
ENTREVISTA
Del Feliz reage a mudanças no São João: “O anfitrião está sendo expulso da festa”
Cantor diz que a perda de espaço do forró e a descaracterização das festas juninas
Por Beatriz Santos*

O futuro do forró e a preservação das tradições nas festas juninas são temas que têm ganhado cada vez mais espaço nas discussões sobre o São João da Bahia. Atração confirmada na festa do Pelourinho neste ano, o cantor e compositor Del Feliz fez um alerta direto: "Não é razoável é imaginar uma festa onde o protagonismo será dos convidados".
O artista baiano, que celebra 25 anos de carreira, tem sido uma das vozes mais ativas na defesa do forró como símbolo da identidade nordestina. Com uma agenda cada vez mais intensa durante o mês de junho, Del também celebra o reconhecimento do gênero: “É esperado que, a cada ano, haja um incremento, uma demanda maior de cidades para atendermos no São João. Eu fico muito feliz, pois nos entregamos de coração para fazer aquilo que amamos. Então, não tem cansaço, não tem dificuldade.”, afirmou, em entrevista exclusiva ao Portal A TARDE.
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A descaracterização do São João
O crescimento de outros ritmos musicais nas festas juninas, como o arrocha, tem gerado debates sobre a descaracterização do São João. Pela segunda vez consecutiva, a banda de arrocha Toque Dez liderou o número de shows no São João da Bahia.
Para Del Feliz, a inclusão de diferentes estilos é bem-vinda, desde que haja equilíbrio: “Eu respeito a presença de todos os estilos. Mas acho que não é razoável ter uma festa tão simbólica sendo descaracterizada, por conta da invasão de outros ritmos. E, pior ainda, em alguns casos mais radicais, ver o anfitrião expulso, porque há festas que sequer têm uma atração de forró.”
O cantor compara a situação a outros festivais temáticos:
Você não vai a um festival de jazz para assistir a uma banda de axé; você não vai a um festival de reggae para assistir uma banda sertaneja; do mesmo jeito que não vai a um festival de música sertaneja esperando encontrar um cantor de rock. Não rola, porque seria um contrassenso, seria estranho.
Del reforça que o problema não está na mistura, mas na falta de bom senso na programação: “Se em cinco atrações diárias houver uma atração diferente, seja de arrocha ou outro ritmo, não vejo isso como algo que vai acabar com a festa ou descaracterizá-la. Agora, se você tem uma festa cuja programação contempla vários outros ritmos e, em cinco atrações diárias, não tem nenhum forró, isso vai soar estranho, vai contribuir para a descaracterização e destruir a festa.”
O papel do forró na construção da festa
Como um dos padrinhos da campanha que reconheceu o forró como Patrimônio Cultural do Brasil, Del Feliz lembra que o gênero é a base da celebração junina.
A festa de São João é gigante, as festas juninas são gigantes, em boa parte graças ao forró, que foi quem construiu a base musical e cultural dessa celebração. E isso precisa ser respeitado.
Segundo ele, a perda de espaço do forró pode comprometer a identidade da festa. “Ninguém sai de outro estado ou de outro país para assistir a uma festa junina descaracterizada. Se fosse assim, não seria uma festa junina, não seria um São João, seria apenas uma festa qualquer, um festival qualquer. Não precisaria ter o nome de São João, nem acontecer no período do São João, poderia ser feita em qualquer época, com qualquer tipo de atração no palco.”
Apesar das críticas, Del não acredita que o forró esteja ameaçado de extinção: “O forró tem uma força enorme. Tanto é que, nos festivais de forró fora de época que realizamos, são eventos lotados exclusivamente com forró. Ele é um símbolo nordestino que vem conquistando o mundo.”
Equilíbrio entre tradição e inovação
Reconhecido por suas parcerias musicais com artistas de diversos gêneros, Del Feliz defende a modernização do forró, desde que sem perder a essência: “A cultura não é estática, ela vai se moldando. Luiz Gonzaga começou o forró de um jeito e, quando morreu, já fazia forró de outro jeito. Isso é natural. Ele também tinha uma cabeça aberta para novas ideias, para o novo, para as parcerias.”
O cantor acredita que é possível adaptar a linguagem musical para aproximar os jovens, mas sem abrir mão de elementos essenciais: “Hoje você tem alguns jovens fazendo o que eles chamam de forró misturado com rap, com trap, com batidas novas. Está tudo ali. Agora, eu sou um defensor da ideia de que, para manter os pés no chão, também é preciso manter a antena ligada.”
Para ele, o problema está em usar o nome "forró" em projetos que não guardam relação com os elementos tradicionais do gênero: “Criar uma batida totalmente diferente, sem sanfona, sem zabumba, sem triângulo, não é xote, não é arrasta-pé, não é forró, não é xaxado. E, ainda assim, chamar de forró é meio complexo.”
Del conclui que o caminho ideal é o equilíbrio: “Que o novo venha, que possamos adaptar, inventar, incrementar, melhorar, fundir. Mas a apropriação indevida, essa jamais será justa.”
Forró além de junho: internacionalização e projetos futuros
Com uma carreira marcada por projetos colaborativos, Del Feliz também falou sobre o esforço para manter o forró presente ao longo do ano e fora das fronteiras brasileiras. “Dou minha contribuição não só nessas imersões e viagens pelo mundo, divulgando, me apresentando, fazendo palestras — como no Japão, onde tive a honra de receber o título de Embaixador da Cultura Nordestina e do Forró —, mas também promovendo eventos fora da época junina.”

O cantor cita iniciativas como o Encontro de Sanfoneiros de Rio de Contas como um exemplo de ações que ajudam a manter o gênero em evidência: “São eventos que passamos a organizar com o intuito de valorizar os fazedores dessa cultura tão essencial, tão valiosa, tão bela: o forró.”
Ao celebrar os 25 anos de carreira, Del prepara novas parcerias, como a música 'Saudade Afiada', em colaboração com Flávio Leandro, que será lançada após o São João.
Mesmo com a crescente preocupação sobre o futuro das festas juninas e o espaço do forró, Del Feliz segue otimista, apostando no diálogo entre tradição e renovação: “Dentro dessas modernizações, dessas invenções que eu considero importantes, acho fundamental que a gente não perca o olhar para a essência do ritmo.”
*Sob supervisão de Bianca Carneiro
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