Menu
Pesquisa
Pesquisa
Busca interna do iBahia
HOME > SALVADOR
Ouvir Compartilhar no Whatsapp Compartilhar no Facebook Compartilhar no X Compartilhar no Email

SEM FRONTEIRA

Prática da espiritualidade transcende dogmas e mistura tradições na Bahia

Tradição, ancestralidade e busca por sentido na vida coexistem de forma única em atividades religiosas

Por Gabriel Vintina*

31/12/2024 - 6:00 h
Pluralidade é vista como forma de resistência cultural e espiritual
Pluralidade é vista como forma de resistência cultural e espiritual -

A religiosidade em Salvador é um fenômeno pulsante, onde tradição, ancestralidade e a busca por sentido na vida coexistem de forma única. Entre igrejas católicas, terreiros de candomblé e outras expressões espirituais, é comum encontrar práticas que vão além dos limites da religião institucionalizada.

"Na Bahia, a prática religiosa é muito mais pessoal", afirma Cleidiana Ramos, jornalista e doutora em antropologia. De fato, Salvador exemplifica uma espiritualidade que transcende dogmas, misturando elementos de diferentes tradições.

Pessoas buscam conexão com o divino em espaços diversos. "As pessoas podem frequentar uma igreja evangélica e, ao mesmo tempo, participar de celebrações do candomblé, sem se sentirem culpadas. Esse trânsito religioso é uma característica marcante daqui", explica Cleidiana.

Essa religiosidade fluida, segundo Cleidiana, está profundamente enraizada na cultura baiana. "Muitos dizem que a Bahia tem o maior número de pessoas sem religião, mas isso não significa que não acreditem no sagrado", explica. Para ela, essa pluralidade é uma forma de resistência cultural e espiritual. "É uma espiritualidade que abraça a diversidade e busca conforto em várias tradições", completa.

Para Vagner Rocha, gestor cultural e apresentador do podcast Axé das Plantas, a espiritualidade não precisa de templos específicos. “Ela se manifesta em rituais simples, como o uso de folhas ou o ato de pular as sete ondas no final do ano". Essas práticas não apenas demonstram a busca pelo sagrado, mas também a flexibilidade de uma fé que se molda às experiências individuais e contemporâneas.

Conexão

Segundo Cleidiana, a distinção entre religião e espiritualidade é fundamental para entender o fenômeno da fé em Salvador. "Religião é um conjunto de dogmas e rituais institucionalizados. Já a espiritualidade é a prática pessoal, a busca por conexão com algo maior, sem necessariamente seguir normas rígidas".

No candomblé, por exemplo, não há uma doutrina única; cada casa segue tradições próprias. "Isso é diferente do catolicismo, que tem ritos padronizados. No candomblé, a prática é viva, adaptada às realidades das comunidades", explica.

Essa flexibilidade também se reflete nas escolhas individuais. "Minha espiritualidade é um mix de vivências. Cresci em uma família católica, mas ao longo do tempo fui conhecendo outras tradições, como o espiritismo, a umbanda e o candomblé. Hoje, absorvo o que me inspira de cada uma.", conta Eduardo Santana, estudante de produção em comunicação e cultura. Para Eduardo, essa liberdade de escolha é essencial para sua conexão com o sagrado. "Não sinto necessidade de me vincular a uma religião específica. Minha fé é construída a partir das experiências que me fazem bem".

Vagner Rocha concorda com essa perspectiva, enfatizando que a espiritualidade não precisa estar atrelada a um credo formal. "Faço uso de banhos de sal grosso e uso folhas para renovação, mesmo sendo católico. Essas práticas têm raízes nas religiões afro-brasileiras, mas transcendem barreiras religiosas. São gestos que conectam corpo, mente e alma". Para ele, essa liberdade espiritual é um reflexo da diversidade cultural da Bahia, onde as tradições se entrelaçam e criam novas formas de expressão.

Sentidos

No cotidiano, a espiritualidade se manifesta em gestos carregados de significado. "Na minha infância, minha avó e minha mãe usavam folhas para rezar, curar e proteger. Essa conexão com a natureza moldou minha espiritualidade", lembra Vagner Rocha".

Hoje, ele leva esse aprendizado adiante, nas discussões do seu podcast Axé das Plantas. "A ciência começa a reconhecer o que as comunidades africanas e indígenas já sabem há séculos: as folhas têm poder curativo para o corpo e a alma".

Eduardo Santana também utiliza elementos naturais em sua rotina espiritual. "Uso branco às sextas-feiras, tomo banhos de folhas e acendo incensos para equilibrar minhas energias. Viver em Salvador, com tanta diversidade religiosa, me permitiu absorver ensinamentos de várias tradições, especialmente do candomblé", conta.

Essa diversidade de práticas, no entanto, não significa que a espiritualidade seja algo aleatório ou superficial. "As pessoas que buscam uma conexão espiritual séria não estão interessadas em uma fé de ocasião", afirma Cleidiana. "Elas querem rituais e práticas que tragam sentido e conforto genuíno". Em Salvador, isso se traduz em uma convivência harmoniosa entre tradições religiosas diferentes, onde o importante é a experiência pessoal do sagrado.

Relações culturais

A pluralidade espiritual de Salvador não apenas reflete uma diversidade de crenças, mas também cria um espaço onde culturas e tradições se encontram. Essa interação é um traço marcante da cidade, onde o sagrado se manifesta de forma inclusiva. "Na Bahia, é comum que uma pessoa participe de uma procissão católica e, no dia seguinte, esteja em um terreiro de candomblé. Isso não é visto como contradição, mas como uma demonstração de que a fé é algo fluido e multicultural", comenta Cleidiana Ramos.

Essa convivência harmoniosa, no entanto, exige respeito e entendimento. Vagner Rocha observa que a espiritualidade sem fronteiras pode ser um desafio para aqueles que ainda enxergam as religiões como territórios isolados. "Não é incomum encontrar quem critique essa mistura de práticas, alegando que falta compromisso. Mas, na verdade, essas pessoas estão criando pontes entre tradições, preservando o que há de mais rico em cada uma". Ele destaca que essa visão mais ampla é essencial para promover a tolerância religiosa.

Eduardo Santana compartilha suas experiências sobre o desafio de manter uma espiritualidade independente. "Às vezes, eu me sinto perdido do que seguir, porque estou adaptando o que outras religiões têm a oferecer, de forma benéfica ou não. Quando você segue uma religião, tem algo para se apoiar, uma âncora. Se você está passando por um momento difícil, tem uma estrutura de acolhimento, e isso é muito importante".

Para ele, a busca por um caminho espiritual pessoal pode ser solitária e dúbia, onde ainda há incertezas, mas ao mesmo tempo, a crença em algo maior. "A fé independente pode ser solitária porque você pratica por conta própria, sem uma comunidade para te apoiar".

Por fim, a espiritualidade vivida em Salvador vai além de uma experiência pessoal: ela transforma a relação das pessoas com suas comunidades e com o mundo. "Quando respeitamos e aprendemos com diferentes formas de fé, criamos um espaço de diálogo e harmonia", reflete Cleidiana. Esse modelo não apenas valoriza as tradições locais, mas celebra a capacidade de conectar com o sagrado de maneiras únicas e diversas.

*Sob a supervisão da editora Meire Oliveira

Interação cria ambiente inclusivo

A espiritualidade sem fronteiras não é apenas uma prática individual, mas também um fenômeno social que reflete mudanças mais amplas na maneira como as pessoas veem a fé. "Muitos líderes religiosos criticam essa fluidez, argumentando que a fé deve ser firme e institucionalizada, mas para muitas pessoas, o que importa é a experiência individual, a conexão direta com o sagrado", diz Cleidiana.

Essa visão é compartilhada por Eduardo Santana, que afirma. "A espiritualidade me ajuda a enfrentar desafios. Mesmo sem uma religião fixa, encontro força nas tradições que fazem sentido para mim".

Vagner Rocha acrescenta que os rituais de renovação, especialmente no final do ano, têm um papel importante na vida das pessoas. "Tomar um banho de sal grosso ou pular ondas não é apenas superstição. É uma forma de renovar energias e começar um novo ciclo com esperança e propósito". Essas práticas, segundo ele, mostram como a espiritualidade pode ser transformadora, mesmo fora dos limites das religiões formais.

Por fim, a pluralidade espiritual de Salvador é um exemplo de como a fé pode ser vivida de maneira inclusiva e respeitosa. "Essa diversidade é um tesouro cultural", diz Cleidiana. "Ela nos ensina que a espiritualidade é uma experiência profundamente humana, que pode se manifestar de muitas maneiras".

Ao abraçar essa liberdade, Salvador reafirma seu papel como um espaço onde a fé transcende fronteiras, celebrando o que há de mais genuíno na busca pelo sagrado: a conexão entre o humano e o divino.

Compartilhe essa notícia com seus amigos

Compartilhar no Email Compartilhar no X Compartilhar no Facebook Compartilhar no Whatsapp

Tags:

Bahia dogmas espiritualidade. tradições

Cidadão Repórter

Contribua para o portal com vídeos, áudios e textos sobre o que está acontecendo em seu bairro

ACESSAR

Siga nossas redes

Siga nossas redes

Publicações Relacionadas

A tarde play
Pluralidade é vista como forma de resistência cultural e espiritual
Play

Vídeo: saída de show provoca confusão na Paralela e superlotação no metrô

Pluralidade é vista como forma de resistência cultural e espiritual
Play

Vídeo: Mulher é racista com funcionária em petshop: "Petista e preta"

Pluralidade é vista como forma de resistência cultural e espiritual
Play

Homem é baleado ao tentar roubar passageiros de ônibus com arma falsa

Pluralidade é vista como forma de resistência cultural e espiritual
Play

Ano novo e acidente: colisão deixa carros destruídos em Salvador; assista

x

Assine nossa newsletter e receba conteúdos especiais sobre a Bahia

Selecione abaixo temas de sua preferência e receba notificações personalizadas

BAHIA BBB 2024 CULTURA ECONOMIA ENTRETENIMENTO ESPORTES MUNICÍPIOS MÚSICA O CARRASCO POLÍTICA