tratou do assunto.
Instituições que cuidam do patrimônio histórico e cultural do país, a Santa Casa e o Ministério Público estiveram com representantes na conversa, que contou também com pesquisadores. Durante a reunião foi organizado e proposto um termo de cooperação para a escavação no local. A pesquisadora e doutoranda do programa de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal da Bahia, Silvana Olivieri, explica que o objetivo da pesquisa é encontrar esses vestígios ósseos e humanos do antigo cemitério no local. E para isso é preciso um processo de prospecção simples.
A escavação vai ser feita de forma voluntária e deve durar de três a dez dias - sem nenhum custo para a Santa Casa. A ideia é que sejam interditadas apenas uma ou duas vagas do estacionamento para comprovar de forma material a existência do cemitério no local. Ao fim dessa fase o solo vai ser reconstituído e as vagas liberadas, de forma que cause o menor transtorno possível, conforme a pesquisadora. Ela ainda reforça que, devido a composição de terra e brita do estacionamento, não será preciso “quebrar nada no processo”.
Se a parte prática da pesquisa parece simples, seus resultados podem gerar grande impacto. “É uma oportunidade que a gente tem de prestar contas ao passado, a essas pessoas que sofreram, que passaram por essas violências raciais, essa violência colonial que a gente vê ainda tão presente hoje, justamente porque a gente não fez esse acerto de contas. Costumo dizer que esse achado tem o potencial de abalar as bases coloniais e racistas dessa cidade, porque a gente sabe que as práticas coloniais apagam memórias, vestígios, dessas práticas de violência e assim se perpetuam. É um impacto enorme porque é o apagamento proposital de um lugar”, afirma.
Desde setembro acontecem tratativas entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Santa Casa para a realização da escavação, mas sem conclusões. Por isso a reunião que aconteceu ontem no Ministério Público. Em nota, a Santa Casa “ratifica sua disponibilidade para colaborar”. A promotora de justiça do MP-BA, reforça a importância da descoberta. “É algo que modifica toda uma estrutura histórica e cultural da região do Campo da Póvora e da cidade de Salvador. A partir do dia 24 (de fevereiro) a gente deve ter todas as respostas necessárias da Santa Casa”.

Pista do século XVIII
A descoberta de Silvana surgiu a partir de uma inquietação: “Será que existe um cemitério desaparecido em Salvador?” Instigada pela descoberta do Cemitério dos Pretos Novos, no Rio de Janeiro, e do Cemitério dos Aflitos, em São Paulo, além de outros pelo país e pelo mundo, ela buscou em plantas antigas de Salvador até que encontrou uma do século 18 em que o cemitério estava assinalado. A partir daí a pesquisadora buscou outras fontes bibliográficas e reuniu um acervo robusto de provas sobre a localização.
Para o arqueólogo do Iphan, Alex Colpas, essa é a mais importante descoberta da arqueologia da Bahia nos últimos anos. Ele explica que o local é um importante registro histórico e um espaço de possível reparação.
“Inequivocamente já foi encontrada a localização do cemitério. Agora, a pesquisa arqueológica é justamente para encontrar a materialidade desse cemitério, que vai ser registrado como sítio arqueológico e as populações que foram sepultadas ali, devem ser postas no local da história que eles merecem estar, de protagonistas, na formação do que hoje a gente entende como Brasil”, afirma. Ainda que distante, Alex considera que existe possibilidade que o local se torne no futuro um memorial.
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