SAÚDE
Famílias fortalecem laços para cuidados com idosos após AVC isquêmico
AVC isquêmico é o mais comum entre os brasileiros e pode ser evitado com cuidados simples
Por Felipe Sena e Brenda Lua Ferreira
“Nós estávamos na praia com minhas tias, conversando, tomando banho de mar, quando a minha avó se abaixou, eu olhei para ela, e acreditei que ela estivesse cochilando, e quando ela levantou começou a falar coisas ininteligíveis”. Esse é o relato da estudante de Terapia Ocupacional pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Victoria Silva, de 23 anos.
Sua avó, Altanice Goes, de 86 anos, que não pôde conceder entrevista por questões de saúde, sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico, quando estava curtindo um dia de sol com a família no dia do aniversário da tia de sua neta, Victoria. “Chamei as minhas tias, e começamos todo o processo para levá-la para a assistência médica, mas estávamos em Imbassaí [litoral norte da Bahia]. Então foi a maior complicação”, diz a estudante.
Segundo o Ministério da Saúde, o AVC isquêmico é o mais comum no Brasil, representando 85% de todos os casos. De acordo com a diretora médica da companhia farmacêutica Boehringer Ingelheim, Thais Melo, que produz medicamentos próprios para tratamentos de pessoas que sofreram AVC e com problemas cardíacos; quando ocorre um caso parecido com o de Altanice, é necessário que a família acione um atendimento de emergência. “O serviço de emergência vai levar a pessoa para o hospital para que o paciente consiga ser tratado da melhor forma e mais rápida possível”, ressalta.
No entanto, no momento em que sofreu o AVC, Altanice estava em um local litorâneo, em que não existiam unidades de saúde próprias para atender casos de AVC. Segundo sua neta, Victoria, a família chegou a levá-la em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas a unidade não é especializada em casos como o de AVC. Em seguida, chegaram a levá-la a outro local próximo, na Praia do Forte, mas também não era especializado no atendimento.
Após o “tempo perdido”, como relata Victoria, Altanice foi trazida às pressas para Salvador, quando ingressou na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde ficou durante três dias. Quando foi trazida para a capital baiana, Altanice recebeu o diagnóstico de AVC isquêmico, além de fazer os procedimentos cirúrgicos e o cateterismo, para diagnosticar doenças cardíacas e retirar o coágulo de sangue da região afetada.
O mesmo aconteceu com a avó de Júlia Santos*, Janira Rocha, de 78 anos, que também não conseguiu conceder entrevista. Ela sentia fortes dores de cabeça, um dos sintomas que pode ser um alerta para o AVC, e decidiu dormir para alívio.
Contudo, quando se levantou, já estava tendo o AVC, chegou a se desequilibrar e bateu o lado esquerdo da cabeça no criado-mudo do quarto e segundo sua neta, Júlia, machucou justamente a artéria carótida, uma das principais que bombeiam sangue para o cérebro.
“Minha mãe acabou a encontrando muito tempo depois, desacordada no quarto, a emergência chegou a demorar, e a ambulância que foi enviada pelo plano de saúde não tinha equipamentos adequados, e prestaram apenas os primeiros socorros básicos”, diz Júlia.
União familiar
O cuidado, o carinho e o afeto que a família de pessoas idosas que sofreram AVC é fundamental para o processo que essas pessoas enfrentam, que já estão fragilizadas pela fase em que se encontram na vida e sofrem com o acréscimo da doença. Para os cuidados e atenção necessários, é preciso que a família modifique a rotina, e às vezes, até a rota de planos para cuidar de um familiar.
No caso de Altanice, ela já tinha Alzheimer, diagnosticado há oito anos, quando sofreu o AVC. Hoje, está no estágio 4 da doença, que tem como um dos principais sintomas a perda da memória. “Ela tinha a memória curta, com um déficit cognitivo considerável, mas ela falava muito bem, andava muito bem, se comunicava bem, e nós [a família] estávamos na manutenção da reserva cognitiva dela, até que ela sofreu o AVC”, diz Victoria.
Hoje, é feito um esquema semanal e organização para os cuidados com Altanice. “São cinco filhos, eu, a neta, mais duas pessoas que são cuidadoras que ficam na escala, uma delas, das 8h às 17h, e tem também uma pessoa que fica com ela o dia inteiro. Há um filho ou plantonista, que chega às 17h e só sai às 8h do dia seguinte, para a acompanhá-la nesses momentos”, explica.
Segundo Victoria, assim que Altanice saiu do hospital, ela foi acompanhada por um fisioterapeuta, até o mês de julho deste ano, e fonoaudiólogo, até o mês de junho, duas vezes por semana, além de um terapeuta ocupacional. Hoje, Altanice não tem mais acompanhamento com esses profissionais, recebe apenas os cuidados dos familiares e dos cuidadores.
“Nesse processo de cuidado, todos os filhos participam, estão todos muito atentos às especificidades dela. Sempre nos comunicamos muito bem com os profissionais, eles sempre passavam um feedback do que devíamos fazer, como devia fazer e não se limitava só aos atendimentos, mas aos cuidados que conseguimos manter, como passeios com ela, a forma de conversar, tentar sempre falar todas as palavras, pedir para que ela repita o que ela está falando, o que ela não entendeu”, ressalta Júlia.
A complicação do Alzheimer, juntamente com o AVC, deixou Altanice com problemas de dificuldade de compreensão, o que também se torna um desafio na rotina diária. “Ela precisa de auxílio para realizar atividades, se alimentar, ir ao banheiro”, relata a neta.
Não é diferente com Janira Rocha, que hoje, não consegue realizar as atividades de forma 100% autônoma e precisa da ajuda da família. Após perder os movimentos do lado esquerdo do corpo, ela tem dificuldades até para andar.
Janira recebe os cuidados de uma pessoa especializada, além de algumas pessoas da família que são técnicas em enfermagem. Por dificuldades financeiras da família, alguns atendimentos precisaram deixar de ser feitos, como o atendimento com o fisioterapeuta, o fonoaudiólogo, e até mesmo com o psicólogo. Ela chegou a sofrer com problemas relacionados à depressão, o que pode diminuir a autoestima e levar o paciente a adquirir outros problemas que comprometem a saúde.
A família chegou a conseguir um tratamento de 15 em 15 dias para a mobilidade de Janira em um hospital público, mas foi encerrado, pois a unidade de saúde priorizou outros pacientes em casos mais graves, segundo sua neta, Júlia. Até que a família encontrou um profissional que aceita o plano de saúde, que abarca poucos atendimentos, e Janira voltou a realizar o tratamento de mobilidade. “Ele está vindo duas vezes na semana para fazer fisioterapia com ela”, explica Júlia.
No entanto, ainda não foi possível conseguir um profissional fonoaudiólogo para realizar o tratamento com relação a fala, que também foi afetada, além dos movimentos do lado esquerdo do rosto para mastigar e engolir os alimentos.
De acordo com Júlia, para a avó beber água, é necessário colocar espessante no líquido. A substância confere aumento da viscosidade do alimento, sem interferência de suas propriedades. “Para ela conseguir beber e não se engasgar”, diz. Já, alguns medicamentos e fraldas geriátricas, são doadas por um tio de Júlia.
Desafios após o AVC
Entre as principais sequelas do AVC, estão as dificuldades para realização das tarefas no cotidiano, como é o caso de idosos. “Sequelas neurológicas como déficit cognitivo, paresia [dificuldade em movimentar] pernas ou braços, perda da visão, da fala. Alguns pacientes podem ficar com dependência total”, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Luiz Eduardo Ritt.
Isso acontece pelo processo em que ocorre o AVC, deixando o idoso com a saúde fragilizada. Segundo especialistas, o sangue bombeia o coração, assim como todas as células precisam de oxigênio e glicose, e esse batimento faz o sangue chegar em cada um desses órgãos.
Apesar de pequeno, o cérebro usa muito a capacidade do sangue, porque consome oxigênio e glicose, que pode chegar a cerca de 20%. Para isso, existe uma rede vascular muito importante, formada por artérias e veias.
No caso do AVC isquêmico, é causado quando uma artéria é obstruída por uma placa de gordura ou tronco que sai do coração, e isso faz com que não chegue sangue no neurônio e ele acaba “morrendo”, ou não tendo oxigênio, causando um sintoma onde faltou sangue, oxigênio e glicose, findando assim, no que é popularmente conhecido como “derrame”.
Além do AVC isquêmico, existe o AVC hemorrágico, em que alguns vasos na região do cérebro chamados de gânglios ou núcleos da base tem pequenos vasos, que causam pequenos aneurismas que podem estourar e sangrar, diferente do que as pessoas normalmente ouvem falar e tem um fator genético importante.
Além disso, ainda existe o infarto que tem relação com o AVC. A principal causa do infarto é um coágulo que interrompe o fluxo de sangue para o coração, provocando a morte (necrose) das células de determinada região dos músculos cardíacos. No geral, esse quadro é resultado da aterosclerose, caracterizada pelo acúmulo de placas de gordura ou outras substâncias nas artérias coronárias, que leva à obstrução.
Por esses e outros fatores, os idosos perdem a movimentação dos lábios, e de outras partes do corpo, pois falta o suprimento suficiente para essas áreas. Dessa forma, o AVC compromete a mobilidade das pessoas, principalmente dos idosos.
Segundo Júlia, neta de Janira, a falta de autonomia é um desafio nos cuidados. “Ela não consegue andar muito bem, perdeu massa muscular. Em relação a parte mental, ela perdeu a noção de tempo, às vezes esquece, quando alguém vem visitá-la pela manhã, à tarde, eu pergunto, ela diz que não veio ninguém. Ela até fica mais lúcida, mas não consegue manter uma conversa”, explica.
Além da dificuldade da comunicação, o que afeta a vida de Altanice, avó de Victoria hoje, é o avanço do Alzheimer juntamente com as complicações do AVC, como o esquecimento, que atinge Janira. “Vamos na segunda, e na sexta, ela já apresenta algum outro sintoma, que não apresentava antes. Às vezes ela deixa de fazer algo e depois volta a fazer novamente, depois deixa de fazer de novo”, explica Victoria.
“Ela não está evoluindo muito, desde quando teve o AVC, há um ano, ela não tem noção de que teve um AVC, ela briga, ela não consegue mais escrever, não consegue mais mexer no celular, acredita que está no passado”, diz Júlia sobre Janira.
Prevenção e cuidados
São diversos os problemas de saúde que podem levar uma pessoa idosa a ter o AVC. De acordo com o cardiologista Luiz Eduardo Ritt, estão “hipertensão, colesterol alto, diabetes, tabagismo, obesidade, sedentarismo”. A hipertensão é o principal deles, como é o caso de Altanice, que já tinha hipertensão arterial e predisposição genética, pois familiares já tinham o mesmo problema de saúde.
De acordo com a diretora médica da companhia farmacêutica Boehringer Ingelheim, Thais Melo, a hipertensão é um fator modificável. “Também estão inseridos a pressão alta, os níveis de estresse, o consumo de álcool e as doenças cardíacas. Então controlar isso são ações efetivas para prevenir a ocorrência de um AVC”, explica.
De acordo com a Organização Mundial de AVC, uma em cada quatro pessoas com mais de 35 anos vai sofrer um AVC, em algum momento da vida - e 90% desses casos poderia ter sido prevenido através do cuidado com um pequeno número de fatores de risco, incluindo hipertensão ou pressão alta, tabagismo, dieta e atividade física. Os dados mostram ainda que mais de 110 milhões de pessoas vivem com sequelas de um AVC.
Já, de acordo com a especialista, entre os fatores não modificáveis estão a idade, caso dos idosos, principalmente a partir dos 65 anos de idade, sendo que as mulheres têm mais risco de ter AVC do que homens, segundo a especialista.
Além disso, segundo a médica, é fundamental ajudar a população a reconhecer os sintomas que podem levar ao AVC, para que o paciente tenha um tratamento precoce. “Se ocorrer um AVC, o melhor caminho para ter melhores desfechos e resultados é ter um tratamento precoce. Para que isso aconteça, é importante saber reconhecer sinais e sintomas que podem indicar AVC, como a perda súbita de força em alguns membros, sensação de formigamento em só um lado do corpo, dificuldade súbita para falar e para as pessoas entenderem o que está sendo falado, perda súbita de visão, tontura, perda de equilíbrio, perda de coordenação ou até dor de cabeça intensa ou muito repentina”.
Estilo de vida saudável como forma de prevenção
De acordo com o nutricionista Bryan Stolze, para prevenir o AVC, principalmente no que tange os casos modificáveis e para pessoas com problemas de hipertensão, é necessário também evitar alimentos ricos em gordura para prevenção da hipertensão arterial ou cuidado após diagnóstico. “Com menos alimentos processados, industrializados, embutidos, ricos em gordura, fritos, com adição de sal e sódio em grandes quantidades, ricos em carboidratos refinados, como açúcares”, cita.
O nutricionista também salienta a importância de se atentar aos alimentos adquiridos nas compras no supermercado. “Os alimentos in natura, como as frutas e os vegetais, vão ajudar no controle da pressão arterial. Também é importante no momento de preparo, evitar fritura por imersão, utilização de muitos óleos, gorduras, para fazer o preparo do alimento, e ter o controle de adição de sal”, explica.
Inovação
Com o avanço da tecnologia e da medicina, hoje já existe um medicamento que pode diminuir os impactos até o início dos sinais de sintomas do AVC. A companhia farmacêutica Boehringer Ingelheim tem o ACTILYSE® (alteplase), um medicamento que deve ser usado apenas em ambiente hospitalar por um profissional de saúde habilitado nas primeiras 4 horas e meia, durante o início do AVC.
“É muito importante que o tratamento seja feito o quanto antes, porque quanto mais precoce for, mais as chances de trazer benefícios, pensando que em cada minuto que a irrigação sanguínea do cérebro é prejudicada, a pessoa pode perder até 1,9 milhão de neurônios. Então quanto mais rápido se estabelecer o fluxo sanguíneo no cérebro, melhor vai ser o resultado”, explica Thais Melo.
De acordo com a especialista, o tratamento com o medicamento deve ser feito após uma avaliação da equipe multiprofissional e equipe médica, para identificar um AVC isquêmico. Além de realizar uma tomografia, para excluir a existência de um sangramento ou alguma contraindicação, e assim instaurar e realizar a infusão do medicamento.
Ainda segundo Thais Melo, o medicamento é considerado trombolítico, ou seja, ele dissolve os trombos de dentro das artérias, uma forma de dissolver o coágulo que está bloqueando a passagem de vasos sanguíneos no cérebro, no caso do AVC isquêmico, assim restabelecendo a circulação sanguínea nos vasos, voltando a irrigar a região e levando sangue para o tecido do cérebro. “Isso reduz o risco de complicações de morte pelo AVC isquêmico”, diz.
“Com o restabelecimento do fluxo de sangue no cérebro e evitando a morte dos neurônios e do tecido cerebral, os pacientes tratados vão se recuperar mais rapidamente, vão ter menos sequelas de curto e de longo prazo, vão ser capazes de viver uma vida mais independente, sem necessidade de assistência e vão ter uma redução da mortalidade entre meses após a ocorrência do AVC, quando tratados adequadamente, no tempo correto”, explica Thais Melo.
Esperança no agora
Hoje, a família de Altanice a auxilia a preservar “o pouco” de cognição que ela tem, de acordo com Victoria, para que, mesmo que a passos pequenos, ela consiga executar uma parte das atividades diárias. “As expectativas da minha família envolvem muito o emocional”, diz.
Janira se locomove através de uma cadeira de rodas, mas mesmo com as dificuldades a família ainda tem esperança de vê-la realizando outras atividades ainda. “Nós temos a expectativa de que ela volte a se locomover com mais facilidade, mas não está evoluindo, além de ter mais resistência, para conseguir ajudar nos cuidados dela, porque até para tirá-la da cama, é difícil, pois temos receio de machucá-la, e por ela ser alta, até para colocar na cadeira de rodas, também é difícil”, diz Júlia. Hoje, Janira dorme em uma cama hospitalar adaptada para o quarto.
No entanto, como “tempo é cérebro”, como diz a especialista Thais Melo, é necessário educar a população a reconhecer os sinais e sintomas do AVC, e como consequência disso, diminuir seus riscos.
Centros de Referência na Bahia
Entre as inovações da Boehringer Ingelheim está o Programa Angels, que visa qualificar os centros de AVC existentes e auxiliar na implementação de novos centros. O programa, apoiado pela Organização Mundial de AVC e pela Organização Ibero-americana de Doenças Cerebrovasculares, tem o intuito de melhorar o atendimento fornecendo treinamento e capacitação a todas as pessoas envolvidas na assistência de AVC.
Entre os objetivos do programa se destaca a monitoração e certificação de unidades de saúde, e que ao atender as exigências, recebem certificações como Diamond, Platinum e Gold, que refletem a qualidade dos serviços prestados.
Na Bahia, entre os centros de saúde referência em tratamentos de AVC está o Hospital Geral Cleriston Andrade, localizado em Feira de Santana, segunda maior cidade da Bahia, que ganhou o status Diamante de atendimento pela certificação Angels Awards. Também está o Hospital Geral Roberto Santos, o primeiro a ter um centro especializado em AVC do estado, certificado pelo Ministério da Saúde.
Além de garantir certificações, o programa tem como objetivo capacitar profissionais de saúde para lidar com o AVC agudo, fornecendo treinamento e ferramentas que auxiliam na identificação e no tratamento rápido do AVC.
Também como implementar protocolos eficientes que ajudam hospitais e serviços de emergência a diagnosticar e tratar o AVC de forma eficaz e em menos tempo.
A capacitação dos hospitais é feita através de visitas in loco de um representante do Angels, como uma enfermeira dedicada ao AVC, que realizar um diagnóstico dos pontos a serem melhorados no processo. Além de ajudar a traçar estratégias para aprimorar o protocolo local e participa do plano de promoção desse protocolo.
*Nome fictício foi utilizado para preservar a identidade da fonte.
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