PUPILEIRA
Escavações de cemitério: entenda a importância de ato em Salvador
Ato inter-religioso marca início do processo na cidade
Por Marcela Magalhães

O processo de escavação no terreno onde pode ter sido o primeiro cemitério público de Salvador foi iniciado na manhã desta quarta-feira, 14. A data escolhida para a escavação está relacionada ao dia da execução de quatro mártires da Revolta dos Malês — maior revolta contra escravidão da história brasileira — pelo Estado da Bahia há 190 anos.
Localizado no bairro de Nazaré, onde funciona o estacionamento da Pupileira, o espaço é apontado por pesquisadores como o Cemitério do Campo da Pólvora do Desterro — local de sepultamento, entre os séculos XVIII e XIX, de pessoas escravizadas, indígenas, suicidas, prostitutas, excomungados e condenados à morte.
Na abertura houve um ato inter-religioso com representantes do candomblé, catolicismo, islamismo e outras expressões de fé, destacando o resgate da história e preservação da memória daquelas pessoas que foram enterradas sem dignidade.
Importância
“Esse ato inter-religioso é um reencontro com nossos ancestrais. É um pedido de licença, uma bênção, um chamado coletivo para honrar quem veio antes de nós. Nossos ancestrais trouxeram suas crenças, seus orixás, sua forma de entender o mundo, e mesmo diante da brutalidade da escravidão, resistiram. E muitos dos que ali estão enterrados — cerca de 100 mil pessoas — morreram sem sequer o direito à memória. Hoje, estamos aqui para garantir que isso mude”, declara Yoji Senna, coordenador no Brasil da Brazilians Descendants Association Lagos/Nigeria.
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O líder espiritual dos muçulmanos na Bahia, Sheikh Abdul Ahmad, que também participou do ato, reforça o caráter universal da dignidade humana: “Muitos homens e mulheres sepultados aqui eram muçulmanos e foram tratados como coisas até mesmo após a morte”.
De acordo com as evidências, a área em questão foi originalmente gerida pela Câmara de Salvador e teria funcionado como cemitério por aproximadamente 150 anos, até o ano de 1844. A pesquisa surgiu a partir do trabalho de doutorado da arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, que utilizou mapas históricos e imagens de satélite para cruzar informações e apontar a localização exata do antigo cemitério. A comprovação foi reforçada por uma certidão de compra e venda do terreno feita pela Santa Casa, que faz menção explícita ao cemitério.
A primeira etapa da escavação está sendo conduzida por uma equipe de arqueólogos e pesquisadores, com previsão de duração de 10 dias. A pesquisadora responsável pela escavação, a arqueóloga Jeanne Dias, explicou que esta primeira fase tem caráter diagnóstico, com o objetivo de localizar vestígios ósseos e mapear as valas coletivas apontadas por registros históricos.
“Vamos observar a forma de deposição dos corpos, identificar características que indiquem sexo, idade e possíveis objetos pessoais. Neste momento, não vamos remover os corpos. A ideia é documentar e ampliar o diálogo com a sociedade para decidir, coletivamente, os próximos passos”, declara.
Yoji Senna, coordenador no Brasil da Brazilians Descendants Association Lagos/Nigeria, faz um apelo às instituições: “Que tratem esse solo com o respeito que ele merece. Que não deixem esse lugar virar apenas um dado acadêmico ou turístico. Que envolvam as comunidades negras, os terreiros, os movimentos sociais. Que esse território sagrado se transforme em um centro de memória, de educação e de celebração da vida dos nossos”. Segundo o Iphan, o terreno está em processo de delimitação e deve ser cadastrado como sítio arqueológico, passando a contar com proteção legal.
*Sob a supervisão da editora Meire Oliveira
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