INTOLERÂNCIA
Salvador vive dura realidade de racismo religioso
Apesar dos avanços legais, ekedi do terreiro Ilê Axé Oyá Omin Igbalé, foi vítima de apressão por preconceito religioso no Metrô de Salvador
Por Priscila Dórea
Avanços legislativos, ações educativas, intensificação de campanhas no Novembro Negro… E mais um crime de intolerância religiosa contra uma religião de matriz africana é registrado em Salvador. As falas e gritos intolerantes foram ditos por uma mulher branca no último dia 23 para Marneide Sousa da Silva, ekedi do terreiro Ilê Axé Oyá Omin Igbalé, no Metrô de Salvador. Detida por dois dias, a acusada passou por uma audiência de custódia na manhã de ontem, onde ganhou liberdade provisória com medida cautelar enquanto o processo criminal se desenrola. A vítima? Não consegue esquecer o que passou.
“Ela gritava, batia na bíblia, erguia as mãos na minha direção, tentava tocar em minhas contas e gritava mais. Ela ficava dizendo que ‘essas coisas de preto precisam ser evangelizadas’ e ‘só existe eu e Deus’. Até quis me mostrar um trecho da bíblia que dizia, de acordo com ela, que eu era pecadora. Nunca passei por nada assim na vida. Já percebi olhares, ouvi comentários, mas nada tão explícito assim”, afirma Marneide, que acredita que um pouco da Justiça já está sendo feita com os dois dias de detenção da acusada, “mas agora a luta continua, pois quero a devida justiça, não apenas detenção”.
O crime sofrido por Marneide deve se juntar a outras 151 denúncias de violação contra liberdade religiosa e de crença registradas na Bahia de janeiro a outubro deste ano, listadas no Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) - em todo o ano de 2023, 169 denúncias foram registradas no estado. “O boletim de ocorrência foi feito, mas não queremos que fique nisso. Queremos que vire inquérito policial e que o Ministério Público o torne processo criminal, para que caia no conhecimento de todos que isso é crime e que há punição”, explica o advogado Mateus Mozart Dórea, filho do Ilê Axé Oyá Omin Igbalé e responsável pelo caso de Marneide.
O advogado aponta que a conscientização, e o combate ao racismo e a intolerância avançaram muito nos últimos anos, mas ainda há muito chão para percorrer e mente para ensinar. “Quantos casos de injúria, intolerância e racismo contra o povo preto podem estar acontecendo agora, sem nada estar sendo feito para punir esses criminosos? Existe uma falha no sistema, principalmente no que diz respeito a conscientização dos operadores desse sistema”, alerta Mateus.
No caso de Marneide, por exemplo, ela aponta que a conduta tomada pelas agentes do CCR Metrô foi “impecável” e que os soldados da PM “foram muito acolhedores”, mas o tenente da PMBA “fez pouco caso, como se eu estivesse me vitimizando”. São por comportamentos assim que, para o advogado Mateus Mozart Dórea, deveriam haver ações educativas imersivas para os policiais. “Não são todos, claro, mas é nítido o quanto há condutas distintas entre os oficiais, visões diferentes. Deveria haver uma formação padrão e contínua para todos. Salvador, como a cidade negra que é, deveria ser um exemplo”, acredita.
Impunidade
Ialorixá do Ilê Axé Oyá Omin Igbalé, Mãe Vilma de Ogum recebeu a notícia com muita tristeza. “Estamos vivendo um momento de combate ao racismo, mas não sei até onde isso vai, o que me entristece muito. Essas pessoas estão acostumadas a ignorar a lei, pois estão certas que vão sair impunes, pois acham que podem tudo. Só que não vamos parar. Nós sempre lutamos por nossos direitos gritando por eles e vamos seguir assim: gritando por direitos, liberdade e respeito”, afirma Mãe Vilma de Ogum.
A intolerância, infelizmente, tem se tornado um crime constante e rotineiro, mesmo com as leis que criminalizam esses comportamentos, aponta o presidente do Conselho Municipal das Comunidades Negras (CMCN), Evilásio Bouças. “Vários órgãos e entidades têm discutido como combater a intolerância, em todas as instâncias de poder, e acredito que é necessário levar essa discussão também para os líderes religiosos de outras religiões, para que eles possam educar seus seguidores e eles mudem seu olhar”, explica Evilásio.
E se essa conscientização já vier na infância, melhor ainda. Formada por organizações da sociedade civil, foi apresentado ontem (25) na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), o Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista (Seta), que visa enfrentar o racismo estrutural que prejudica a educação pública. Formada por organizações da sociedade civil, entre os resultados esperados com a implantação do Seta na Bahia, está o aumento do diálogo intergeracional sobre racismo e educação em lares, escolas, trabalho e mídia, e o aprimoramento e implementação de políticas públicas de educação que garantam qualidade, equidade e oferta contextualizada.
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