
MUDANÇAS
Geração Z rejeita aprender forró e acende alerta para o futuro do São João
Com queda na procura pelos instrumentos típicos, professores avaliam o futuro do forró
Por Beatriz Santos*

A sonoridade da sanfona, do triângulo e da zabumba é presença garantida no São João, embalando as quadrilhas e arrasta-pés. No entanto, professores de música têm observado um fenômeno preocupante: jovens da gerações Z (1997 a 2010) e A ou Alfa (a partir de 2010) estão cada vez menos interessados em aprender os instrumentos tradicionais do forró.
O resultado é um cenário de baixa procura por aulas e um amplo debate sobre o futuro do gênero musical. Em entrevista exclusiva ao Portal A TARDE, músicos e educadores com experiência em escolas de música compartilharam suas percepções e os possíveis caminhos para a preservação do forró.
Interesse em queda e influência das redes sociais
Professor e proprietário da Badermann Academia de Música, em Lauro de Freitas, Henrique Badermann descreve um cenário de desinteresse quase absoluto por parte dos jovens.
A demanda entre crianças e jovens por quaisquer instrumentos relacionados ao forró é praticamente zero.
Segundo ele, que também toca sanfona em shows, a maior parte dos alunos hoje da sua escola busca aulas de piano, violão/guitarra, canto e bateria. "Cerca de 70% a 90% da demanda estão nestes cursos".
O professor relata que, quando eles se interessam por música nacional, o foco é outro. "Quando o foco é a música nacional, geralmente vamos para estilos como sertanejo, rock nacional, bossa nova. Entre jovens, há uma procura maior por músicas do estilo K-pop e trilhas de jogos de filmes e séries", conta.

Leia Também:
Badermann observa que a queda de interesse pelos instrumentos do forró não é recente. "Desde que comecei a dar aulas em 2016, já presenciei esse declínio, com demanda cada vez menor, ano após ano", relata. Ele acredita que a tendência é de queda contínua. "No ensino musical, essa procura sempre foi abaixo da média em relação aos outros estilos. E claramente estamos sim em uma tendência enorme de baixa, tendendo a zero, principalmente para jovens."
O impacto das redes sociais é apontado como um dos principais fatores. "Acredito que o excessivo uso de redes sociais e telas trouxe para essa geração, desde cedo, hábitos nocivos que não tínhamos no período pré-pandemia", avalia Henrique.
Os jovens de hoje passaram por um período de pandemia com muitas horas diárias dedicadas às redes sociais como TikTok e Instagram, onde há uma prioridade em materiais de curta duração, com foco viral. Muitos desses vídeos focados em danças, que priorizam outros estilos musicais como piseiro, trap, funk, acabaram influenciando o perfil atual dos jovens
Clécio Carvalho, educador musical há mais de 15 anos e sanfoneiro do Trio Resfulengo, também percebe a queda de interesse. "Percebi uma diminuição gradual, especialmente no público adolescente. As crianças ainda se encantam bastante, mas conforme crescem e vão sendo influenciadas por outras culturas musicais, acabam se distanciando da raiz. Isso é preocupante", afirma.
Clécio destaca que a falta de visibilidade midiática é um dos maiores desafios. "O maior desafio é romper a barreira da visibilidade. A juventude é muito conectada com o que está nas plataformas digitais, e o forró tradicional ainda é pouco explorado nesse ambiente", observa.

Para Clécio, a diminuição da procura pelo ensino de instrumentos clássicos do forró tem diversas razões. "Pelo custo da sanfona e pela dificuldade inicial que o instrumento exige. Diferente de um violão, a sanfona assusta no começo. Falta também mais representatividade midiática", critica Clécio.
Os ídolos jovens tocam outros instrumentos, outros estilos. Quando um sanfoneiro aparece na mídia, é quase sempre como algo ‘do passado’
Henrique Badermann também vê barreiras econômicas e de perfil de consumo cultural. "Por mais que a gente invista em ações e marketing voltados para o ensino do forró, simplesmente não há interesse por parte de crianças e jovens. E quando há, é por interesse do pai ou da mãe, não um interesse genuíno do jovem. Claro que existem 'pontos fora da curva', mas isso é muito raro", diz.
Caminhos para o futuro: educação, projetos e palcos
Quanto ao futuro do forró, os professores divergem. Para Henrique, o cenário é de pessimismo. "Infelizmente não acho possível mais a reversão deste cenário", afirma. Ele acredita que o avanço da tecnologia musical tende a agravar ainda mais o distanciamento dos jovens. "Acredito que com a chegada da inteligência artificial e o surgimento de novas ferramentas envolvendo a engenharia musical, tenhamos o abandono cada vez maior dos estilos mais antigos, incluindo o próprio forró", analisa.
Já Clécio Carvalho enxerga um possível caminho de recuperação, mas que depende de ações coordenadas. "A reversão desse cenário é possível, desde que haja um movimento coletivo. Precisamos de mais projetos educacionais com foco em cultura regional, mais incentivo público, valorização nas redes sociais, e principalmente: artistas e professores comprometidos em mostrar que o forró é moderno, vivo e potente", defende.
O professor reforça que a tecnologia pode ser uma aliada. "A tecnologia pode ser uma aliada, não uma inimiga", diz. Segundo ele, é necessário ampliar a presença do forró nas escolas e nas redes. "No ensino musical, o futuro depende de políticas públicas, da presença nas escolas e da reinvenção sem perder a essência. Precisamos colocar o forró no mesmo patamar de outras linguagens valorizadas no currículo", argumenta.
Para Clécio, a emoção ao ouvir uma sanfona ao vivo pode ser uma porta de entrada para o despertar de novos talentos. "Já vi crianças se emocionarem com uma sanfona ao vivo", afirma.
O problema não é o desinteresse, é a falta de contato. Quando o forró chega de forma viva, verdadeira e atualizada, ele toca fundo. Nossa missão é continuar apresentando essa riqueza para as novas gerações
Ele acredita que a recuperação da cultura forrozeira passa pela valorização dos artistas locais e pelo fortalecimento das iniciativas de base. "Falta investimento na base: educação musical com foco regional, inclusão nas escolas, festivais com visibilidade, presença digital forte. Precisamos mostrar que o forró é tão 'cool' quanto qualquer outro gênero. Quando o jovem vê um sanfoneiro como protagonista, tudo muda. O destaque volta quando a cultura deixa de ser apenas memória e vira movimento", finaliza.
A visão da OSBA: forró em palcos sinfônicos

Além das escolas de música, as sinfônicas e filarmônicas desempenham um papel fundamental na formação musical de jovens, especialmente no interior do país, onde muitas vezes são a principal ou única porta de entrada para o aprendizado estruturado. Além de oferecerem educação musical acessível, esses grupos funcionam como espaços de socialização, disciplina e construção de identidade cultural.
Embora tradicionalmente ligados à chamada música erudita, muitas dessas instituições têm ampliado seu repertório para incluir gêneros populares como o forró, despertando o interesse dos alunos pela música regional e fortalecendo o vínculo com as raízes locais. Um dos exemplos no estado é a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA) e o seu tradicional "São João Sinfônico", que lotou a Concha Acústica do Teatro Castro Alves no início do mês, em uma apresentação que contou com a participação especial do cantor pernambucano Geraldo Azevedo.
O maestro Carlos Prazeres reconhece a importância de ações como essa, mas reforça que o trabalho de base é essencial para garantir o futuro do gênero. "Acho que a demanda pelo estudo do forró vai aumentar quando a demanda pelo ritmo crescer e isso pede a consciência dos gestores culturais de pequenos espaços", afirma o maestro.
Ele destaca a força das iniciativas locais. "Vejo a Casa da Mãe e a Marujada lotando os seus forrós, assim como outros espaços da cidade que não se cansam de reverenciar este estilo", observa. Prazeres também aponta o papel fundamental das formações musicais de pequeno e grande porte.
O papel das filarmônicas e pequenas orquestras é fundamental para a difusão do forró. São guardiões incansáveis destas lindas tradições que não podemos deixar morrer
Na contramão da tendência: o forró de Arthuzinho Bezerra

Apesar do cenário desafiador, há jovens que seguem na contramão da tendência e carregam a tradição forrozeira com orgulho. É o caso de Arthuzinho Bezerra, um sanfoneiro de apenas 12 anos que, apesar do tamanho, já é reconhecido pelo talento.
Arthur, que mora em Simões Filho, tem a sanfona como melhor amiga desde muito cedo e também sabe tocar violão. Ele é neto de Zé de Zulmira, fundador da Associação dos Forrozeiros da Bahia, falecido às vésperas do São João de 2024. Logo, para o jovem músico, as principais influências vêm da família.
“Minha história com a sanfona começou quando meu pai, que é sanfoneiro, me deu um acordeon quando criança. E comecei a tocar já com 1 ano e 3 meses de idade”, conta Arthuzinho.
A ligação com a música é também uma forma de manter viva a memória do avô. “A minha maior motivação para tocar acordeon foi através do meu eterno avô Zé de Zulmira e meu pai Fernandinho Bezerra, sanfoneiro da Banda Forró Frutos Nordestinos.”
Entre suas inspirações, ele cita ícones do forró e da nova geração: “Luiz Gonzaga, Tarcísio do Acordeon e Kara Veia.”
Apesar da pouca idade, Arthur já acumula shows em festas juninas e outros eventos. “Já me apresentei em vários eventos, estou fazendo minha primeira tour de São João em 2025. E está sendo bem animada, uma experiência muito emocionante”, relata. Ele também diz se divertir com a reação dos amigos: “Eles ficam impressionados por conta da minha idade e por eu estar fazendo shows. Meus amigos também gostam muito de forró.”
Questionado sobre como atrair mais jovens para o gênero, o pequeno sanfoneiro é direto:
As festas, muitas vezes, inserem outros ritmos que não combinam com o São João e deixam o forró de lado. A valorização do forró tem que ser incentivada para que cada dia mais jovens venham a se interessar pelos instrumentos.
Arthuzinho também tem sonhos grandes. “O meu sonho é ser reconhecido e levar adiante o legado do meu avô Zé de Zulmira, que sempre foi um incentivador cultural e amigo dos sanfoneiros.”
Para ele, o forró vai além da música. “O forró significa o sentimento de identidade cultural nordestina.”
*Sob supervisão de Bianca Carneiro
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes