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Autismo: Mães atípicas enfrentam desafios para acesso às terapias

O mês de abril é batizado de abril azul, que abriga o dia Mundial de Conscientização do Autismo

Publicado quarta-feira, 03 de abril de 2024 às 06:00 h | Autor: Eduardo Dias
O CRE-TEA, por exemplo, é um local que conta com uma estrutura física composta por oito salas de atendimento, equipadas com materiais terapêuticos, área externa para desenvolvimento de atividades de interação
O CRE-TEA, por exemplo, é um local que conta com uma estrutura física composta por oito salas de atendimento, equipadas com materiais terapêuticos, área externa para desenvolvimento de atividades de interação -

Silencioso, desafiador e cada vez mais presente na vida das famílias. Assim é o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que atinge cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil, equivalente a um caso confirmado a cada 110 pessoas. Em meio a tudo isso, há ainda a falta de cobertura adequada de planos de saúde, escassez de atendimentos na rede pública, tratamentos particulares caros e dificuldades do dia a dia, que exigem muito tempo, esforço e dedicação de mães atípicas para proporcionar um melhor desenvolvimento aos seus filhos.

O Transtorno de Espectro Autista engloba diferentes condições marcadas por perturbações do desenvolvimento neurológico, todas relacionadas com dificuldade no relacionamento social. Estudos internacionais apontam que uma a cada 36 crianças possuem algum grau de TEA no mundo. 

O Portal A TARDE aproveita a semana em que é comemorado o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, dia 2 de abril, e traz à tona nesta reportagem relatos de mães atípicas, que é a definição para mães de crianças com condições atípicas, como no caso do autismo.

Elas contam sobre os desafios de acessar dignamente terapias necessárias para o desenvolvimento de seus filhos, além de perspectivas de ações públicas para mitigar a alta demanda do TEA.

2 de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo
2 de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo |  Foto: Freepik / Divulgação

Alta demanda

A busca por tratamentos terapêuticos para crianças autistas vai muito além da condição financeira dos pais e mães atípicos. Há casos de famílias em vulnerabilidade social que buscam atendimentos públicos e esbarram nas longas filas de espera, como também há famílias de classe média que encaram atendimentos particulares caros e desafiadores.

Nadja Carvalho, mãe de Amir, autista de 13 anos, conta que o filho faz terapia no Centro de Referência Estadual para Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CRE-TEA) e no Centro Estadual de Educação Pestalozzi da Bahia. No entanto, antes de conseguir as vagas nos dois centros, eles precisaram passar por um duro processo de espera e desgaste, até mesmo na rede privada. 

“A gente teve dificuldades muito grandes para conseguir o acompanhamento para ele, principalmente na rede privada, porque apesar de ter plano de saúde, Planserv, não conseguimos atendimento nenhum para ele. Ele é atendido no CAPs uma vez por mês, onde ele pega os medicamentos que ele toma. Conseguir um atendimento no CRE-TEA foi muito difícil, a gente levou mais de um ano para conseguir a vaga.

O meu plano de saúde, mesmo depois de muitas tentativas e muito desgaste, eu preferi ir para o serviço público para fazer todo o tratamento dele, porque realmente era muito difícil, a gente começava uma terapia com um profissional, depois eles suspendiam, trocavam, a clínica não era mais credenciada, tudo isso atrapalhou muito o desenvolvimento dele Nadja Carvalho, mãe de Amir, autista de 13 anos
Nadja Carvalho, mãe de Amir, autista de 13 anos, ao lado do esposo
Nadja Carvalho, mãe de Amir, autista de 13 anos, ao lado do esposo |  Foto: Arquivo Pessoal

Em Salvador, há esses e outros atendimentos gratuitos, como no caso do CRE-TEA, mantido pelo Governo do Estado, e da Associação de Amigos do Autista da Bahia (AMA-BA), entidade filantrópica que acolhe diversas famílias. Mas a alta demanda faz com que as filas de espera pelos tratamentos sejam de meses, ou até mesmo de anos, fazendo aumentar a busca por atendimentos particulares, que muita das vezes as famílias precisam ficar mudando de um centro para o outro em busca do tratamento ideal e mais barato.

O CRE-TEA, por exemplo, é um local que conta com uma estrutura física composta por oito salas de atendimento, equipadas com materiais terapêuticos, área externa para desenvolvimento de atividades de interação e Núcleo de Ensino e Pesquisa que desenvolve ações de capacitação de profissionais de saúde e educação que atuam no âmbito do SUS com pacientes com TEA, mas há critérios para matrícula para que possam entrar para a fila de espera, em casos de suspeita ou confirmação do diagnóstico.

“Todos temos essa dificuldade, da parte de a gente encontrar uma terapia que seja ideal, a questão da interação entre o paciente e o profissional, que muitas vezes não acontece, e a gente fica preso porque não consegue um outro profissional para fazer. São coisas que são muito difíceis. Para a gente, é assim".

"Por outro lado, tem a questão da família. Para a gente conseguir que uma criança autista tenha acompanhamento, precisa de uma rede de apoio muito grande, muito forte, que ele tenha uma estrutura familiar muito boa para poder conseguir levar a vida…Ver outros pais e outras mães que não conseguem manter a criança na terapia por conta de não conseguir as vagas é triste. Eu acho que [a oferta] está deficiente, e acho que poderia ter mais opções para os autistas aqui em Salvador”, pontuou Nadja.

A mesma dificuldade é enfrentada também por Cleide Ferreira Rego, mãe de Elloá Sophia, autista de seis anos, que há dois não sabe o que é se consultar com uma neuropediatra. Atualmente, ela conta com apenas duas especialidades ofertadas pela APAE, com 30 minutos de atendimento.

Minha filha tem seis anos e, tirando as consultas, ela ainda não faz tudo o que precisa. Estamos há dois anos sem neuro. E muitas que eu conheço, do grupo de mães com filhos autistas, não fazem terapia nenhuma Cleide Ferreira Rego, mãe de Elloá Sophia, autista de seis anos
 

"Nós fazemos um atendimento único na semana pela APAE, onde ela tem atendimento com uma fonoaudióloga e terapia ocupacional. Isso uma vez na semana, por 30 minutos cada. Então, a nossa experiência com terapias é horrível. Identificamos o autismo nela em 2020, hoje ela tem seis anos e só faz esses atendimentos. Digo e repito: para encontrar uma vaga de terapia para ela foi horrível”, relatou.

Cleide Ferreira Rego e sua filha Elloá Sophia
Cleide Ferreira Rego e sua filha Elloá Sophia |  Foto: Arquivo Pessoal

A AMA, por sua vez, enfrenta dificuldades por se tratar de uma entidade filantrópica, e sobrevive de parcerias e doações. Por conta dessa defasagem de oferta de terapias gratuitas, pais e mães de crianças autistas buscam os tratamentos particulares, em clínicas especializadas com diversos atendimentos terapêuticos. 

Uma delas é o Instituto Freire Kids, da especialista no desenvolvimento infantil, Cristiane Daihala, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional por formação. Em seu centro, situado em Salvador, ela explica como a importância do acompanhamento infantil e intervenção precoce em crianças com o Transtorno do Espectro Autista, voltado ao desenvolvimento sensorial ajudam as crianças com TEA.

“É um tema extremamente importante, relevante, e entendo que a intervenção precoce é um dos pilares para o desenvolvimento de novas habilidades com crianças com atraso no desenvolvimento. Eu acho que por meio da intervenção precoce, a gente, como profissional, junto com a família, pode estar estimulando a criança de modo a estar trabalhando essas habilidades que, por algum motivo, ainda não foram adquiridas e evitar que esses atrasos se transformem em dificuldades maiores. A gente deve aproveitar o máximo dessa primeira infância, onde a neuroplasticidade do cérebro da criança nos possibilita criar momentos de aprendizagem contínuo e garante que os estímulos sejam oferecidos de forma correta, na intensidade certa e que a gente possa estar direcionando essas intervenções que vão perdurar durante todo o processo de desenvolvimento da criança”, disse.

A intervenção precoce, segundo Daihala, consiste em estratégias e terapias que são implementadas para crianças desde os primeiros sinais de desenvolvimento atípico, mesmo que não haja ainda um diagnóstico fechado.

“Através dessas abordagens, a gente consegue melhorar as habilidades sociais, emocionais, comunicativas e cognitivas. Quando a gente fala em autismo e em intervenção precoce, por meio dessas práticas que são baseadas em evidências, em conhecimento científico, ela tem uma indicação de imediato. A gente deve iniciar o tratamento de forma imediata, mesmo que a gente não tenha esse diagnóstico e seja apenas uma suspeita ou um atraso no desenvolvimento. Isso porque tem estudos que mostram que quanto mais cedo se inicia, maior é a chance de reduzir esses comportamentos desafiadores e, assim, a gente pode estar contribuindo para um desenvolvimento de forma muito mais eficaz e os planos de tratamento eles sejam também eficazes a curto, a médio e a longo prazo”, pontuou, Cris, que também explica o método de abordagem usado por ela em seus atendimentos. 

“A gente entende a importância da neuroplasticidade cerebral, que nada mais é do que a capacidade que o cérebro tem de se adaptar e mudar as novas situações. É possível a gente criar essas oportunidades de aprendizagem desde muito cedo. Eu acho que um dos pontos mais relevantes que eu vou abordar aqui, é com a desconstrução da frase de que cada criança tem seu tempo. Essa frase faz com que, muitas vezes, entendida e interpretada de forma equivocada, os pais demorem a procurar profissionais especializados, mesmo identificando atraso no desenvolvimento da criança. Então, existem marcos do desenvolvimento que precisam ser alcançados dentro de um período estabelecido. E quando esses marcos não são alcançados, nos ligam um alerta de que algo ali não está bem, e a gente precisa intervir de forma imediata”, revelou.

A Prefeitura de Salvador tem tentado mitigar os efeitos do crescimento do autismo na capital baiana, através de parcerias com a própria AMA, e de mutirões de atendimentos feitos pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), além de investimentos em áreas específicas de tratamento.

Informações obtidas pelo Portal A TARDE dão conta de que a gestão municipal pretende investir R$ 1 milhão em instituições que topem construir novos centros especializados para o TEA na capital baiana. Bairro da Paz e Mussurunga estão entre as localidades de interesse para a implantação desses novos equipamentos. 

“Estamos trabalhando nisso [difundir o atendimento ao TEA]. Lancei um edital ano passado de R$ 16 milhões com recursos próprios. Dobramos as vagas das instituições contratualizadas a exemplo do NACPC e APAE (840 mil/ano cada). Daí vão nascer os do Bairro da Paz, Mussurunga, e um novo APAE na Pituba, e provavelmente um novo polo da Associação Educacional Sons do Silêncio - AESOS, que ainda está em tratativas técnicas”, explicou Ana Paula Matos, vice-prefeita e secretária de Saúde de Salvador. 

“Já estamos finalizando o aluguel de um imóvel em Cajazeiras para mais um Centros Especializados de Reabilitação (CER) próprio. Além disso, começamos um mutirão aos sábados para TEA de 0 a 3 anos para criarmos uma base para uma nova metodologia. Fora a escola de saúde que está buscando capacitação para uma ação com maior capilaridade…Hoje a maior dificuldade é a falta de neuropediatria na cidade, privado ou público. Estamos ainda com uma parceria com o Ministério da Saúde e a Faculdade Baiana para formar multiplicadores e capacitar os próprios pais. Confesso que é um dos nossos maiores desafios e ao mesmo tempo um dos assuntos que mais me mobiliza. A minha mãe foi uma das primeiras pessoas a trabalhar com autismo na secretaria estadual de Educação décadas atrás. Então, pode ter certeza que estamos mobilizando a rede”, finaliza a secretária de Saúde. 

O governo, por sua vez, segundo o governador Jerônimo Rodrigues, tem estudado uma maneira de ampliar os atendimentos terapêuticos. Além disso, o Estado prevê a construção de 15 novos Centros Estaduais de Referência na Bahia e convocará municípios a ampliarem o atendimento a pacientes com TEA.

"Estamos fazendo por onde juntar, preciso chamar pais e mães para entender a demanda. A responsabilidade inicial é do município, não é só o Estado que cuida direto. Temos dois centros em Salvador, mas que não pode ser só aqui. Estive no interior recentemente, mais precisamente em Uauá, e tenho percebido o aumento real [de casos] fora da capital. Precisamos identificar o que fazer, como ajudar mais”, disse o governador.  

Através da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab), está prevista a construção de 17 novos Centros Especializados de Reabilitação (CER) até o final de 2025, sendo 15 deles por meio do Programa de Fortalecimento do SUS no Estado da Bahia – PROSUS II, que está sendo elaborado em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID; outro CER IV em Paulo Afonso, pelo PAC Seleções; e a ampliação do Centro de Prevenção e Reabilitação de Deficiências (Cepred), que vai se transformar em mais um (CER III).

Para finalizar, João Pedro Oliveira Mercês, embaixador do autismo na Bahia, deixa uma mensagem de conscientização importante sobre o TEA.

Imagem ilustrativa da imagem Autismo: Mães atípicas enfrentam desafios para acesso às terapias

"O Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo é muito importante para que a sociedade tenha informação e venha ter muito respeito e empatia para todos os autistas. E respeito é muito importante. Que através desses movimentos da conscientização sobre o autismo haja investimentos para terapias para os autistas superarem suas dificuldades e serem independentes e realizarem seus sonhos, todos nós autistas", disse ao Portal A TARDE.

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